quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Minha Casa, Meu Pânico

Ainda de carona com os efeitos do debate de terça-feira passada, esta semana me dedico especialmente a toda a barulheira gerada por conta de um aspecto em especial. Atenção aos links arrolados ao texto!




Gerou estridência a fala da candidata à prefeitura de Itararé, Cristina Ghizzi (PT/SP). Durante o debate realizado na semana passada no auditório da FAFIT, declarou abertamente que pretende cadastrar o município no programa do governo federal "Minha Casa, Minha Vida" e que a construção das casas deve ocorrer no centro. 

Como quem tem boca fala o que quer, infestaram as redes sociais com mais algumas avalanches de ignorância e um pouco mais, eu diria... pânico.

Primeiro que não se faz necessário nenhum status de gênio para compreender que a área central corresponde, na verdade, ao perímetro urbano dotado de toda a infra-estrutura necessária para abrigar, de maneira digna, um conjunto habitacional. Segundo: ainda que as casas sejam construídas no centro, o projeto continua sendo factível - e eu conto porquê.

De acordo com decisão do Conselho Curador do FGTS ainda em 2011, o teto para imóveis novos e usados financiados com recursos do fundo subiu - para municípios a partir de 50.000 habitantes - de R$ 80.000,00 para R$ 100.000,00. Para famílias com renda bruta até R$ 1.600,00, o governo compra o imóvel e subsidia até 95% do seu valor total. Uma passeada pelas imobiliárias da cidade revela terrenos no centro com valores entre R$ 30.000 e R$ 40.000 - fácil, sem muito esforço de procura.

Na última sexta, R$ 3 bilhões foram injetados pelo governo federal para a compra de materiais de construção e afins para clientes do programa. E tem mais: o governo Dilma apresentou proposta à Caixa Econômica Federal que procura atender também a classe média a partir da redução da taxa de juros para a faixa 3 - famílias com renda entre R$ 3.101,00 e R$ 5.000,00 -, que hoje opera em 8,16%, para 7,16% ao ano.

Verdade seja dita, toda essa operação acontece hoje para resolver um "problema" criado pelo próprio governo PT: a economia do país de fato cresceu. Desde o primeiro governo Lula, não apenas o conserto do  chamado "populismo de câmbio" - manobra de FHC para garantir sua reeleição em 1998 - serve de trunfo para esta alegação. Entre 2003 e 2008, a inflação permaneceu religiosamente inferior a todo o governo Fernando Henrique Cardoso e a partir de então as taxas de crescimento têm ascendido de maneira inversamente proporcional à dívida pública. O aumento real do salário mínimo, acompanhado de programas sociais como o Bolsa Família, tem contribuído para a maior redução da desigualdade social em 40 anos. 


Ao que tudo indica, o problema não está na construção das casas populares no centro pela falta de viabilidade e sim pelo pânico. Pânico da classe média conservadora que até ontem via o trabalhador no máximo esperando o pior ônibus passar para uma viagem qualquer e hoje já conhece os aeroportos. Porque hoje Ensino Superior já não é mais artigo raro de luxo exótico. Pânico, porque quem esteve condenado à sombra hoje vislumbra lugar ao sol, por tanto tempo usado de iluminação privativa. 

O choro é livre.


Abraços, 
Murilo.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Um Esgoto Chamado Facebook

Como a retórica nas redes sociais é usada para encobrir o fracasso na vida pública



Desde pelo menos os anos 1980, a "supermodernidade" opera através de um mecanismo muito simples de entender e traumático de conviver. O que tem feito a ascensão da classe média diante de um mundo globalizado é uma confusão cada vez mais violenta entre os espaços público e privado. Na verdade, eu diria melhor: o que tem feito o espaço privado não é outra coisa senão simplesmente engolir o espaço público, invadido progressivamente pela nossa privacidade. (Maior exemplo disso talvez seja o trânsito. Cada vez mais confortáveis, seguros e dinâmicos, os carros têm se tornado uma espécie de "cômodo móvel" da casa e são responsáveis por "acidentes" como fruto desta flutuação pelo espaço público através de um instrumento privado.) 

Pois bem, de 10 anos pra cá as redes sociais potencializaram essa invasão. Terra de ninguém, a internet se transformou numa batalha campal entre o "eu" e o "eu mesmo" diante da inédita possibilidade de glamourização do sujeito anônimo, encantado pela ocupação de um espaço inalcançável décadas atrás. Sem hermetismo, a verdade é que as redes sociais deram autoridade - ou pelo menos voz - a qualquer argumento fundamentalmente imbecil.




Em debate transmitido via rádio Educadora Fafit ontem, o candidato Heliton Junitex (PSDB) esteve impagável: diante de uma plateia composta em grande parte por professores ou estudantes de licenciatura, afirmou que seu plano de governo pretende instaurar o projeto implantado pelo governo do estado "que deu muito certo" aos professores do município, chamado "progressão continuada" - PROGRESSÃO CONTINUADA, isso mesmo. Para quem não sabe, este sistema é aquele que aprova automaticamente os alunos não retidos por falta. Talvez Heliton estivesse falando do sistema de meritocracia, que concede aumento de salário aos professores mediante resultado obtido em prova aplicada pelo governo. TALVEZ, porque o que se falou foi em progressão continuada, que na verdade nada tem a ver com os professores e sim com os alunos.

Demonstrando desconhecimento completo ainda da função do executivo municipal, o candidato do PSDB afirmou que pretende investir também no professor do estado. Como a PREFEITURA vai fazer para pagar os funcionários do ESTADO DE SÃO PAULO eu não sei, melhor perguntar para o quem sabe futuro prefeito. 

Perguntado sobre como aplicar à cidade os recursos passados pelo Fundeb, Heliton disse que a Educação é muito importante, mas como não é "político profissional", sem saber o que é o Fundeb, ainda está aprendendo. Se alguém aceita, tenho uma sugestão: o candidato pode voltar ao pleito eleitoral daqui a 4 anos depois de aprender, que tal? 

Não apenas a Educação, mas a Saúde também apanhou nas mãos do aprendiz: disse que pretende transformar a gestão da Santa Casa como numa empresa, para gerar lucros. Lucros?! Numa entidade FILANTRÓPICA, que aliás nem é - e nem deve ser - administrada pela prefeitura.

Para encerrar a noite, o grand finale: diante dos aplausos que ovacionaram a candidata Cristina Ghizzi ao fim do debate, voltou ao microfone - sem a autorização das regras do evento - e esbravejou contra a plateia e a instituição. Se sentiu prejudicado por estar no local de trabalho da professora candidata pelo PT e, ofendido, teve o microfone desligado por conta da revolta. Coube ao professor Tiago Antunes, mediador, a brilhante intervenção que lembrava o elemento mais básico de todos a respeito do litígio: todo mundo recebeu o convite, aceitou quem quis. 

Isso tudo tem um nome: histeria. A histeria é o principal sintoma do desespero. E diante do péssimo desempenho com o microfone na mão, coube ao staff da campanha uma operação tapa-buracos tão histérica quanto superficial. 

E é justamente isso que a retórica tem a oferecer. Ela não te convence pelo que se vê, pelo que se comprova, pelo que se examina. A retórica te convence por ela mesma. Jogo de palavras, de perguntas, de raciocínios ad infinitum, ela é a maior comprovação do mau uso da racionalidade humana. E no Facebook a retórica virou show.

Cheio de "kkkk"'s e abusando do Caps Lock, Manoel Messias Júnior, da redação do jornal Gazeta, questionou a presença de alunos bolsistas do Prouni na plateia que, afinal, "foram lá para aplaudir quem?" E mais, sugeriu que o apoio à Cristina vindo do público deve ser retribuído através da concessão compulsória de notas 10 pela professora aos estudantes. Todas as postagens do mesmo sujeito são acompanhadas do mesmo exercício retórico preconceituoso e sujo que me recuso a reproduzir na íntegra em respeito ao meu endereço eletrônico que, ao contrário de outros, não serve de latrina. 

Heliton Jr. compara aumento legal de salário do legislativo à corrupção; Hélio Porto afirma que a eleição de Cristina - dessa vez ao executivo - é continuísmo, e meia dúzia de zumbis correm atrás para "curtir", como prevê a deprimente dinâmica do Facebook. Assim como Messias Jr., o sr. Hélio Porto desqualifica todo o conteúdo do debate porque diz ter sido privilegiada a candidata "preferida da faculdade". Agora o que menos importa para toda essa trupe é o que disse ou deixou de dizer Heliton e PSDB durante o evento.

Por fim e por último, o que resta da experiência deste debate e de outros eventos é que a sujeira do dito pelos candidatos é automaticamente revertida pela terrível ótica da retórica. E aí manda censurar quem divulgou, manda processar quem organizou. Ignorância e incompetência no discurso são quase automaticamente substituídos por uma avalanche verborrágica dessa prática lamentável no ambiente podre do "fala quem quer" ou "acredita porque eu grito mais alto". 

Mais do que causar o caos urbano no trânsito, essa mesma confusão entre espaços levou a mais privada das práticas ao alcance de todos: a arte de defecar em público. Pela boca - ou neste caso, pelos dedos -, a transformação das redes sociais num esgoto a céu aberto foi o que mais atraiu tantos usuários ao Facebook e o que hoje mais contamina o espaço público através da mais suja das retóricas: a histeria.


Saludos, 
Murilo.