segunda-feira, 30 de junho de 2014

Operação Castellucci

Como o governo Perúcio preencheu todos os cargos comissionados da Prefeitura de Itararé com altos salários, permaneceu dentro do limite prudencial em gastos com pessoal e tirou o sono da atual gestão petista

por MURILO CLETO




Na segunda semana de junho, um comunicado interno da Prefeitura Municipal de Itararé circulou mais rapidamente do que qualquer outro pelas secretarias espalhadas pela cidade. A informação de que a primeira parcela do 13º salário - há anos paga em junho - seria depositada somente nos meses de outubro e novembro indignou boa parte dos funcionários. Pelo Facebook, diversos deles manifestaram o descontentamento com declarações agressivas e acusações de incompetência à administração municipal.

Cerca de um mês atrás, outro rebuliço foi causado pela suspeita de corte nas horas extras dos funcionários, e houve até quem ameaçasse greve por conta da readequação. Jornais locais endossaram o coro e parte da Câmara de Vereadores também. Na virada do ano, jornais destacaram que o discreto aumento de salário (5,9%) era muito abaixo dos garantidos pela gestão anterior, que chegou a 11% em 2009 e 10% em 2012.

O principal argumento da oposição é o de que a grande responsabilidade sobre o excedente está na ocupação de cargos comissionados na atual gestão, que, segundo ela, incham a folha de pagamento e travam a concessão de aumentos mais recheados, o pagamento de horas extras e a antecipação do 13º salário. E hoje todo mundo quer saber, afinal, por que a gestão petista não consegue garantir altas concessões salariais e a antecipação do 13º como era possível - para alguns - na administração anterior.



No dia 31 de julho de 2013, o ofício nº 275 chegou para a Assessoria Jurídica da Prefeitura Municipal de Itararé. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo exigia explicações a respeito de um contrato celebrado com a empresa Castellucci Figueiredo e Advogados Associados para "serviços técnicos especializados de consultoria e assessoria tributária, jurídica e administrativa". Na verdade, o que o TCE descobriu foi um grande esquema de compensação de receita que, por cerca de três anos, salvou o caixa da gestão do DEM, mas comprometeu profundamente o município num futuro muito mais próximo do que se imaginava.

Desde 2010 uma operação resolveu como numa mágica os problemas da administração municipal com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que os gastos com pessoal - incluindo sobretudo o pagamento de salários - não ultrapassem 51,3% do orçamento anual do município. Para equilibrar as contas com a lei, a prefeitura contratou três empresas diferentes para compensar pagamentos supostamente indevidos da Prefeitura Municipal de Itararé à Receita Federal durante parte da segunda metade da década passada. 

No segundo ano da gestão Perúcio, R$ 132.527,75 foram pagos à empresa Nunes Amaral Advogados para a compensação de valores sobre horas extras e 1/3 de férias pagos pela prefeitura e recolhidos entre setembro de 2005 e outubro de 2010 pelo Instituto Nacional do Seguro Social. O trabalho da consultoria era basicamente requerer junto à Receita o ressarcimento de parte desses valores, segundo ela pagos injustamente. 

Surpreendentemente funcionou: R$ 960.346,87 não foram devolvidos à Prefeitura Municipal de Itararé, mas compensados em novos pagamentos dela ao INSS. Ou seja, a bagatela de quase um milhão de reais foi devolvida aos cofres municipais para o reajuste do orçamento, que evidentemente inchou e, desta forma, flexibilizou o aperto com o teto de gastos com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. 

Em 2011, foi a vez da Cestrein Consultoria Empresarial Ltda. ser contratada para "compensação incidente sobre reenquadramento da cota RAT (Risco sobre Acidentes de Trabalho)". A aposta da empresa era reduzir de 2% para 1% o recolhimento desta cota entre junho de 2007 e dezembro de 2011, e mais uma vez deu certo. O valor compensado foi de nada menos que R$ 1.230.154,11, mais uma vez injetados na arrecadação do município. Pelo serviço, a consultoria levou R$ 215.000,00.

Em 2012, coube à Castellucci Figueiredo e Advogados Associados o trabalho de "compensação de verbas indenizatórias" no período entre abril de 2007 e março de 2012. Sem licitação, a empresa recebeu R$ 1.031.414,00 da prefeitura para compensar R$ 8.565.516,02 da Receita Federal. 

De acordo com o processo TC-334/016/13, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo apontou pelo menos 13 irregularidades no contrato entre a Prefeitura Municipal de Itararé, sob a assinatura do então prefeito Luiz César Perúcio, e a Castellucci. Em primeiro lugar, não havia sequer previsão orçamentária que assegurasse o pagamento da empresa para a execução dos serviços, inclusive porque o seu rendimento era determinado através de honorários de 18% sobre o valor compensado junto à Receita. Essa manobra afronta o disposto no artigo 7º, § 2º, III, c/c o § 9º do mesmo artigo da Lei Federal nº 8.666/93.

Além de a contratação não ter sido precedida de procedimento licitatório, também não houve fundamentação legal, parecer técnico ou jurídico que justificasse a condição de inexigibilidade, nos termos do artigo 26 da Lei de Licitações. Nos apontamentos do Tribunal de Contas, o valor estimado da contratação – R$ 120.000,00 - foi excedido em 759,51%, enquanto o limite legal permite apenas 25%. 

O contrato também não especifica o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica, nos termos do art. 55, v, da Lei de Licitações, não designa representante da administração para acompanhamento e fiscalização de sua execução nem apresenta registro próprio das ocorrências relacionadas a ela ou os documentos que atestem a habilitação da empresa.

Segundo o Tribunal de Contas, o contrato ainda terceirizou um serviço que, na verdade, poderia ser executado por servidores municipais, o que torna absolutamente incompatível a contratação da empresa por mais de um milhão de reais, sobretudo diante da dissonância com os dispositivos da Lei de Licitações.

No Espírito Santo, um caso semelhante ao do objeto do contrato em Itararé foi desbancado pela “Operação Camaro”, que flagrou um gigantesco esquema de recuperação de créditos decorrentes de contribuições previdenciárias supostamente indevidas e causou um rombo inicialmente detectado de R$ 10 milhões.

Diante dos apontamentos, o esquema de compensações foi finalmente desfeito no ano passado e as contas foram radicalmente desequilibradas. Hoje os gastos com pessoal – que não devem ultrapassar 51,3% - estão na casa dos 53,3%, e o Tribunal de Contas já indicou a necessidade dos cortes. Com a compensação, os índices já chegaram a apenas 43%. 

Os gastos com pessoal da prefeitura petista realmente aumentaram: de R$ 2.448.448,69, em junho 2012, para R$ 3.123.754,93 hoje. Mas, se para a oposição a grande responsabilidade do problema está na ocupação de cargos comissionados pela gestão Cristina Ghizzi, os números desmentem. 

No mesmo período do último ano de César Perúcio no Paço Municipal, eram 121 cargos comissionados preenchidos, com salários que representavam exatamente 6,38% de toda a folha de pagamento da prefeitura. Desde o início da gestão petista, nenhum cargo de comissão foi criado e hoje apenas 108 estão ocupados. O impacto deles sobre a folha diminuiu para 5,68%. As tão contestadas gratificações dos comissionados da gestão petista, somadas, representam 0,6402% de todo gasto com salários. Se este ano o aumento para todos os quase 2 mil funcionários foi relativamente pequeno, de 5,9%, desde 2013 merendeiras e garis receberam reajuste adicional de 20%.

Meses depois do fim do esquema de compensações, a catástrofe gerada pela celebração irregular do contrato com a Castellucci dá todos os sinais de não se encerrar simplesmente com o estouro do limite prudencial de gastos com pessoal. Como não há quaisquer documentos emitidos pela Receita Federal que ratifiquem os valores recolhidos e compensados pela empresa contratada ou mesmo qualquer fundamentação jurídica que determinasse a devolução dos valores à prefeitura, o município pode ser condenado a devolver, corrigidos, R$ 8.565.516,02 para a instituição lesada. De qualquer forma, independentemente do resultado deste imbróglio, o Tribunal de Contas já avisou que o milhão pago à Castellucci não retornará aos cofres públicos sob qualquer hipótese.

Abraços, 
Murilo

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