segunda-feira, 30 de junho de 2014

Operação Castellucci

Como o governo Perúcio preencheu todos os cargos comissionados da Prefeitura de Itararé com altos salários, permaneceu dentro do limite prudencial em gastos com pessoal e tirou o sono da atual gestão petista

por MURILO CLETO




Na segunda semana de junho, um comunicado interno da Prefeitura Municipal de Itararé circulou mais rapidamente do que qualquer outro pelas secretarias espalhadas pela cidade. A informação de que a primeira parcela do 13º salário - há anos paga em junho - seria depositada somente nos meses de outubro e novembro indignou boa parte dos funcionários. Pelo Facebook, diversos deles manifestaram o descontentamento com declarações agressivas e acusações de incompetência à administração municipal.

Cerca de um mês atrás, outro rebuliço foi causado pela suspeita de corte nas horas extras dos funcionários, e houve até quem ameaçasse greve por conta da readequação. Jornais locais endossaram o coro e parte da Câmara de Vereadores também. Na virada do ano, jornais destacaram que o discreto aumento de salário (5,9%) era muito abaixo dos garantidos pela gestão anterior, que chegou a 11% em 2009 e 10% em 2012.

O principal argumento da oposição é o de que a grande responsabilidade sobre o excedente está na ocupação de cargos comissionados na atual gestão, que, segundo ela, incham a folha de pagamento e travam a concessão de aumentos mais recheados, o pagamento de horas extras e a antecipação do 13º salário. E hoje todo mundo quer saber, afinal, por que a gestão petista não consegue garantir altas concessões salariais e a antecipação do 13º como era possível - para alguns - na administração anterior.



No dia 31 de julho de 2013, o ofício nº 275 chegou para a Assessoria Jurídica da Prefeitura Municipal de Itararé. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo exigia explicações a respeito de um contrato celebrado com a empresa Castellucci Figueiredo e Advogados Associados para "serviços técnicos especializados de consultoria e assessoria tributária, jurídica e administrativa". Na verdade, o que o TCE descobriu foi um grande esquema de compensação de receita que, por cerca de três anos, salvou o caixa da gestão do DEM, mas comprometeu profundamente o município num futuro muito mais próximo do que se imaginava.

Desde 2010 uma operação resolveu como numa mágica os problemas da administração municipal com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que os gastos com pessoal - incluindo sobretudo o pagamento de salários - não ultrapassem 51,3% do orçamento anual do município. Para equilibrar as contas com a lei, a prefeitura contratou três empresas diferentes para compensar pagamentos supostamente indevidos da Prefeitura Municipal de Itararé à Receita Federal durante parte da segunda metade da década passada. 

No segundo ano da gestão Perúcio, R$ 132.527,75 foram pagos à empresa Nunes Amaral Advogados para a compensação de valores sobre horas extras e 1/3 de férias pagos pela prefeitura e recolhidos entre setembro de 2005 e outubro de 2010 pelo Instituto Nacional do Seguro Social. O trabalho da consultoria era basicamente requerer junto à Receita o ressarcimento de parte desses valores, segundo ela pagos injustamente. 

Surpreendentemente funcionou: R$ 960.346,87 não foram devolvidos à Prefeitura Municipal de Itararé, mas compensados em novos pagamentos dela ao INSS. Ou seja, a bagatela de quase um milhão de reais foi devolvida aos cofres municipais para o reajuste do orçamento, que evidentemente inchou e, desta forma, flexibilizou o aperto com o teto de gastos com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. 

Em 2011, foi a vez da Cestrein Consultoria Empresarial Ltda. ser contratada para "compensação incidente sobre reenquadramento da cota RAT (Risco sobre Acidentes de Trabalho)". A aposta da empresa era reduzir de 2% para 1% o recolhimento desta cota entre junho de 2007 e dezembro de 2011, e mais uma vez deu certo. O valor compensado foi de nada menos que R$ 1.230.154,11, mais uma vez injetados na arrecadação do município. Pelo serviço, a consultoria levou R$ 215.000,00.

Em 2012, coube à Castellucci Figueiredo e Advogados Associados o trabalho de "compensação de verbas indenizatórias" no período entre abril de 2007 e março de 2012. Sem licitação, a empresa recebeu R$ 1.031.414,00 da prefeitura para compensar R$ 8.565.516,02 da Receita Federal. 

De acordo com o processo TC-334/016/13, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo apontou pelo menos 13 irregularidades no contrato entre a Prefeitura Municipal de Itararé, sob a assinatura do então prefeito Luiz César Perúcio, e a Castellucci. Em primeiro lugar, não havia sequer previsão orçamentária que assegurasse o pagamento da empresa para a execução dos serviços, inclusive porque o seu rendimento era determinado através de honorários de 18% sobre o valor compensado junto à Receita. Essa manobra afronta o disposto no artigo 7º, § 2º, III, c/c o § 9º do mesmo artigo da Lei Federal nº 8.666/93.

Além de a contratação não ter sido precedida de procedimento licitatório, também não houve fundamentação legal, parecer técnico ou jurídico que justificasse a condição de inexigibilidade, nos termos do artigo 26 da Lei de Licitações. Nos apontamentos do Tribunal de Contas, o valor estimado da contratação – R$ 120.000,00 - foi excedido em 759,51%, enquanto o limite legal permite apenas 25%. 

O contrato também não especifica o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica, nos termos do art. 55, v, da Lei de Licitações, não designa representante da administração para acompanhamento e fiscalização de sua execução nem apresenta registro próprio das ocorrências relacionadas a ela ou os documentos que atestem a habilitação da empresa.

Segundo o Tribunal de Contas, o contrato ainda terceirizou um serviço que, na verdade, poderia ser executado por servidores municipais, o que torna absolutamente incompatível a contratação da empresa por mais de um milhão de reais, sobretudo diante da dissonância com os dispositivos da Lei de Licitações.

No Espírito Santo, um caso semelhante ao do objeto do contrato em Itararé foi desbancado pela “Operação Camaro”, que flagrou um gigantesco esquema de recuperação de créditos decorrentes de contribuições previdenciárias supostamente indevidas e causou um rombo inicialmente detectado de R$ 10 milhões.

Diante dos apontamentos, o esquema de compensações foi finalmente desfeito no ano passado e as contas foram radicalmente desequilibradas. Hoje os gastos com pessoal – que não devem ultrapassar 51,3% - estão na casa dos 53,3%, e o Tribunal de Contas já indicou a necessidade dos cortes. Com a compensação, os índices já chegaram a apenas 43%. 

Os gastos com pessoal da prefeitura petista realmente aumentaram: de R$ 2.448.448,69, em junho 2012, para R$ 3.123.754,93 hoje. Mas, se para a oposição a grande responsabilidade do problema está na ocupação de cargos comissionados pela gestão Cristina Ghizzi, os números desmentem. 

No mesmo período do último ano de César Perúcio no Paço Municipal, eram 121 cargos comissionados preenchidos, com salários que representavam exatamente 6,38% de toda a folha de pagamento da prefeitura. Desde o início da gestão petista, nenhum cargo de comissão foi criado e hoje apenas 108 estão ocupados. O impacto deles sobre a folha diminuiu para 5,68%. As tão contestadas gratificações dos comissionados da gestão petista, somadas, representam 0,6402% de todo gasto com salários. Se este ano o aumento para todos os quase 2 mil funcionários foi relativamente pequeno, de 5,9%, desde 2013 merendeiras e garis receberam reajuste adicional de 20%.

Meses depois do fim do esquema de compensações, a catástrofe gerada pela celebração irregular do contrato com a Castellucci dá todos os sinais de não se encerrar simplesmente com o estouro do limite prudencial de gastos com pessoal. Como não há quaisquer documentos emitidos pela Receita Federal que ratifiquem os valores recolhidos e compensados pela empresa contratada ou mesmo qualquer fundamentação jurídica que determinasse a devolução dos valores à prefeitura, o município pode ser condenado a devolver, corrigidos, R$ 8.565.516,02 para a instituição lesada. De qualquer forma, independentemente do resultado deste imbróglio, o Tribunal de Contas já avisou que o milhão pago à Castellucci não retornará aos cofres públicos sob qualquer hipótese.

Abraços, 
Murilo

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Eleições à vista: velhos dilemas da função pública numa nova conjuntura

por JANAÍNA MAYRA DE OLIVEIRA WEBER


O que é necessário para ser um bom presidente? Um bom governador ou prefeito? O que significa estar bem preparado? O que faz ou deve fazer um vereador, deputado ou senador? Quais são suas atribuições e deveres? 

Se a resposta a essa pergunta é tão importante a quem vota, deve-se considerar muito mais a quem recebe o voto, pois, a medida que se desvela as reais atribuições de cada cargo eletivo, desvela-se também nosso analfabetismo político e com isso, a tendência em manter uma estrutura política chamada “clientelismo”, independentemente das danças das siglas de partidos.

Clientelismo vem da palavra cliente e é uma forma de ver e tratar da coisa pública como negociação ou transação comercial, mesmo que muitas vezes não implique a presença de dinheiro em espécie nas mesmas, podendo ser favores, cargos ou protecionismos.

O que sustenta o clientelismo é tanto a falta de escrúpulos quanto o analfabetismo político, pois esse último impede o entendimento do funcionamento da estrutura por parte do eleitor/cliente.



Pode-se evidenciar o nível crítico de analfabetismo político-social brasileiro quando nos deparamos com a circulação de frases e afirmações que chamam petistas de comunistas (quando “nunca na história desse país” se viu tanto capital estrangeiro fincando suas garras em solo brasileiro - vide o numero de montadoras internacionais de carros se instalando no Brasil nos últimos dez anos), ou quando um deputado faz uma faixa agradecendo a ditadura militar pelo Brasil não ter virado Cuba e tem gente que aplaude, ou ainda quando alguém procura um vereador pra este pagar sua conta de luz e não para ajudar a resolver o problema da falta de iluminação de determinada rua.

O que significa ter uma função pública eletiva hoje em dia? Qual é o imaginário das pessoas em relação a isso? Observa-se uma atmosfera de negatividade ao se falar de política e um niilismo (quando todos os valores perdem seu significado) associado a uma onda pessimista de discurso fácil em que nada nem ninguém presta. 

Por que se chegou a esse ponto? Por que temos um cenário político invadido por uma grande porção de oportunistas que “pejorativam” o conceito de política? E por que pessoas sérias e honestas, que procuram fugir a essa visão clientelista das relações estabelecidas pelo estado, são ofuscadas, desqualificadas e se obrigam a engrossar uma polarização do debate pra lá de ultrapassada?

O analfabetismo político não é só uma característica de pessoas que não possuem condições de entender um cenário político no âmbito de suas relações, mas também de pessoas que possuem uma concepção viciada do sistema e que por causa disso não conseguem vislumbrar sequer uma possibilidade alternativa a sua usual.


Essas pessoas, por exemplo, entendem ser muito natural usar a máquina pública para angariar votos, entendem isso como honesto inclusive, como exemplo o vereador que, quando procurado por uma família com uma receita médica, ao invés de instruir seu eleitor quanto a seu direito em ter ou não aquele medicamento e quais procedimentos corretos para adquirir, ou ainda procurar apurar quando se trata de uma denuncia de falta de remédios acionando os órgãos e pessoas responsáveis, ou pegam a receita do paciente e vai até a farmácia popular pegar os medicamentos ou mesmo os compra, porque sabe que o que ficará gravado para aquela família é que aquele vereador lhes conseguiu o remédio e não que era seu direito obtê-lo. E segue-se a mesma lógica no que se refere ao asfaltamento da rua, a iluminação pública e não oferece o entendimento de que estes acontecimentos possam fazer parte de todo um sistema de direitos, bem como, de planejamento.

Em Itararé, por exemplo, virou uma praxe por parte de um determinado vereador fazer solicitações hiperbólicas ao poder executivo (construção de estádio, piscina, programa de ginástica olímpica, pista de Trike) como se o mesmo vereador não fosse o mesmo que vota o orçamento, ou o mesmo que vota decidindo como e onde devem ser gastos o dinheiro da arrecadação de impostos. Analisando esses pedidos é possível se chegar a duas conclusões, ou o vereador não sabe as atribuições inerentes ao cargo, o que é o seu trabalho ou sabe e, se sabe, usa de má fé a informação quando o poder executivo não tem condições de realizar tais empreendimentos, bem como as leis relacionadas a geração de despesas. Em ambos os casos isso é muito ruim para o processo político, pois em ambos os casos se dá a falsa impressão que o nobre edil está trabalhando, mas não está. 



No Facebook tem um grupo chamado “Façam um vereador de Itararé trabalhar”, mas como fazer um vereador trabalhar se não se sabe qual é o trabalho do mesmo de fato? E na direção dessa mesma estrutura política torpe, este o grupo que poderia servir de ferramenta de participação política, de interação e manifestação dos anseios da população, também não tem a intenção de informar os cidadãos sobre isso e hoje serve de palanque e antro de maledicência, calúnia e difamação. Já sobre vereança mesmo, tem muito pouco ou quase nada.

Ser eleito pelo voto é ser escolhido para desempenhar uma função pública, não importa se presidente do Brasil ou de um conselho e entende-se por função pública a competência ou a atribuição, cujo exercício está sujeito ao interesse público da coletividade ou da Administração [pública] (JUSBRASIL, s/d).

Enquanto o funcionalismo público, de regime estatutário, passa pelo processo de “profissionalização” com o discurso da necessidade de se qualificar o serviço (o que na verdade por ser entendido também como um eufemismo para a implantação da meritocracia) os cargos eletivos não andam na mesma direção, porque ninguém está interessado na verdade em saber as suas funções e sim no que, quem ocupa este cargo pode oferecer diretamente a minha pessoa, seja remédio, asfaltamento da rua, emprego para o filho ou sobrinho, dentadura e etc independente disso fazer ou não parte de um planejamento maior.

A Administração Pública legitima-se quando age em conformidade com o interesse público. Nesse contexto, a profissionalização da função pública constitui instrumento de legitimação da administração pública brasileira perante o povo: (i) primeiro, para garantir a observância do princípio da igualdade na escolha de seus agentes, a partir de critérios que possibilitem a aferição daqueles mais preparados para o exercício da profissão, e não num status atribuído em razão de um direito de nascença ou pela proximidade pessoal com os governantes; (ii) segundo, para dar cumprimento ao princípio da eficiência, de uma administração capacitada a responder aos anseios coletivos mediante a prestação de serviços adequados (BARCELAR FILHO, 2003).

Também não se quer dizer aqui que se deva ter concurso público para presidente, mas sim que a tomada de consciência política parte necessariamente da ciência dos pré-requisitos para o cargo por parte dos eleitores, bem como da analise da trajetória profissional e política de cada candidato pra se tentar deduzir o mais preparado. 

Mais uma eleição presidencial se aproxima e mesmo a intelectualidade brasileira (os tais formadores de opinião), não parecem se preocupar em discutir o que se espera de um indivíduo pra se governar um país continental e promissor frente aos desafios que a economia de mercado predatória impõe. Se assim o fizéssemos também saberíamos o que e como cobrar não importando de quem, mas só a cobranças ligadas ao partidarismo de forma que fica-se o tempo todo justificando o erro de um pelo erro do outro. A mesma intelectualidade se atém às trocas de acusações e também polarizam o debate no velho maniqueísmo de sempre (PT X PSDB).



Mais uma eleição presidencial se aproxima e não discutimos a reforma política, levanta-se apenas as bandeiras genéricas de “mais educação, segurança e saúde” sem saber ao certo qual educação se quer e sob qual conceito de saúde se reivindica (mais saúde ou mais remédios? Mais remédios é mais saúde? mais segurança é mais polícia ou não precisar da ação da polícia?).

Enfim, a conjuntura mundial que se desenha é a necessidade de se pluralizar o debate, as ideias, as ações e a busca de soluções e para isso é necessário ir além do discurso fácil que procura somente dar nome a meia dúzia de bois ou condenar esse ou aquele, é necessário também querer entender a estrutura maniqueísta e clientelista que sustenta essa política brasileira, na qual, quem não joga o jogo dos velhos jogadores, não entra, e se entra não fica. Do contrário, as eleições nunca passarão de troca de figurinhas carimbadas não importando o quão vermelhas ou azuis elas possam parecer. 

REFERÊNCIAS:

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Profissionalização da função pública: a experiência brasileira. Revista de Direito Administrativo, v. 232, abril/junho 2003.

COELHO, Direito da Administração Pública. revista do tribunal de contas DO ESTADO de Minas Gerais abril | maio | junho 2009 | v. 71 — n. 2 — ano XXVII.




quinta-feira, 26 de junho de 2014

A Paranoia "Anticomunista" Revisitada

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR





No dia 23 de maio, a presidente Dilma Rousseff assinou o Decreto nº 8243 que instituiu a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS. Este decreto vem sendo duramente criticado pela "oposição" congressista e por setores conservadores da sociedade, dentre eles, a grande mídia que encampa uma campanha histérica contrária ao decreto presidencial. Porém, as explicações históricas para este debate, vão muito além do contexto contemporâneo. 

Desde a Revolução Russa de 1917 que derrubou o regime czarista e instaurou o comunismo na Rússia o discurso antipopular disfarçado de discurso anticomunista, tem dominado o embate entre setores conservadores e progressistas em momentos de tensão política na sociedade brasileira. Este discurso tem como objetivo a constituição de uma "paranoia anticomunista" que disfarça a resistência a participação popular nas esferas de poder. Alguns eventos históricos emblemáticos evidenciam isto. 

Em 1937, o capitão Olímpio Mourão Filho datilografava no Ministério da Guerra, um fictício plano de insurreição comunista que ficou conhecido como "Plano Cohen". O plano descrevia como seria o golpe comunista e como reagiriam os integralistas. Em resumo, a insurreição levaria ao "caos" que seria combatido pelos integralistas de viés fascista. Este foi o pretexto que Getúlio Vargas precisava para instaurar a ditadura do Estado Novo no Brasil. 

No mesmo ano a cúpula do exército se apropriou do "plano". No dia 30 de setembro, o plano foi transmitido pela "Hora do Brasil" e reproduzido em partes nos jornais do país. Com isso, os militares varguistas buscavam comprovar a impossibilidade de realização de eleições e a necessidade de manutenção e ampliação dos poderes de Vargas. No dia 10 de novembro de 1937, a polícia militar cercou o Congresso Nacional impedindo o trabalho dos congressistas. Na mesma noite Vargas divulgou a Carta Constitucional dando início ao Estado Novo. 

No ano de 1961, no "calor" da Guerra Fria, Jânio Quadros renunciou a presidência da República. Sob tentativas de golpe, João Goulart assumiu a presidência. Com o objetivo de modernizar o sistema capitalista, Goulart propôs as reformas de base, sendo estas utilizadas pelos golpistas na construção de um “imaginário anticomunista” ou mais uma vez, da "paranoia anticomunista". 

Segundo Bóris Fausto, "é fácil perceber que as reformas de base não se destinavam a implantar uma sociedade socialista. Era apenas uma tentativa de modernizar o capitalismo e reduzir as profundas desigualdades sociais do país, a partir da ação do Estado". 

No dia 31 de março de 1964 os militares, liderados pelo General Olímpio Mourão Filho, autor do Plano Cohen, marcharam de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro. No dia 1º de abril Jango voou para o Rio Grande do Sul. Com isso, os militares declararam vaga a presidência da República e instauraram a Ditadura Militar que durou 21 anos no país. 

Em ambos os contextos históricos, existia uma pressão política-popular por mudanças estruturais que tornassem a sociedade brasileira menos desigual. Em 1937, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) participando da Aliança Nacional Libertadora (ANL) promoveu o embate progressista na sociedade brasileira. Em 1964, Jango promoveu o mesmo embate de maneira mais incisiva com propostas concretas de mudanças estruturais na sociedade brasileira. Nos dois contextos, o discurso antipopular disfarçado de anticomunismo, ou seja, a "paranoia anticomunista" legitimou a implantação de regimes ditatoriais que interromperam as breves experiências democráticas do país. 

Mesmo com a queda do Muro de Berlim, no dia 09 de novembro de 1989, e o "fim" do Comunismo representado pelo "fim da História" propagandeado por intelectuais financiados pela direita liberal como Francis Fukuyama, a histeria antipopular travestida de discurso anticomunista permanece. Porém, desta vez, buscando disfarçar um pouco o discurso anacrônico, o anticomunismo ganhou uma nova nomenclatura, bolivarianismo. 

O bolivarianismo elaborado na década de 60 tem como princípios fundamentais as ideias expressas por Simon Bolívar, um dos líderes do processo de independência das nações latinoamericanas, expressas na Carta da Jamaica, no discurso de Angostura e no manifesto de Cartagéna. Estes princípios são: a necessidade de união para a Revolução, a independência plena e soberana e o combate ao expansionismo norteamericano. 

Segundo boa parte da grande mídia e dos congressistas de oposição, o Decreto nº 8243 é bolivariano e pretende instaurar no Brasil uma "ditadura" nos moldes da Venezuela e da Bolívia. Para Reinaldo Azevedo, porta-voz do pensamento conservador da "elite intelectual", telespectadora do Manhattan Conection e leitora de Olavo de Carvalho, o decreto promove a criação de conselhos populares intimamente ligados aos interesses político-partidários do governo federal, o que promoverá a "perigosa" participação dos movimentos sociais nas decisões legislativas e executivas dos nossos representantes. Ou seja, o Partido dos Trabalhadores (PT) está tentando criar no Brasil um "comissariado" a moda soviética ou os "sovietes petistas" como indica o historiador Marco Antônio Villa. 



Para que se entenda o tamanho do anacronismo e da "paranoia anticomunista" devemos compreender que os sovietes, criados pelos operários e camponeses russos ainda em 1905 e reabilitados com a Revolução Bolchevique de outubro de 1917, sob o lema "todo poder aos sovietes" tinham prerrogativas de decidir questões políticas e econômicas relacionadas ao regime comunista soviético. 

No ano passado o Brasil foi varrido por manifestações que surgiram do questionamento do aumento das passagens no transporte público em São Paulo. Dentre as várias demandas presentes nestas manifestações estava a necessidade de Reforma Política e o clamor popular por maior participação da população nas decisões político-administrativas do país. Pois bem, basicamente, o Decreto nº 8243 dá início a este processo de Reforma Política aprofundando diretrizes previstas na Constituição de 1988. 



No artigo 1º o texto constitucional afirma que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, pois é justamente isto o que prevê o Decreto. Inicialmente em seu artigo 1º o decreto estabelece que o objetivo é "fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil". Por sua vez, o texto afirma que por sociedade civil entende-se "o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações". Desta forma, desafio a indicarem em qual artigo, capítulo ou inciso o texto fala que a participação nos conselhos será exclusivamente para os petistas ou membros de partidos de "ultraesquerda" como indicou o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira. 

Indo adiante na leitura do Decreto, no artigo 4º, quando o texto trata dos objetivos indica-se que um deles é "aprimorar a relação do governo federal com a sociedade civil, respeitando a autonomia das partes". Desta forma, cai por terra o argumento de que os conselhos iriam ter o poder decisório dos "sovietes" de maneira a se sobrepor ao poder legislativo. Na verdade, o que o decreto preconiza, é a participação popular por meio dos conselhos para que se construa uma democracia, no sentido pleno da palavra. Não uma democracia "burguesa" na qual votamos e somos representados indiretamente pelos nossos candidatos, mas uma democracia na qual os cidadãos possam efetivamente dialogar com as instâncias de poder, respeitando a sua autonomia, propondo mudanças que estejam próximas a sua realidade. Indico ainda, a leitura do Manifesto de juristas e acadêmicos em favor da Política Nacional de Participação Social. 

Concluindo, assistimos a "paranoia anticomunista" revisitada pelos setores conservadores que continuam "resistentes a participação popular". 

Abraços, 
Osvaldo. 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

terça-feira, 24 de junho de 2014

Um país em transe: realidade e violência, utopia e revolução

por LUIS FELIPE GENARO

Em 1967, um ano antes do Ato Institucional nº5, decreto que supriria de vez todas as liberdades individuais, intensificaria a repressão e estabeleceria a censura dos meios de comunicação, estreava o polêmico longa-metragem Terra em Transe, dirigido pelo baiano Glauber Rocha. No início dos anos 1970, Glauber, assim como outros intelectuais, artistas e militantes de esquerda, foi exilado pelo regime de exceção que se instalou com a queda de João Goulart, em 1964. O cineasta morreria no Rio de Janeiro, em 1981. Biografias à parte, sendo um dos expoentes do chamado Cinema Novo, o baiano deixou uma filmografia marcante, tecendo críticas sociais ferozes e contundentes sobre o Brasil contemporâneo. Citemos Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Maranhão 66 (1966), O dragão de maldade contra o santo guerreiro (1969), A idade da Terra (1980), entre outros. 



Tendo em vista o período em que vivemos, as insurgências que brotam e o discurso e ações uníssonas dos donos do poder, a obra Terra em Transe permanece curiosamente atual. As razões são diversas e precisamos pontuá-las. No filme, vários personagens lutam em polos distintos de um jogo político fictício, em uma República também fictícia. Há o golpista, temente a Deus e crente na civilização e no progresso; o candidato populista, que tem nas massas populares suas bases de sustentação; e o militante, um idealista que se vê imbuído nos fatos cruentos orientados por um grupo instável, demagogo e sem responsabilidade política.

Uma cena inesquecível é a caminhada do candidato populista pelas ruas da fictícia República de Eldorado, aclamado pelas classes populares como seu único e futuro líder. Glauber Rocha descontrói o que seria uma cena ideal, carregada de significados, quando um popular faz cessar a balbúrdia e grita aos prantos: “com a licença dos doutores [...] o povo sou eu, que tenho sete filhos e não tenho onde morar!”. O que acontece em seguida é intrigante e familiar: um policial pretoriano do candidato e de seus mantenedores o estrangula até a morte. Minutos depois ecoam xingamentos contra o morto – “vigarista!” – e o restante reinicia a algazarra. Para Glauber Rocha, Eldorado era o Brasil. Um Brasil marcado pela repressão e desigualdades sociais. Todavia sabe-se que o alvo premente de seu tempo era a ditadura militar instaurada na segunda metade do século XX. Por quais razões, então, Terra em Transe me parece estranhamente contemporâneo?

O filósofo e pesquisador, Paulo Eduardo Arantes, publicou recentemente uma obra de notório valor quando almejamos compreender o Brasil atual. Em O novo tempo do mundo, Arantes discorre sobre uma nova era que, paradoxalmente, no momento em que está sendo gestada, movimenta-se e não tem data para terminar. Uma era que não pode ser adaptada em balizas cronológicas ou classificada a base de saberes e veracidades plenamente constituídas. Em meio a incertezas generalizadas, Paulo Arantes a classifica “era das emergências”. Para ele, no entanto, vale ressaltar, a onda de protestos e manifestações iniciada no ano passado – as chamadas Jornadas de Junho – tornou-se um divisor de águas na história do Brasil recente. A partir daquele junho que não terminou, a crise de representações já arraigada há certo tempo tomou corpo nas ruas e avenidas, enquanto a colossal dicotomia povo-governo aumentou significativamente, culminando no que Arantes conceitua “horizonte sem perspectiva” e um “presente de exceção e autoritarismo permanentes”.


Cinco décadas depois do golpe, evidenciam-se com gritante clareza, em todas as instâncias da democracia brasileira, as permanências de uma estrutura judiciário-policial gestada antes do Regime Militar e aprimorada após 1964. Para Paulo Sérgio Pinheiro em seu ensaio Governo Democrático, Violência e Estado (ou não) de Direito, “existe uma evidente herança de aparelhos de Estado deixados pelo regime autoritário, promovendo a militarização da Segurança Pública e a unificação das forças policiais. Também criou uma quase impunidade para a polícia militar por meio de tribunais militares para crimes comuns em cada estado, que continua a existir, com algumas limitações, até hoje”. Finalmente, não somos imbecis a ponto de não atentarmos que a maioria de detentos despossuem poder ou privilégio, exatamente os que deveriam ser protegidos pelo Estado de Direito. 

Para melhor compreendermos, o impasse é também global. Inúmeros pesquisadores à esquerda como o geógrafo David Harvey e o filósofo Slavoj Žižek, por exemplo, trabalham com e contra este impasse internacional – grosso modo, a violência no sistema e mentalidade capitalista. É notório que em todos os ensaios do Novo Tempo do Mundo, Paulo Arantes tenha deixado subentendido seu pessimismo e temor por uma crise ainda maior: a do pensamento utópico. Então questiono: viveríamos o fim das utopias? 

Influenciado pelas teorias do tempo histórico pensadas pelo alemão Reinhart Koselleck, Arantes desnuda um Brasil sem horizontes de expectativa, sem futuros possíveis, onde um projeto de poder eterno parece a única crível alternativa. Um projeto onde todos os partidos políticos de expressão nacional falam, no fundo, a mesma língua e compactuam os mesmos princípios e interesses. Onde o Estado Democrático de Direito passe a se militarizar cada vez mais e a Segurança Pública, de forma truculenta, dê de ombros para o mesmo público que jurou assegurar. Um projeto prostrado ao capital estrangeiro globalizado e aos grandes monopólios, empresas e barões nacionais. Tragicômico é que o mesmo governo que incitou as massas e oprimidos (e com elas colaborou) no passado, hoje semeie a despolitização e trilhe de mãos dadas – sob os céus da governabilidade – com a histórica resistência conservadora. Enfim, Arantes, longe de conformismos e vãs conciliações, desenha um presente de exceção e autoritarismo permanentes, caminhando rumo à nova práxis da revolução. 

É intrigante na tese do filósofo que o processo iniciado pelas Jornadas tenha revelado – e corroído – a ponta solta deste mesmo projeto. A partir da onda de protestos em junho de 2013, categorias diversas e em períodos distintos deflagraram greve; insurgências contra todo um sistema de exploração rebentaram nas ruas, ora acuadas, ora impetuosas, frente às ações violentas de corporações policias; e não menos importante, nas comunidades e favelas metropolitanas, brasileiros à margem, negros, pobres e trabalhadores, mostraram sua fúria contra as forças seculares que os repudiam, os enxotam e os silenciam. Afinal, neste presente em transe, para ser visto e escutado foi necessário recorrer à mesma linguagem que compreendem os donos do poder.

Enquanto, graças ao mundo virtual, surgem mídias alternativas, uma imprensa independente e alguns poucos intelectuais capazes de ordenar, teoricamente, este caos, antigos pensadores à esquerda reiteram o projeto de poder de um presente permanente. Hoje, reflito, seriam eles nas palavras de Karl Marx, ideólogos deste Estado? 

Sobre as Jornadas de Junho vale lembrar as palavras de Roberto Schwarz na obra Cidades Rebeldes: “em duas semanas o Brasil que diziam que havia dado certo – que derrubou a inflação, incluiu os excluídos, está acabando com a pobreza extrema e é um exemplo internacional – foi substituído por outro país, em que o transporte popular, a educação e a saúde públicas são um desastre e cuja classe política é uma vergonha”.




Traçados os rumos da revolta, jamais controlados ou intimidados pelos donos do poder, as manifestações, greves e protestos Brasil adentro devem permanecer resolutas. Se as utopias foram soterradas pelos grandes partidos e sindicatos pactuados com uma elite secular, assim como a esquerda no poder apagou sua história e trajetória, vivemos hoje um novo tempo do mundo. Um tempo que as velhas gerações não compreendem e que talvez, nem mesmo nós compreendamos. 

Para o filósofo mexicano Adolfo Sanchéz Vázquez, “frente a ideologia do fim da utopia, esta última como imagem de um futuro desejável, possível e realizável, cumpre a função positiva de elevar a consciência de que a história não está escrita de uma vez para sempre e de que o homem , na medida em que a compreende e atue, em condições determinadas e de acordo com as metas que trace para si, possa tentar mudá-las em direção a uma vida futura mais nobre, digna e justa”. 

Em meio a chamas e fumaça, talvez essa terra em transe finde com o raiar deste novo tempo do mundo. É o que almejamos, ou pelo menos alguns de nós.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Os Chatos Pelo Nome

É de você que estou falando se a única coisa que tem a dizer sobre a Copa é que o verdadeiro patriotismo está em outubro, que enquanto me roubam eu grito gol e que a política do pão e circo está nas quatro linhas dos estádios superfaturados


por MURILO CLETO



Quebrando o protocolo, o recado hoje é curto. O início da Copa do Mundo no Brasil trouxe uma oportunidade ímpar de manifestações das mais diversas no país. Nas ruas ou nos meios virtuais, por menos corrupção ou mais salários, a verdade é que pouco se viu tanta manifestação de ideias circulando por aí. 

Ideias como as de Fabio Jekupé, líder da aldeia Krukutu, na cidade de São Paulo. A TV não mostrou, mas um menino indígena de 13 anos convidado para participar da cerimônia de abertura dos jogos, no dia 12 de junho, sintetizou numa faixa o que a Constituição do país prometeu em 1988 e que até hoje governo nenhum cumpriu: "DEMARCAÇÃO JÁ!



O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto reuniu mais de 12 mil pessoas em torno do Itaquerão às vésperas da abertura do torneio e conseguiu que o programa "Minha Casa, Minha Vida" contemplasse o grupo. Dilma ainda se comprometeu a ampliar o alcance do programa para entidades. Se até agora o limite de habitações por organização é de mil unidades, o novo compromisso quadruplica o teto.


Mas, se por um lado, o fato de todos os holofotes estarem voltados ao Brasil estimular movimentos com pautas historicamente agredidas, por outro também traz à luz o que de pior a humanidade produziu ao longo da sua existência.

Agora, a nova tendência das redes sociais é o meme "enquanto te roubam você grita gol", cartaz que circula como água - quer dizer, pra quem vive no estado de São Paulo certamente é mais que água - no Facebook depois de meia dúzia exibirem-no na rua. Há ainda os que recorrem ao mais rasteiro dos recursos nas aulas de História sobre Roma e reproduzem a velha analogia do "pão e circo" para atribuir aos fãs de futebol o papel de "alienados" que negligenciam a dureza da realidade por 2 horas de bola rolando.

Outra grande vedete é a recorrente indignação pelo patriotismo que nos reveste em períodos de grandes competições desportivas e que não aparece na hora das eleições. Mais do que pedante, essa manifestação revela o quanto a predileção eleitoral do outro significa para o sujeito, na verdade, ausência de engajamento político.

Talvez por isso, na base do discurso contrário ao voto obrigatório, esteja também outro, aquele que atribui a catástrofe dos péssimos resultados das eleições à falta de consciência daqueles que somente vão às urnas por obrigação e "não sabem o que estão fazendo". Fossem legisladores, cobrariam comanda daqueles que adentrassem ao colégio eleitoral.

Como disse, o recado hoje é curto: se a única coisa que tem a dizer sobre a Copa é que o verdadeiro patriotismo está em outubro, que enquanto me roubam eu grito gol e que a política do pão e circo está nas quatro linhas dos estádios superfaturados, você não é consciente, não é articulado, tampouco engajado politicamente. Você só é chato mesmo.

Abraços,
Murilo

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Manipulação de Informação

O (des)compromisso ético declarado de certos órgãos da imprensa itarareense com sua função primordial: informar

por JANAÍNA MAYRA DE OLIVEIRA WEBER


Vejamos o significado de cada um dos seguintes termos: fraude, cumprir e descumprir

*FRAUDE:
1. Más artes que causam dolo (grifo meu).
2. Má-fé (grifo meu).
3. Candonga.
4. Contrabando.

*CUMPRIR:
1. Executar com exatidão. = DESEMPENHAR, REALIZAR ≠ DESCUMPRIR
2. Acatar, obedecer. ≠ DESRESPEITAR
3. Realizar o prometido (grifo meu).
4. Submeter-se, sujeitar-se.
5. Ser da sua competência. = CABER, COMPETIR, PERTENCER, TOCAR

verbo pronominal

6. Perfazer, completar-se.

*DESCUMPRIR: 
1. Deixar de cumprir (grifo meu) = INCUMPRIR ≠ CUMPRIR

Há pouco tempo esperávamos a conclusão das investigações realizadas pela Comissão Especial de Inquérito dos Vereadores sobre o lote de carnes estragadas no Departamento de Suprimento Escolar de Itararé-SP. A conclusão foi publicada em um conhecido jornal da cidade com a seguinte manchete:

CEI da Carne é concluída e indica fraude em contrato” (grifo meu)

Essa manchete induz ao leitor a acreditar que o contrato tenha sido ALTERADO ou ADULTERADO de alguma uma maneira, e também sugere que essa possível adulteração parta do poder público, dada a enxurrada de discursos “anti-corrupção do estado” que invade órgãos de imprensa, redes sociais e afins.



Ilusão de óptica

Assim as pessoas desavisadas, do discurso fácil dos chavões “mais saúde e educação” e etc. tem seu (pseudo?) senso crítico alimentado sem mesmo ler a matéria, muitas vezes se bastando da manchete para (satis)fazer suas opiniões.

Quando na verdade, essa noticia trata de descumprimento de contrato por parte da empresa, que não entregou o devido produto de acordo, nem mesmo com as condições combinadas, o que acaba pode ser esclarecido ao se ler a noticia inteira.

Mas o mundo contemporâneo é de fruição, rapidez e liquidez, como já diz o sociólogo Zigmut Bauman (2008). Estamos vivendo na era das manchetes levianas e textos de cinco linhas e com tanta exposição a informação, ganha a corrida aquele que chega ao cerne da intenção mensagem em menos linhas, utilizando de menos tempo, pois o mundo contemporâneo também vai desfavorecer a reflexão.

*REFLEXÃO:

1. Ato ou efeito de refletir.
2. Prudência.
3. Meditação.
4. Argumento, objeção.

Outra questão que fica no ar, cada comissão de inquérito tem 90 dias para concluir seus trabalhos, essa durou mais de seis meses e essa protelação também sugere que se já nos primeiro momentos de investigação tivesse sido constatada irregularidade ou fraude de fato por parte dessa administração os resultados teriam publicados com muito mais presteza e agilidade.

É interessante observar que, não há pouco tempo, se servia “doce de bar” na merenda escolar, de empresas que até hoje ninguém sabe se existe ou não e não lembro de nenhum questionamento de ninguém, nem professores, pais, merendeiras, CAE, CMDCA, FUNDEB muito menos vereadores ou manchetes de jornal.

Também quando FALTOU merenda, o que é o fim da picada e o maior dos absurdos, não saiu em primeira página, aliás, nem foi noticiado por nenhum veículo de informação dessa cidade que eu tenha visto.

Quando uma empresa descumpre contrato e entrega produtos vencidos e trocados para a Secretaria de Educação, primeiro provoca um asco pela falta de consciência de quem se presta a vender produtos de má qualidade sabendo que isso vai para crianças numa escola. Depois se analisa quais os dispositivos que se tem para evitar isso. 

Se alguém, de dentro do departamento de licitação falhou em averiguar toda documentação, que no caso há problemas com o CNPJ, de acordo, com o noticiado, seria capaz de arcar com as consequências caso o pior acontecesse? Estariam vocês dispostos a levar essa culpa pelo resto da vida? E isso seria por imprudência, imperícia, negligência, ou maldade? 

Apesar da manchete perniciosa a noticia evidencia que participação política atuando na fiscalização não só dos serviços públicos, mas de quem presta serviço no geral, dá resultado e evita tragédias e desperdício de dinheiro publico e quando não há a participação quem perde é a comunidade ou município. 

Há muitas empresas por aí especializadas em “ganhar” licitações, que trabalham com cargas roubadas e fornecedores sem registros em órgãos competentes pra baixar o preço do serviço, e assim, por mais que apresentem a documentação em ordem, podem trazer pelo menor preço uma série de outros problemas. Existem ainda, empresas que costumam prestar serviço pra prefeitura há anos e por isso conservam certos vícios e uma estrutura oligárquica, o que tem sido quebrado pouco a pouco através da oportunidade e também da participação popular.

Ocupando-se as instâncias deliberativas, consultivas e de fiscalização tende-se a acabar com empresas de fachada, além de fortalecer num processo (re)educativo, qualificar eticamente aquelas pequenas empresas que estiverem a fim mesmo de estabilizarem no ramo. Se as empresas passam a qualificar seus serviços a partir da demanda e a demanda na prefeitura, qualifica cada vez mais sua solicitação e a avaliação de satisfação dos conselhos, por exemplo, pode ser além da fiscalização um indicador de investimentos no que tem que melhorar.

Além disso, a participação popular evita a imprensa ludibriar cidadãos com fins eleitoreiros ou escusos, pois quem tem compromisso com a informação não deforma. 

Assim, quando se lê uma noticia em determinados jornais em Itararé, é necessário “ver além do que se vê” para ver a verdade... como olhar fixamente para o centro dessa bandeira do Brasil com as cores erradas, um pequeno ponto vermelho, por 20 segundos e depois olhar para uma superfície branca para ver o que realmente deve ser visto e entendido...



Referências

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

"cumprir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/cumprir [consultado em 01-06-2014].

"descumprir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/descumprir [consultado em 01-06-2014].

"fraude", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/fraude [consultado em 01-06-2014].

"reflexão", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/reflex%C3%A3o [consultado em 01-06-2014].

quinta-feira, 19 de junho de 2014

O Sagrado Direito Familiar à Violência Contra a Criança

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

No último dia 21 de maio, praticamente todos os noticiários do Brasil apresentaram o deputado pastor Eurico (PSB-PE) ofendendo Xuxa Meneghel, atriz e apresentadora, durante a reunião da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) que discutia o projeto de lei conhecido como "Lei da Palmada". O deputado afirmou que a presença da apresentadora era "um desrespeito às famílias do Brasil", pois no filme "Amor estranho amor", de 1982, a artista teria protagonizado uma violência contra a criança ao gravar uma cena de sexo com um garoto de 12 anos. A atriz e apresentadora, defensora do Projeto de Lei, respondeu fazendo um coração com a mão e afirmando que "nem Jesus Cristo agradou a todo mundo". Este episódio reacendeu o debate sobre a educação familiar entre setores conservadores e progressistas. 





O PL, conhecido como “Lei da Palmada”, foi originalmente apresentado à Câmara dos Deputados em 2003, pela então deputada Maria do Rosário (PT-RS). Em julho de 2010, um novo PL foi enviado e levou a composição de uma Comissão Especial para sua apreciação. Nomeada para ser relatora, a deputada Teresa Surita (PMDB-RR) apresentou texto substitutivo ao projeto inicial. Aprovado no mesmo dia 21 de maio, sobre protestos da bancada evangélica e de setores conservadores da sociedade brasileira, o PL 7672/2010 parte agora para sanção da presidente Dilma Rousseff. 

Na prática o PL batizado de Lei Menino Bernardo, em homenagem a Bernardo Uglione Boldrini, em tese, assassinado pelo pai e pela madrasta na cidade de Frederico Westphalen no Rio Grande do Sul, altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 regulamentando que a criança e o adolescente devem ser educados “sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto”. Para isso, define castigo corporal como “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente”. Mais do que isso, o PL assume uma premissa fundamental a sociedade contemporânea: a criança não é propriedade do adulto, mas sim um ser dotado de direitos e deveres. 

Segundo Phillipe Àries, historiador e medievalista francês, na antiguidade mulheres e crianças eram considerados seres inferiores não recebendo tratamento diferenciado. Durante a Idade Média, no século XII, a arte medieval ainda desconhecia o ser criança, sendo estes seres vistos como propriedade dos adultos. Desta forma, os cuidados especiais estavam restritos aos primeiros anos de vida, principalmente para as crianças abastadas. Após os 03 ou 04 anos "as crianças já participavam das mesmas atividades dos adultos, inclusive orgias, enforcamentos públicos, trabalhos forçados nos campos ou em locais insalubres, além de serem alvos de todos os tipos de atrocidades praticadas pelos adultos, não parecendo existir nenhuma diferenciação maior entre elas e os mais velhos", conforme Ana Maria Frota. Em poucas palavras, não existia distinção entre a situação de adulto e criança. 

Além de participarem de todas as atividades dos adultos, a prática da violência ou castigos contra as crianças era recorrente nas civilizações antigas. No século XIII a.C, os Hebreus instruíam os pais a como castigar filhos rebeldes. Quando o pai não conseguia "resolver o problema" um conselho era convocado para punir a criança, que muitas vezes era apedrejada até a morte. O infanticídio, por exemplo, era prática recorrente na sociedade espartana. Xenofonte e Plutarco indicam que os recém-nascidos passavam por uma inspeção do conselho dos anciãos, os reprovados eram arremessados no Monte Taigeto. No Brasil, os castigos físicos foram introduzidos pelos jesuítas, sob a premissa do padre Luis da Grã, em 1553, de que “sem castigo não se fará vida”. 

O sentimento da infância data da modernidade. Em outras palavras, a compreensão de que a criança é um ser especial por sua condição de diferença em relação aos adultos, data do século XIX. Este sentimento começou a ser construído no final do século XVI e durante o século XVII. Permeada pela mentalidade da "civilidade", a sociedade moderna construiu o estereótipo da criança "educada" e de "boas maneiras". Este estereótipo, relacionado a ideia de posse, acarretou em políticas públicas que levaram a criação das instituições educadoras/disciplinadoras como: escolas, orfanatos e reformatórios. 

Além destas instituições foi constituído historicamente um corpus legal que prevê punições às crianças e jovens que não se enquadrem nos estereótipos impostos pelas sociedades. No Brasil, tal fenômeno é perceptível desde o Código Criminal do Império do Brasil de 1830, quando o artigo 13 prevê que "se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos ás casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á idade de dezasete annos". O código penal de 1890 prescrevia que os menores de 09 anos não poderiam ser tipificados como criminosos, assim como os entre 09 e 14 anos que "obrarem sem discernimento". A constituição de 1988 avança na defesa dos Direitos Humanos ao afirmar no artigo 5º inciso III que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Em relação aos direitos sociais, a Constituição é mais específica ao apresentar no artigo 6º que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Assim, especifica-se a condição da infância e a necessidade de proteção a esta. 

No que diz respeito à legislação e aos direitos das crianças, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, representa um marco histórico na tentativa de formalização da proteção integral da criança e do adolescente. Este texto regulamenta as diretrizes indicadas na Constituição de 1988 e, a partir de uma série de normativas internacionais se materializa em uma legislação que preceitua direitos fundamentais, deveres e também punições as crianças e adolescentes. A criança, até 12 anos incompletos, é inimputável, ou seja, recai sobre os pais a responsabilidade sobre quaisquer atos infracionais. Ao adolescente, a partir de 12 anos completos, são indicadas medidas socioeducativas que vão desde a reclusão em casas de ressocialização até serviços comunitários. 

A rede de proteção a criança e ao adolescente indicada pela Constituição de 1988 e aprofundada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 teve como efeito a redução do número de óbitos, conforme o Mapa da Violência 2012: crianças e adolescentes no Brasil (Tabela 2.1. Evolução dos óbitos de crianças e adolescentes. p. 12-13). 

Porém, ainda são maiores os números de óbitos devido às causas externas ao organismo humano, ou seja, ocasionadas pela violência contra as crianças e adolescentes. De encontro a estes dados e ao diagnóstico de especialistas, de que a violência causa “danos irreversíveis” a criança e ao adolescente, a “Lei da Palmada” ou Lei Menino Bernardo vem preencher uma lacuna no ECA sobre o tratamento dispensado pelos pais à criança e ao adolescente. O objetivo é evitar novas Nardonis e novos Bernardos. 

Apesar dos números da violência infantil e do diagnóstico dos especialistas, a bancada evangélica encampou a luta contra a aprovação do PL. Pastor Eurico não foi o único a se posicionar de maneira contrária ao PL, Marcos Feliciano, deputado pelo Partido Social Cristão (PSC) afirmou que “o projeto é desnecessário, inócuo e sem fundamento”. Silas Malafaia, o “pastor ostentação”, afirmou que a lei é “uma palhaçada”. Defendendo o direito sagrado da família à violência infantil, instituído nas civilizações da antiguidade e reafirmado na Idade Média, a bancada evangélica expressou a defesa da manutenção da ideia de similitude entre adultos e jovens, ideia cara aos defensores de medidas repressivas como a redução da maioridade penal. 




Não obstante, a bancada evangélica não estava só nesta luta contra a proteção as crianças e adolescentes. “Gurus” da imprensa e do pensamento reacionário brasileiro saíram em defesa da não aprovação do PL com o argumento no mínimo esdrúxulo de que a lei é fascista. No dia 04 de junho, Bóris Casoy, âncora do jornal do SBT foi o primeiro a defender a ideia de fascismo ou intromissão do Estado nos assuntos familiares dizendo que “no inferno, Mussolini e Hitler devem estar aplaudindo essa tal lei fascista da palmada". Juntou-se a ele o colunista da Folha de São Paulo Luiz Felipe Pondé, o intelectual que “endireitou” e de lá pra cá vem produzindo sobre temas bastante relevantes, como a dificuldade de jovens liberais em “pegar mulher”. No dia 06 de junho, Pondé reafirmou no jornal da Cultura que a lei é “ridícula” e se circunscreve em algo denominado por ele de “fascismo do bem”. 



Mais uma vez assistimos ao pensamento reacionário composto por elementos religiosos e liberais, representado por políticos e membros da imprensa se posicionando contra a instituição de direitos humanos, como o direito a proteção de crianças e adolescentes. Isso porque, o pensamento religioso sanciona a punição, foi assim com hereges, indígenas e escravos; e o pensamento liberal sanciona a propriedade, seja ela de bens materiais ou pessoas. Ou seja, une-se a ideia de que o filho é propriedade do pai, a ideia de que a punição é um elemento da formação moral dos filhos, e se tem a contrariedade as medidas que permitam as crianças um maior grau de autonomia. 

Contra eles, apenas a história de violência e atrocidades vividas pelas crianças e adolescentes, os dados estatísticos e o diagnóstico de psicólogos, psiquiatras e pediatras que convivem diariamente com a violência infantil. 

Abraços, 
Osvaldo.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

"Criamos um Monstro!"

por ISRAEL CASTILHO


É, amigos, começou a tão esperada Copa do Mundo. A "alegria" e a "ousadia" estão aí na rua. A todo momento vemos na TV a exaltação do futebol e da nossa amarelinha como símbolos máximos do país. A TV transborda de gringos com os bordões "I Love Brazil!", "Samba!", "Rio de Janeiro". É uma festa só.

Mas não era assim até um tempo atrás. Ou era?

Em um mundo onde paixões, ideias e atitudes são tão passageiras quanto a própria Copa, parece que o nosso gigante padece de esquizofrenia. E de Alzheimer também. Com isso, reivindicações foram deixadas para trás, protestos enfraqueceram, e os que aconteceram e acontecem durante a Copa, a mídia suaviza. Tudo voltou ao marasmo habitual. É o poder da bola. Ela nos faz esquecer.

Allan Moore, um dos mais importantes escritores de quadrinhos dos últimos anos, na sua obra clássica "V de Vingança", usa a frase "Lembrem, lembrem o 5 de Novembro", em referência ao dia em que Guy Fawkes (aquele mesmo que inspirou a máscara que virou moda nos protestos) foi preso com explosivos nos porões do Parlamento inglês, prontinho para mandar tudo pelos ares. A frase, neste caso, é usada como um despertar. Lembrar, e não esquecer.

Também não podemos esquecer. 

Frente a esse patriotismo forçado e efêmero que vemos na rua, eu diria: "Lembrem, lembrem nossos 514 anos de história". Assim, quem sabe, as coisas façam mais sentido.

Afinal, 514 anos valem mais do que 5 ou 6 estrelas no peito.

terça-feira, 17 de junho de 2014

A Culpa é de Quem?

por MARCUS NASCIMENTO




Os brasileiros sempre elegeram um culpado para as derrotas da seleção em copas do mundo, desde Barbosa, goleiro do fatídico mundial de 1950, até casos mais recentes, como o de Roberto Carlos e sua meia em 2006 e da expulsão de Felipe Melo em 2010. Nesses casos, podemos observar que um único jogador é responsabilizado por um fracasso que foi coletivo.

Nessa Copa não será diferente, caso o Brasil saia derrotado. No entanto, o que chama atenção em 2014 é que o alvo não está atuando dentro das quatro linhas do campo, está fora. As vaias e ofensas dirigidas à presidente Dilma Rousseff no jogo de estreia da seleção e do mundial, evidencia bem como o vilão, ou melhor, a vilã já foi escolhida. 

Os críticos da realização do megaevento (não será discutido aqui se esses argumentos são válidos), porém se esquecem de que a presidente não foi a única responsável pelo suposto fracasso. 

Voltemos a 2007. Uma grande comitiva composta por Lula, Ricardo Teixeira, Romário, Dunga e alguns governadores (dentre eles Aécio Neves e Eduardo Campos) chegava em Zurique, na Suíça, para a confirmação da FIFA de escolha do Brasil como sede do mundial de 2014. 




Em meio à euforia que tomou conta do país, os governos estaduais e suas respectivas capitais se preparavam para começar uma árdua luta para sediar os jogos. Para isso, governadores e prefeitos lançaram mão de inúmeros projetos milionários de infraestrutura que, em sua maioria, não saíram do papel. Porém, todos políticos com envolvimento com cidades candidatas à sede viam no mundial a chance de alavancar a sua imagem.

Após a definição das sedes, PSDB e seus tradicionais aliados tinham uma maior representação nas cidades escolhidas do que o próprio PT. Ou seja, não era só Partido dos Trabalhadores que poderia utilizar o evento como arma política.

Os anos foram passando, as promessas não eram cumpridas e a pressão da mídia e da população cresceu. O tiro saía pela culatra e aqueles que viam na copa um trampolim para grandes saltos dentro da política brasileira mudaram de “lado” e passaram a criticar o evento. O caso mais emblemático talvez seja o de Ronaldo, membro do COL (Comitê Organizador Local), que disse sentir vergonha do Brasil e logo após apoiou a candidatura de Aécio.

A ideia da Copa como “solução” dos problemas do Brasil foi naufragando e todos que estavam nesse barco procuraram dissociar sua imagem com o evento, o que para a presidente era impossível fazer. 

A culpa que deveria ser dividia entre governo federal, os doze estados e municípios, e o COL, ficou com apenas uma pessoa, pois a redes sociais e a imprensa colocam toda a responsabilidade do que não aconteceu e que não foi construído em Dilma. 

Ao escolhermos a presidente como a grande vilã, absolvemos os outros envolvidos com a Copa. Nesse ponto, nada difere Dilma de Barbosa, Roberto Carlos ou Felipe Melo.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Entre o Estado e a Descrença

Copa do Mundo, greve da PM de Pernambuco, a crise das instituições no Brasil contemporâneo e uma imagem

por MURILO CLETO



Um horripilante cenário pós-guerra tomou conta das ruas da cidade de Abreu e Lima, na região metropolitana do Recife. Seguia o 15 de maio de 2014, segundo dia da greve dos policiais militares de Pernambuco. Na noite anterior, uma quarta-feira, lojas e agências bancárias foram saqueadas. Na comunidade do Xié, moradores colocaram fogo nos entulhos para bloquear uma das principais avenidas que ligam Recife a Olinda e assaltar os motoristas que por ali passavam. Diante dos acontecimentos, as prefeituras do estado decretaram ponto facultativo e as autoridades pediram à população que evitasse pegar a estrada, abrisse o comércio ou mesmo saísse de casa. 

As cenas em Pernambuco são chocantes, não exatamente pela violência - que já se naturalizou no nosso cotidiano -, mas pelo teor surpreendente das imagens que mostram pessoas comuns invadindo as lojas como numa marcha eufórica e contagiante enquanto tropeçam umas diante das outras e dos eletrodomésticos pelo caminho. Não são bandidos encapuzados, organizados, que planejaram amarrar as mãos do gerente e pedir a senha do cofre enquanto lhe cobrem de coronhadas. Mais uma vez: são pessoas comuns, de cara lavada, que invadiram estabelecimentos comerciais locais para roubar como se estivessem, de fato, ganhando aqueles aparelhos num sorteio promocional.

4 dias depois, muitos dos saqueadores se arrependeram do feito e lotaram a delegacia do município com os produtos eletrônicos levados. Mais do que inusitada, a atitude resume bem o que foram esses dias no estado: um verdadeiro delírio coletivo passageiro.

Mas esse período tem muito mais a dizer sobre o país, que mais uma vez põe em cheque a crença no domínio da razão como senhora do homem, agora um século depois de Freud e da experiência da Grande Guerra. Os dias de greve da PM em Pernambuco e os saques que se seguiram a eles talvez sejam um sintoma de uma sociedade tão violenta quanto a violência que publicamente condena.

Quando as ruas das principais capitais do país foram tomadas, em junho do ano passado, pela onda de protestos que atingiu em cheio prefeitos, governadores e a presidente da república, algo além de suas personalidades também foi implodido com a invasão dos palácios do Planalto, dos Bandeirantes e tantos outros país afora: as instituições. Quaisquer instituições.

No auge dos protestos, aqui mesmo no Desafinado, escrevi sobre as contradições que a homogeneização das manifestações e o clima patriótico traziam às liberdades democráticas. Além de paços municipais e símbolos máximos do poder, também foram alvo de violência representantes de movimentos negros, feministas, esquerdistas e por aí vai. Em São Paulo, teatros foram apedrejados e homossexuais espancados enquanto o gigante levantava muito mau humorado.

De lá pra cá, os protestos esfriaram. E é bem verdade que isso se deve também ao fato de que o discurso anti-Copa tem perdido cada vez mais consistência com uma série de dados que contradizem as expectativas dos mais exaltados contra o evento: 

Ao todo, os 12 estádios custaram R$ 8 bilhões. Menos da metade do dinheiro (R$ 3,9 bi) veio de cofres públicos, através do BNDES. E muito embora seja verdade que as condições para os empréstimos tenham sido pra lá de especiais neste caso, é verdade também que estes valores vão voltar ao tesouro nacional. Nas cidades-sedes, o governo federal investiu R$ 17,6 bilhões em aeroportos, no transporte público e em telecomunicações. E, ao contrário do que se manifesta, os benefícios destas ações não se encerram em apenas um mês, quando soar o apito final em 13 de julho.



De acordo com a Fundação de Estudos e Pesquisas Econômicas da USP, só a Copa das Confederações, no ano passado, gerou 303 mil empregos. Segundo ela, a Copa do Mundo vai acrescentar R$ 30 bilhões ao Produto Interno Bruto brasileiro em 2014. São cerca de 50 mil novos empregos para atender 600 mil turistas estrangeiros e 3 milhões de brasileiros que, pela primeira vez, têm condições de frequentar um aeroporto sem necessariamente pertencer às classes A e B.

Desde 2010, quando as obras para a Copa do Mundo começaram pra valer, diante destes R$ 25,6 bilhões investidos nela, o governo federal pôs R$ 825,3 bilhões em Educação e Saúde. Nos últimos 10 anos, o Brasil reduziu a mortalidade infantil em 40%. 

Para se ter uma ideia do que isso realmente significa, em 2002, no último ano de gestão FHC, os gastos reais do governo federal na área da Saúde foram de exatos R$ 24,735 bilhões, menos do que o investimento atual para o evento. Na Educação, foram R$ 18,01 bilhões. Para fazer justiça, atualizados estes valores girariam em torno de R$ 47,6 bilhões na Saúde e R$ 34,6 na Educação. Somente no ano passado, durante o efervescer dos protestos contra a falta de investimentos na Educação do país, o governo federal injetou R$ 101,9 bilhões, quase 3 vezes mais do que o partido que hoje se vangloria das efusivas vaias à presidente, agremiação que também tentou que o Brasil sediasse a Copa do Mundo a todo custo e que hoje colhe os louros duma caótica crise da crença nas instituições - inclusive naquelas que nós mesmos acabamos de construir.



Nesta quinta-feira, no jogo de abertura da Copa do Mundo no Brasil, diversos protestos pipocaram em cidades-sede de todo o país contra os gastos públicos no evento em detrimento dos serviços públicos prioritários. Em BH, black blocs depredaram grandes símbolos do capitalismo como... o Cine Belas Artes, um museu e uma sede do Detran. Já tem algum tempo, em São Paulo, integrantes do mesmo movimento destruíram um ponto de ônibus. E a lista de agressões infames ao patrimônio público (ou privado de interesse social) é extensa demais pra ser apresentada aqui.

Hoje, a principal pauta sólida do movimento anti-Copa trata-se dos excessos da violência policial durante as manifestações. E, neste quesito, somos campeões mundiais faz tempo. Já falei aqui sobre o quanto matam as PMs do RJ e de SP. Os números são assustadores. Mas desta vez as corporações têm escorregado e praticado parte da habitual truculência nas ruas do centro.

A violência policial que hoje enfurece - e com razão - os manifestantes é a que se tornou habitual nos becos de todo país, em cidades-sede ou não de Copa do Mundo, e que é retroalimentada pela mesma descrença nas instituições que contamina uma parte significativa do país e que quase levou o Palácio do Planalto abaixo. O policial que espanca o "bandido" é o mesmo que se manifesta nas redes sociais em favor da Lei de Talião e que não faz a menor questão de esconder o comportamento agressivo em público, em grande parte porque não acredita em mais nada a não ser o seu próprio poder de vingança.

E é neste sentido que as vaias à presidente e o coro "Ei, Dilma, vai tomar no cu!" em pleno Itaquerão lotado se encontram com o episódio dos saques em Pernambuco, com o ponto de ônibus destruído, o Cine Belas Artes apedrejado e a jornalista espancada até perder a consciência nos quartéis da Polícia Militar de Minas Gerais em Belo Horizonte. 

Como a grande reflexão de Lino Bocchini sugere, esse pode ser o momento de um passo definitivo adiante na reforma política do país diante do violento coro destinado a Dilma na última quinta-feira. Durante todo o mandato, ao contrário do que se previa, o governo Lula não ameaçou as principais regalias das elites no país. Talvez com razão. Ainda era cedo pra isso. E ainda assim, vieram justamente de lá, nos setores VIP das arquibancadas em Itaquera, com ingressos a R$ 1.000,00, as ofensas contra a representante máxima das instituições no país - gostem dela ou não. Em uníssono, mandaram às favas o Estado justamente quem nunca precisou dele.

Uma imagem ilustra com precisão cirúrgica todo esse cenário de contradições. Na favela do Moinho, na região central de São Paulo, o Comitê Popular da Copa decidiu montar um evento que "questiona o futebol elitista" e levou para lá, além dos ativistas, camisetas e bandeiras da Croácia para torcer pela seleção do leste europeu. Faziam parte dele arquitetos e jornalistas. A cada jogada dos adversários brasileiros, os ativistas iam à loucura: comemoraram como nunca o gol contra de Marcelo e xingaram bastante o juiz japonês que marcou pênalti mais do que duvidoso em Fred. "Juiz ladrão! Copa comprada!", gritaram. O jornalista Danilo Mekari, de 25 anos, disse que "uma derrota do Brasil seria um alerta contra a especulação dos megaeventos". Apesar do discurso pronto e todos os aparatos pró-Croácia, a ideia não funcionou. Na parte de baixo da favela, o hot dog da Marcia vendia que nem água as pingas Velho Barreiro e Pirassununga. O Moinho estava em festa e vibrava a cada lance de Neymar e companhia.



Um ano depois da eclosão dos protestos, talvez - e essa é somente uma hipótese - seja possível dizer que tudo isso tenha sido fruto dum delírio coletivo de uma multidão que não acredita mais em nada; nem nas instituições, nem em si mesma.

Sejam todos bem-vindos ao novo Desafinado!

Abraços, 
Murilo