segunda-feira, 11 de agosto de 2014

5 de outubro - Murilo Cleto

5 de outubro está chegando e, com a data, os principais dilemas das eleições. Nesta série de postagens que se estende até segunda-feira (18 de agosto), os integrantes do Desafinado anunciam o voto para presidência da República e justificam a escolha.



BRASIL: TEU NOME É DESMEMÓRIA
Por que Dilma Rousseff?
por MURILO CLETO

Não adianta tapar o sol com a peneira. A verdade é que o governo petista nunca teve a popularidade tão baixa quanto agora. E há uma série de motivos pra isso. Junho de 2013 talvez tenha sido a explosão de uma bomba-relógio armada por uma série de insatisfações generalizadas e generalizantes que encontravam espaço nas redes sociais, mas que estavam distantes, até então, das ruas. Delas, poucas foram as conquistas sociais, mas a onda anti-petista varreu o país como nunca se viu antes.

De todas as razões que hoje alimentam o violento discurso contra Dilma e o PT, a principal parece ser a desmemória. Já em fevereiro deste ano, escrevi como convidado no Chuva Ácida sobre a onda conservadora que contamina o país. Minha tese é a de que a série de retrocessos publicamente defendidos por movimentos conservadores, como os linchamentos; a nostalgia do regime militar; e os surtos homofóbicos, racistas e misóginos têm uma relação umbilical com as transformações sócio-econômicas dos últimos 12 anos, desde a chegada de Lula ao Planalto.

Em 2011, o Brasil atingiu o menor índice de desigualdade social da história, 13% graças ao Bolsa Família. Com 10 anos de execução, o programa tirou 36 milhões de pessoas da extrema pobreza. Entre 2001 e 2011, o crescimento real da renda dos 10% mais pobres foi de 91,2%. Da pobreza, saíram 42 milhões. Numa década, o Brasil reduziu a mortalidade infantil em 40%. 21 milhões de novos empregos foram criados.

O programa Minha Casa Minha Vida, instituído em 2009, completou cinco anos em abril com a contratação de 3,39 milhões de unidades, beneficiando mais de seis milhões de pessoas. A meta é atingir mais 2 milhões  até o final de 2014 e fechar os cinco anos de programa com investimentos da ordem de R$ 234 bilhões.

Enquanto ainda se repete o discurso de que este é um governo que só sabe dar o peixe, mas não ensina ou não oferece condições para pescar, o programa Crescer concede crédito com juros até mesmo abaixo da inflação para 3,5 milhões de pessoas, 1/3 delas ascendente do Bolsa Família. Juros menores ainda (2,2% na safra 2012/2013, muito abaixo da inflação) oferecem o Pronaf, direcionado a produtores rurais.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, "a escolaridade média da população de 25 anos ou mais de idade aumentou de 2002 a 2012, passando de 6,1 para 7,6 anos de estudo completos, sendo que 40,1% das pessoas dessa faixa etária alcançaram 11 anos de estudo ou mais. O incremento de escolaridade foi mais intenso para os 'mais pobres' - na classificação do IBGE -, cujo aumento foi de 58%". Graças à política de cotas, o número de negros nas universidades triplicou.

Em 10 anos, o Pró-Uni formou mais de 400 mil profissionais e aliviou a saúde financeira das faculdades privadas de todo país. O programa Ciência Sem Fronteiras levou 60 mil jovens para as melhores universidades do mundo. A proporção de jovens no ensino superior passou de 9,8% para 15,1%. O Pronatec já matriculou mais de 5 milhões em cursos técnicos de alto nível. De 1909 a 2002, o governo federal construiu 140 escolas técnicas no país. Em 12 anos, Lula e Dilma ergueram 365.

Na base, a revolução foi ainda maior. Em 2002, 1/3 das crianças da zona rural simplesmente não frequentava a escola. Desde 2009, o programa Caminho da Escola colocou 17 mil ônibus escolares em mais de 4 mil municípios. 15 mil são destinados às crianças do campo e o restante atende portadores de deficiência, como parte do programa Viver Sem Limite. Para as cidades ribeirinhas, o programa financia a compra de lanchas. Por baixo, isso significa condições diárias de acesso à escola para quase 2 milhões de crianças. Só a partir de 2010, o governo federal injetou R$ 825,3 bilhões de recursos em Educação e Saúde.

No último ano de gestão FHC, os gastos reais do governo federal na área da Saúde foram de R$ 24,735 bilhões. Na Educação, foram R$ 18,01 bilhões. Atualizados, estes valores não ultrapassariam R$ 47,6 bilhões na Saúde e R$ 34,6 na Educação. Somente no ano passado, durante o efervescer dos protestos contra a falta de investimentos na Educação do país, o governo federal destinou R$ 101,9 bilhões ao setor, quase 3 vezes mais do que o PSDB. Inciativa governista, o Plano Nacional da Educação garante 10% do PIB à Educação. No mesmo destino seguem os investimentos na Saúde.

Do ponto de vista econômico, o PSDB é melhor? Não é o que a história mostra. Para não perder a reeleição, FHC realizou o chamado "populismo cambial", que manteve de maneira artificial o câmbio fixo em 1998. Garantido mais 4 anos no poder, alterou a política cambial e jogou o país nas graças do FMI para pagar pela manobra do ano anterior.

Desde 2003, a economia brasileira cresceu 40,7%. O PIB, 27,7%. Neste mesmo período, a renda do trabalho formal dobrou e o número de empregos formais cresceu 65,7%. O BNDES virou protagonista na política de concessão de créditos a pequenas e grandes empresas. Em relação ao último ano de Fernando Henrique Cardoso no Planalto, o número de empregados na construção civil na gestão Dilma aumentou em 155%.

Enquanto o mundo destruía 62 milhões de empregos durante a crise global de 2008, segundo a Organização Internacional do Trabalho, o Brasil criava 10,5 milhões de empregos. A grande mídia ironizou a declaração de Lula, quando disse que a crise aqui era uma "marolinha", sugeriu corte de gastos públicos e Serra veio a público para dizer que, com as medidas de investimento anunciadas por Mantega, o Brasil adentraria o ano seguinte numa crise profunda.

Mesmo com todas as previsões alarmistas, o IBGE anunciou nesta última sexta-feira que a inflação de julho foi de 0,01%, a mais baixa em 4 anos. Dilma fechou o ano de 2013 com a taxa acumulada em 5,9%. Apesar de todas as conquistas do Plano Real, FHC entregou Brasília para Lula com 12,53% de inflação, número registrado em 2002 pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo.

Há quem diga que o governo Lula aparelhou a máquina administrativa desde 2003, no intuito de empregar correligionários, amigos e parentes. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico publicou um estudo sobre o caso. Na última edição de 2010 do Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, detectou-se a existência de 570 mil servidores civis federais na ativa, com pouco mais de 1% sendo ocupados por comissionados.

Com Lula, houve uma enxurrada de concursos públicos, é verdade. Mas principalmente para corrigir o congelamento de FHC, que abasteceu a Esplanada dos Ministérios com funcionários terceirizados, temporários e contratos via organismos internacionais de maneira irregular. No último de PSDB no Planalto, somente 30 servidores efetivos foram nomeados!

Para acabar com o sistema vicioso das "emendas parlamentares", única forma de celebração de convênios até FHC, o governo Lula criou o Siconv. O Sistema de Convênios permite que entidades privadas ou públicas, governos de estados ou prefeituras se inscrevam para concorrer aos recursos destinados diretamente a eles. Hoje, qualquer cidadão pode acessar o mecanismo para conhecer quais programas estão disponíveis. PSDB há 20 anos, o governo do estado de São Paulo ainda não permite que prefeituras sejam proponentes dos seus recursos.

É também desde Lula que foram fortalecidas os mesmo criadas as legitimidades das conferências públicas. 2/3 das realizadas na história do país ocorreram a partir de 2003. Hoje, conselhos, congressos populares e conferências são mais responsáveis pela formulação de legislação do que o próprio poder legislativo. Aliás, descendem destes encontros, com representantes da sociedade civil e do poder público, as principais reivindicações que, algum tempo depois, viram leis. Foram deles que surgiram o Sistema Único de Saúde, o Sistema Único de Assistência Social e a Lei Orgânica de Assistência Social, por exemplo. Esta mudança de paradigma parece sutil, mas é responsável por uma das principais conquistas em qualquer rede democrática: a substituição de uma política de governo por uma política de estado.

A reação ao Decreto nº 8243 desnuda bem o que a mudança deste paradigma significa. Pra muitos, o desespero. A instituição da Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social trouxeram à tona um discurso morto desde a queda do Muro de Berlim. Nas redes sociais e e algumas das colunas mais lidas de todo o país, a ação da presidente foi comparada aos sovietes bolcheviques revolucionários de 1917. No GloboNews Eleições de domingo (10 de agosto), Arnaldo Madeira, coordenador da campanha de Aécio, fez referência ao conceito soviético para, dentre outras coisas, insistir na ideia de que o país não precisa de uma reforma política, mas de lideranças capazes de arrebanhar as multidões.

Se o problema dos governos do PT está na corrupção, talvez alguns números mostrem justamente o contrário. Foi FHC quem criou, mas foi Lula quem estruturou a Controladoria-Geral da União através da realização de concursos e da sua expansão. Em 10 anos, o órgão foi responsável pela expulsão de mais de 4 mil servidores com atos relacionados à corrupção, por acumulação ilícita de cargos, abandono de cargo ou inassiduidade habitual, procedimento desidioso, por participação em gerência ou administração de sociedade privada. Soube de um ou outro escândalo que tomou a capa dos jornais? Isso aconteceu muito provavelmente graças ao Portal da Transparência, também uma iniciativa governista. Também é do presidente Lula o decreto que regulamenta a vedação ao nepotismo no Executivo Federal.

E o Mensalão? Pois bem, é do próprio Procurador-Geral da República o relatório que gera a Ação Penal 470, como ficou conhecido o esquema de compra de votos no congresso federal em favor da base governista. 69 mil páginas, julgadas em 2012, sobre um caso ocorrido em 2005. Se o PT comprou o judiciário, como muitos ainda dizem, como explicar que o único macro-escândalo de corrupção que efetivamente deu condenação tenha ocorrido durante o seu mandato?

Nos tempos de Fernando Henrique Cardoso, até a Veja fez menção ao carinhoso apelido que recebeu o Procurador-Geral da República durante a gestão PSDB, o dr. Brindero: "engavetador-geral da República". Também pudera: SUDAM, SUDENE, Anões do Orçamento, mensalão da reeleição, SIVAM, etc. Nenhum deu em absolutamente nada.

Aliás, também é do PSDB o modelo de referência para o mensalão petista. Batizado de "mensalão mineiro" pela imprensa conivente, o esquema de compra de votos em favor do PSDB em Minas Gerais aconteceu em 1998, também com o protagonismo de Marcos Valério, mas de longe sem a mesma estridência na cobertura midiática que veiculou os desdobramentos do petista, de 2005 até hoje.

O que eu quero dizer é que tudo bem se um governo corrupto comanda nosso país? Claro que não. Mas há uma enorme diferença na forma com que se tratou a corrupção durante os governos petistas e durante a gestão do PSDB, não apenas sob a ótica da imprensa. A sujeira para debaixo do tapete, acumulada nos 8 anos de FHC, é algo absolutamente improvável no Brasil depois do desenvolvimento do poder judiciário e de órgãos de fiscalização, promovido na última década.

Pode ser surpresa pros demais estados, mas a apatia da imprensa mineira não é novidade nenhuma pra quem conhece a relação de Aécio com órgãos de comunicação. Com as articulações da irmã, Andrea Neves, silenciou quase todos eles em Minas Gerais. Em junho deste ano, um jornalista teve a casa invadida, no Rio de Janeiro, depois de uma ação movida pelo senador.

A imprensa mineira também permaneceu quieta sobre a investigação de desvio de R$ 4,3 bilhões quando Aécio era governador do estado. Sem dar maiores explicações, este ano o procurador-geral de Justiça de Minas, Carlos André Bittencourt, arquivou o caso sob a alegação de que a promotoria não poderia processar um governador.

Em Minas Gerais, o novo governador teve que cortar às pressas o alto número de comissionados. Entre dezembro de 2003, primeiro ano de Aécio no estado, e janeiro de 2014, segundo do sucessor, o número de contratados sem concurso público aumentou em 92%.

O PSDB de Aécio e sua base aliada têm muito o que explicar: o aeroporto construído em propriedade particular do tio em Cláudio; a quase meia tonelada de cocaína no helicóptero dos filhos do senador Perrella; e os escândalos engavetados acima são apenas alguns deles.

***

É verdade que ainda há muito no que se avançar no Brasil comandado pelo PT. Com medo do conservadorismo religioso, Dilma recuou quando teve nas mãos o "kit anti-homofobia". Na campanha de 2010, sucumbiu ao denuncismo moral barato de que era favorável ao aborto para intensificar a campanha em igrejas e anunciar sua posição contrária à prática. Somente agora, em junho de 2014, voltou a se manifestar sobre o caso, sustentando o direito inequívoco de aborto por motivos "médicos e legais". Para garantir uma capacidade de geração de energia elétrica nunca antes vista no país, permitiu a usurpação de terras indígenas em pleno século XXI e adiou, mais uma vez, a demarcação de terras.

Além disso, junho de 2013 escancarou uma das maiores deficiências do governo federal nestes últimos 12 anos: é incapaz de se comunicar o suficiente com uma população diariamente massacrada por informações sobre os gastos públicos e a inoperância dos serviços públicos. Pode parecer apenas um anexo, mas a comunicação é parte vital de um governo atento ao bem-estar da população.

Demorou para o Planalto reagir às críticas contra a realização da Copa do Mundo aqui. Permitiu que os jornais chamassem presos políticos de SP e RJ de "presos da Copa", mesmo que a responsabilidade dos encarceramentos arbitrários fosse dos estados e não de Brasília. Assistiu apático 3 principais jornais do país estamparem que uma "obra inacabada da Copa" havia desabado e matado um em Belo Horizonte, ainda que a contratação da empreiteira fosse da prefeitura.

Luciana Genro e o PSOL não têm consistência além da discursiva para representar, de fato, uma alternativa para o poder executivo federal. O PSOL pode ser um bom caldeirão de ideias, mas ainda muito distantes da realidade. A ausência de pluralidade na sua base é um sintoma do distanciamento natural que se abriu entre sua atuação política e as ruas. Do ponto de vista legislativo, no entanto, não há dúvidas que a atuação de muitos dos seus deputados tem se destacado, muitas vezes para cobrir os déficits ainda apresentados pelo governo, sobretudo nas questões envolvendo Direitos Humanos e minorias.

É verdade que foi com Eduardo Campos que o Pernambuco cresceu. Mas depois do rompimento com o PT, a aliança com Marina e a mega coligação montada para arrebanhar mais tempo de TV desconstroem a marretada maior em que o 3º mais especulado para a presidência tanto insiste. Sua crítica contra o avanço do PMDB e seu fisiologismo é válida, mas nula diante do que tem apresentado como alternativa para ela. Ao tentar relacionar "as vozes das ruas" de junho de 2013 ao candidato do PSB, o coordenador de sua campanha, Maurício Rands, brinca com a inteligência daqueles que defendem uma reforma política efetiva.

Existem 2 motivos pelos quais, no dia 5 de outubro, meu voto é de Dilma Rousseff. Primeiro, porque reconheço que os avanços sócio-econômicos e também políticos do país são grandes demais para serem interrompidos. O que se fez aqui, dentro dum regime democrático, dezenas de revoluções não conseguiram. Segundo, não sejamos ingênuos: a única frente possível ao PT, hoje, é de uma direita encabeçada por Aécio, o PSDB e todas as suas práticas aqui listadas. E esse Brasil eu não quero nunca mais. O Brasil de Lula e Dilma não é, ainda, o que os mais de 200 milhões de brasileiros merecem, mas é o melhor Brasil que já se viu. E é por ele que a minha memória não vai falhar.

Abraços,
Murilo

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