quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A Vaca Gorda e o Aleijado

Entenda o processo que levou à cassação da candidatura do prefeito reeleito César Perúcio e suas eventuais implicações





Denunciado pelos candidatos José Donisete de Camargo - o Zetão -, Sandro Heleno Cândida de Araújo, Valdiclei Oliveira e Coligação "O Futuro Começa Agora", César Perúcio foi condenado por "abuso de poder econômico e político", no processo n.º 393-96.2012.6.26.0057 e 394-81.2012.6.26.0057, conforme os termos do artigo 22 XIV da Lei Complementar 64/1990, e declarado inelegível pelo período de 8 anos. Devido à péssima qualidade das publicações que verteram nos meios de comunicação de maior expressão, em especial o portal G1 e a TV Tem, vamos ao esclarecimento dos fatos.



Na tentativa de desestabilizar o julgamento, os representantes de César alegaram cerceamento do direito de defesa do também acusado vice, Kiko da Unical, mesmo depois do acordo declarado entre as partes. O juiz ofereceu adiamento, mas "em alto e bom som" os advogados da campanha concordaram na realização da defesa comum aos dois naquela data mesmo, conforme anotado no termo de audiência. Afastada a hipótese e percebida a má-fé, foi determinado o pagamento de multa a cada um dos representantes.

Como as representações de acusação foram múltiplas, ou seja, de 3 pessoas físicas e de uma Coligação, os advogados do prefeito pediram a nulidade do processo sob a alegação de litispendência, como se ele fosse apenas a repetição de outro já existente. Ridículo, pra não procurar nenhum eufemismo, e a solicitação também foi negada.



Prova do Laço Beneficente, Vaca Gorda e o Grande Baile Gaúcho. Assim foi chamada a festa "beneficente" ocorrida na fazenda do prefeito entre os dias 22 e 23 de setembro. Conforme a acusação, estavam presentes no local o candidato à reeleição, assim como inúmeros correligionários, carros de propaganda e uma ostensiva divulgação da campanha pela Coligação "União e Crescimento", liderada pelo DEM.

Entre os 2 dias de evento, estiveram presentes cerca de 800 pessoas. Foram realizadas provas, vendidos salgados e bebidas e concedidas premiações aos participantes.

Compareceram como testemunhas em juízo os eventuais organizadores Joel Aguiar Pinheiro e Márcio, que afirmaram categoricamente não haver envolvimento de Perúcio no evento. Para a infelicidade dos dois, no entanto, o juiz eleitoral teve acesso ao convite do evento criado pelo próprio filho do prefeito, Paulo Perúcio - que é também secretário de governo do município e ocupante eventual de outros setores da prefeitura. Fotos anexadas ao processo e depoimentos apontaram o grande número de veículos que estavam no local e que serviram, inclusive, de transporte para o público presente.

Os organizadores/testemunhas afirmaram também que a festa foi realizada em benefício do sr. João Edson Soares, recentemente envolvido em grave acidente que lhe custou a amputação de braços, pernas, e ainda a morte da esposa. 

Complicou mais ainda a situação de Joel e Márcio a visita realizada pelo próprio juiz à residência de João, que foi interrogado para o esclarecimento da situação. De início, o "beneficiado" negou,  mas por fim confessou ter recebido orientação prévia de Márcio a respeito da visita, com o objetivo de direcionar suas respostas e desviar assim o curso do julgamento para livrar a barra da prefeitura.

E mais, o sujeito usado como figura beneficiada pelo evento - sem querer soar repetitivo - BENEFICENTE não recebeu qualquer valor arrecadado. Em juízo, Joel e Márcio afirmaram que mesmo 17 dias após sua realização, estavam esperando a compensação de cheques pré-datados para o repasse, ainda que João Edson Soares viva em condições precárias e em necessidade urgente de auxílio.

A defesa de César Perúcio esteve pautada, também, na ideia de que o número de participantes na festa era ínfimo se comparado ao total aproximado de 37.000 eleitores da cidade. De acordo com o Dr. Fernando Oliveira Camargo, o argumento é inválido, pois ignora o fato de que o candidato esteve atrás no pleito durante toda a apuração, tendo realizado a "virada" justamente nas urnas das proximidades da festa, na zona rural.

Por fim, o Dr. Fernando Oliveira Camargo determina a cassação da candidatura de Luiz César Perúcio e Kiko da Unical, anulando assim legalmente todos os votos "25" computados nas urnas.



De acordo com a advogada mestranda Patricia Menezes Oliveira, "abre-se prazo de três dias para a parte recorrer, e outros dois dias para a outra parte contrarrazoar" - ou seja, a contestação da defesa pode ser também contestada pelo juiz, que a comenta e os autos sobem para o Tribunal Regional Eleitoral. De lá, "são 2 dias para o Procurador se manifestar e, com ou sem parecer, vai ao relator para julgamento no prazo de 3 dias". A partir de então, novo recurso só no Tribunal Superior Eleitoral, com mais ou menos o mesmo trâmite burocrático.

E aí entramos na maior polêmica da questão, intitulada pela campanha do PSDB como "Onda Azul". Como a acusação veio de representantes da coligação ligada ao candidato Heliton, estão reivindicando nas redes sociais e veículos impressos a realização de novas eleições, situação mais do que improvável de acordo com determinação do Tribunal Superior Eleitoral e ratificada com a Lei Complementar nº 135/2010 - conhecida como Ficha Limpa.

Nas palavras da ministra relatora Eliana Calmon, "a nulidade dos votos dados a candidato inelegível não se confunde com os votos nulos decorrentes de manifestação apolítica do eleitor, a que se refere o art. 77, § 2º, da CF, e nem a eles se somam, para fins de novas eleições (art. 224, CE)." Ou seja, uma coisa seria a decisão popular de anular mais de 50% dos votos e outra é, de fato, a anulação legal dos votos por decisão judicial. 

Confirmada a cassação de registro de candidatura pelo TSE, só serão realizadas novas eleições em caso do candidato ficha-suja eleito ter atingido mais de 50% dos votos - o que não se configura, pois César obteve 34,03% - como confirma ninguém menos que a ministra presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Portanto - mais uma vez -, se confirmada a cassação da candidatura de César Perúcio pelo TSE, diante dos argumentos levantados, Cristina Ghizzi é a prefeita de Itararé para mandato entre 2013 e 2016. Nestes casos, como lembra a jurisconsulta Luana Rodrigues, normalmente a defesa do prefeito eleito impetra um Mandado de Segurança contra a diplomação, o que no máximo pode atrasar o processo de transição. 

A "onda azul" pode fazer barulho, mas não passar por cima da lei eleitoral. A grande verdade é que novas eleições interessam ao PSDB porque Heliton é o único candidato com poder econômico suficientemente considerável para nova campanha. Vale lembrar que a denúncia foi encaminhada antes do dia 07 de outubro e contava, talvez, com melhor colocação do seu candidato nas urnas, o que não aconteceu.

Os protestantes podem ficar à vontade para achar. Mas para contestar, são bem-vindos argumentos.

Gostaria de agradecer imensamente a contribuição dos amigos advogados Márcio Nunes da Silva, Luana Rodrigues e Patricia Menezes Oliveira, que gentilmente enriqueceram o conteúdo do texto com informações preciosas sobre Direito Eleitoral e a burocracia do sistema judiciário brasileiro.

Abraços, 
Murilo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Olho Por Olho

Um breve comentário sobre o assassinato do PM Rodrigo Paes, a prisão e a repercussão dos eventos



A praça de Greve estava lotada em Paris. Era 2 de março de 1757, e o protagonista do espetáculo chegava vagarosamente desde a porta da Igreja, vestido apenas com uma fina camisola. Diante dos olhos de todos, sofria duras chagas como castigo pelo crime de parricídio. Considerado o pai de todos, o rei da França Luis XV fora atacado por Robert-François Damiens que segurava agora a mesma faca com que tentou matar o mandatário máximo do absolutismo francês em pleno vigor a pouco menos de três décadas do seu colapso. Puni-lo era questão de honra para o rei, e mais, exemplo para os demais súditos.

Além da humilhação submetida graças à exposição e os constantes xingamentos proferidos contra si, Damiens também recebeu um sem-número de açoites que pouco a pouco rasgaram cada parte do corpo. Braços, pernas e mamilos decepados recebiam doses cavalares de óleo fervente, chumbo derretido e piche, que eram derramados sobre cada uma das feridas.


Já no patíbulo erguido, diante da multidão, Damiens partiu para uma das cenas finais do seu auto-de-fé: o esquartejamento. 4 cavalos foram colocados à disposição, amarrados a cada um dos membros do seu já debilitado corpo. A partida foi dada, e muito embora fossem fortes, os cavalos não foram capazes de arrancar-lhe as juntas. Depois de algumas tentativas, em meio aos gritos de horror proferidos pelo criminoso, houve nova tentativa, agora com 6 cavalos, também sem sucesso.

Para concluir o destino da condenação, os carrascos decidiram eliminar o problema: cortaram todos os nervos das pernas que impediam a secção da carne. Assim, finalmente, os cavalos partiram mais uma vez e Damiens teve os dois braços e as duas pernas brutalmente arrancados do corpo ainda relutantemente vivo. Lançados ao fogo, os pedaços de carne e o tronco queimaram por cerca de 4 horas.



Muito tem se falado a respeito do lamentável incidente ocorrido no Clube Atlético Fronteira no último sábado, dia 13. Depois de uma confusão generalizada dentro e fora do clube, um grupo de jovens tentou invadi-lo e durante a confusão o tenente Rodrigo Cordeiro Marcelino Paes, que não estava a trabalho, foi morto a facadas. Ainda em meio ao tumulto, o diretor social do clube, Lino Vincenzi, também foi ferido.

Algum tempo passou desde a condenação de Damiens, e a grande verdade é que, pelo menos legalmente, a punição da delinquência tem se tornado cada vez menos vingança e mais justiça. Ainda que as prisões não tenham produzido aquilo que Foucault chamou de "corpos dóceis", é fato que a racionalização das penas deveria ter reduzido a violência não apenas marginal, mas também do Estado. Deveria, pois no frigir dos ovos a violência do Estado tem sido constantemente justificada pela marginal, e a consequência disso é o caos urbano.

"Tem que linxar - (isso, com "x" mesmo) - um sujeito desses todo dia!", diziam alguns no, sempre ele, Facebook. "Vagabundo tem que morrer", escroteiam Jair Bolsonaro, Datena e tantos outros que caem como luva no discurso neo-absolutista revelador de uma vontade de vingança que atropela a constituição e quaisquer direitos minimamente humanos.

E foi o que aconteceu. Já no domingo, testemunhas ouviram da rua os urros dos presos que foram capturados logo pela manhã pelo assassinato no clube. Quase 30 pessoas foram "interrogadas", e o resultado disso é a inversão de todos os valores que a civilização tanto se propôs a defender. De repente, a vingança é encapuzada de justiça. Os presos foram espancados sob a perplexidade dos familiares que se amontoaram em frente à delegacia, e a opinião pública entoa um discurso facínora de apoio baseada na velha lei de talião: olho por olho, dente por dente. Há quem jure que os policiais estão "esperando logo" pela libertação do assassino para dar o devido troco pelo crime.

Claro que já tem alguém aí se remoendo e perguntando: "e o que você faria se fosse com uma filha sua?!" Evidentemente, o mesmo, ou pior. E justamente por conta da minha falta de juízo numa situação dessas que me sinto absolutamente incapaz de ser responsável pelo destino destas criaturas.

Não estou aqui para defender o crime, sob hipótese alguma. Mas para lembrar o talvez esquecido leitor que foram justamente diante destes mesmos argumentos que mais de 400 "subversivos" foram torturados e mortos durante o regime militar; e ainda quase 200 continuam com os restos mortais desaparecidos. Outro período, outras circunstâncias, mas na prática o mais do mesmo: a suspensão dos direitos básicos do indivíduo pelo ódio que enche de vermelho os olhos de quem exerce, na força, o poder. Foi esses dias que o governador Geraldo Alckmin respondeu às críticas pela truculência da PM na reintegração de posse da ocupação no Pinheirinho: "quem não reagiu está vivo", disse.

E tem mais: se se quer que a justiça seja feita, a primeira leitura deste lamentável evento é a de que o inverso se faça bem mais provável. Não deve ser o caso, mas qualquer advogado teria plenas condições de reverter a situação contra o próprio Estado, que pode ser duramente responsabilizado pelos maus tratos com os presos.

Usando a violência marginal como desculpa para a própria, o Estado se torna tão bandido quanto a delinquência que propõe extinguir. Desta forma, prisioneiros do sistema que deveria nos proteger, estamos diante do mal em sua excelência, aquele que se traveste de bem para espalhar o medo, e não a segurança. Estamos como as famílias nordestinas do início do século XX, representadas no filme Abril Despedaçado, que eliminam umas às outras pela "honra": o filho de uma executa o que foi responsável pela morte do filho da outra; o filho da outra elimina o que restou da uma. E no fim das contas não sobra ninguém.

Como disse o nunca repetitivo Ghandi: olho por olho, e o mundo acabará cego.



Abraços,
Murilo.


quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Nota Oficial de Falecimento



Parentes e amigos estão lamentando porque não puderam acompanhar. Mas como toda morte trágica, o falecimento de Itararé precisou de um sepultamento rápido. Primeiro porque a dor de ver um ente tão querido, embalado num caixão, em estágio rápido de decomposição, é inexprimível. Segundo porque o cemitério dos vivos só abre às segundas-feiras, portanto era preciso correr para não deixar o enterro para a próxima semana, 8 dias depois do óbito.

Ainda assim, em estado de choque e de certa forma incrédula, a multidão compareceu e acompanhou em silêncio absoluto o cortejo iniciado na Praça Matriz, com trajeto que se estendeu pela Rua XV, passou pela casa do falecido no calçadão (dizem que será leiloada) até o CAF, e de lá desceu rumo à São Pedro, sua rua preferida, com uma volta que seguiu rumo à Câmara Funerária Municipal - que não é lá uma pirâmide, mas tem muita gente morta dentro - e foi encerrada com uma emocionante sessão de aplausos entoados agora por um número multiplicado de ex-céticos, agora plenamente convencidos de que não tinha mais volta: Itararé realmente morreu.

Ao contrário do que costuma fazer João da Égua, os membros do cortejo não usaram o falecimento do já centenário sujeito para interesses político-partidários. Até então azuis, vermelhos ou brancos, enfim, trajaram o mais elegante preto em respeito a quem tanto fez por todos, e há muitos anos operava com a ajuda de aparelhos na UTI local - o que muitos entendem já como quase uma eutanásia.

Houve, no entanto, quem não compareceu ao trajeto ou ao velório e justificou a ausência. Como são muitos, podemos dividi-los em 3 grupos:

1) Medrosos: por algum motivo, imaginaram que a qualquer momento o cadáver poderia se levantar e quem sabe puxar seus pés no meio da noite. Alguns dizem que pouco antes da hora da morte, o médico falou em nome do defunto - com declaração e tudo - e detalhou como a ação à lá The Walking Dead aconteceria caso fossem vistos na marcha fúnebre. 

2) Obesos: não estiveram porque engordaram tanto durante os anos de decadência física do morto que não tinham condições de assistir ao enterro. Aliás, ainda que tenham comido às custas dele - e o mínimo que poderiam fazer era dar um último adeus -, demonstraram asco diante dos pobres magricelas que acenderam algumas velinhas. Pelo Facebook, disseram que a presença dos entristecidos era falta de trabalho - o que de fato acontece de maneira radicalmente acentuada desde 2009. Disseram que era tudo fruto da manipulação do "professorzinho" e reprovaram feio em Matemática quando disseram que a maioria havia escolhido pelo óbito. Acusaram os secos de desrespeito à ordem natural das coisas, e que a morte não poderia ser lamentada, ainda que o cortejo tenha sido amparado legalmente e pelas autoridades competentes.

3) Intelectuais de Sofá: embora não tão robustos, viram aquela reunião espontânea e o nariz torceu, já que o comando daquilo não estava em livro algum. Afinal de contas como todo mundo é burro mesmo, menos eles, o coitado do Itararé morreu porque mereceu. Como na velha história do livre-arbítrio, argumentaram filosoficamente que o pobre do moribundo tinha escolhido partir desta para uma melhor. Evocaram frases de efeito de sites como pensador.net para desdenhar o choro coletivo natural e exigiram ação médica preventiva, ainda que não houvesse mais nada a fazer - afinal, sabem que não adianta apelar para a metafísica. Mas são tão superiores que se esqueceram de mencionar o que de fato fizeram eles quando o risco de morte era alto, mas ainda reversível. Entendem que sua maior arma revolucionária e incontestável é a anulação - arma potente, pois foi exatamente esse tiro, disparado 1.098 vezes, um dos responsáveis pela perfuração impiedosa do cadáver. Só protestam se for em francês.

Por sorte, todos eles têm a chance de acompanhar os registros de quem esteve e enxugou as lágrimas num ombro amigo:



















Mais em: http://www.virtualguia.com.br/e/protesto-contra-a-reeleicao-de-cesar-perucio-leva-centenas-de-pessoas-a-camara-municipal-de-itarare


Que venha a ressurreição.


Abraços,
Murilo.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Funeral!

Olá amigos, 

Ainda sem tempo de construir uma postagem de análise sobre o resultado das eleições de ontem. Mas está sendo organizada uma marcha política APARTIDÁRIA para HOJE às 19:00 horas em luto pela cidade de Itararé, que flagrantemente morreu ontem nas urnas.

A marcha será concentrada na praça Matriz e segue rumo à Câmara Municipal, onde o caixão transportado será colocado. Preferencialmente, todos devem estar vestidos de preto. 

Agora nós veremos quem estava realmente preocupado com Itararé ou com os interesses particulares.

Muita força na divulgação porque esse recado é URGENTE. A Marcha é hoje! 


Abraços, 
Murilo.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Deus e o Diabo na Capital do Comércio

2 de dezembro de 1804, Catedral de Notre-Dame de Paris. Uma cerimônia espetacular aguarda a coroação de uma das figuras políticas mais apaixonantes da história de França e Ocidente contemporâneos. Depois do golpe (18 Brumário, 1799) sobre o golpe (9 Termidor, 1795), Napoleão Bonaparte institui a grande cartada de um governo que, desde o afastamento dos membros do Diretório, já dava sinais concentração. Ao contrário da cartilha, o novo imperador exigiu a presença do papa na França. No ápice do espetáculo, retirou das mãos de Pio VII o diadema e coroou-se ali mesmo, sozinho, com os próprios punhos.



Há pouco tempo, alguém perguntou retoricamente no Twitter "desde quando política tem a ver com religião?". Respondo, com toda franqueza: desde quando existe política e desde quando existe religião. Isso porque a formação das primeiras civilizações no Oriente Próximo, ao redor da região da Crescente Fértil - área que corresponde aos atuais Egito, Iraque, Líbano, Síria, Jordânia e por aí vai -, esteve umbilicalmente ligada ao poder religioso manifestado através da chamada Teocracia: o governo de Deus. No Egito, o faraó, além de figura político-militar, era considerado sobretudo um deus vivo na Terra, que ajudava a regular as coisas e o funcionamento perfeito do cosmos.

Médici, Pinochet, Franco, Hitler, Mussolini... mais do que genocidas étnicos e políticos, usaram da religião e dos "bons costumes" para os maiores regressos da história nos Direitos Humanos. Torturaram e jogaram corpos como se fossem lixo. Augusto Pinochet no Chile treinou cães para estuprar esquerdistas e enfiou ratos na vagina das mulheres de "subversivos". ATEUS, diziam os partidários do ditador, eram a prova viva de que o diabo estava infiltrado na política. "Diabo", neste caso, era Salvador Allende, democraticamente eleito e responsável por uma das maiores reformas sociais em favor do trabalhador chileno. Deixou o palácio La Moneda carregado morto depois de épico discurso transmitido ao vivo pela rádio e só interrompido pelas bombas que trucidaram a residência oficial com o seu presidente dentro.

O que tem feito a campanha de Heliton em Itararé é pura e simplesmente a atualização de milênios ininterruptos de controle da religião sobre o poder. Apelou à comunidade evangélica e desenvolveu uma verdadeira cruzada através das redes sociais, jornais e eventos públicos mediante a reprodução de valores de intolerância e ódio.

Articulador da campanha, Flavio Prado tem sido usado pelos jornais, que estão fazendo PROPAGANDA ILEGAL a favor do PSDB - é só conferir o número de aparecimentos coincidentes como na "carta do leitor", por exemplo (olhe minha cara de bobo) -, e lança mão daquela mesma retórica que denunciei há duas semanas. Ao jornal Regional, disse que ia responder ao comentário de alguém no Facebook e aproveitou para destacar que a igreja a qual pertence Heliton, a Congregação Cristã, é uma religião totalmente apolítica, e que defende a total separação entre Estado e Religião. No entanto, continua, "doutrina seus membros a não votarem em candidatos que não compartilham dos ensinamentos de Deus e da Sua moral". Afirma que uma pesquisa - cadê?! - revela 80% de congregados a favor do 45. 

Isso nem retórica é. É tentativa de homicídio contra o seu cérebro de leitor.

Os comícios estão lotados de discursos de ódio contra candidatos de esquerda, aqui ainda confundidos com ateus e talvez até comedores de criancinhas. Flavio Prado, Osvaldo Martins - o Michael Jackson de Itararé -, Hélio Porto e mais, têm inundado as redes sociais com um show de intolerância poucas vezes visto em mais de 100 anos de município.

Estado laico não é Estado ateu. Estado laico é justamente aquele que luta para garantir os direitos de liberdade de expressão religiosa, conforme determinação constitucional. É aquele que luta, inclusive, pela não aplicação de códigos morais e punitivos que até pouco tempo atrás no Ocidente apedrejavam mulheres até a morte pela acusação de adultério e justificava a escravidão - isso graças a leitura literal das escrituras "sagradas".

É justamente essa turma que hoje se esconde atrás da bíblia para defender a intolerância e da constituição, para justificar que pode manifestá-la como quiser, que hoje apodrece o Congresso Nacional com uma proposta para cura gay, como se a homossexualidade fosse doença. Os deputados João Campos, do PSDB/GO, e Roberto de Lucena (PV/SP) vão contra decisão do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe a patologização da expressão da sexualidade homoafetiva a partir destes mesmos textos que um dia derrubaram os muros de Jericó para o massacre impiedoso de infiéis. 

O que hoje responde por "ateu", ontem já respondeu por "mulher", "negro", "pobre", "pagão", "judeu", "retardado" - como Heliton chamou na semana passada as crianças do CEAMI - e tantos "Outros" que compuseram a história dos excluídos.





Duzentos e oito anos depois, no dia 07 de outubro de 2012, em pleno século XXI, quem vai ter os culhões para tirar a coroa das mãos do papa?


Saludos, 
Murilo.