terça-feira, 26 de agosto de 2014

Itararé: a outra batalha que não houve

Entre os anos de 1893 e 1895, a pacata Itararé foi um dos palcos das operações militares ocorridas na Revolução Federalista que sacudiu a região sul do país, deixando um rastro de violência e brutalidade.

por MARCUS VINÍCIUS DO NASCIMENTO

Forças rebeldes se unindo: na imagem, o encontro de Gumercindo Saraiva (no cavalo branco) com o contra-almirante Custódio de Melo (do seu lado direito) no Paraná, em 1893. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/prova-de-fogo-republicana

A partir da segunda metade do século XIX, uma efervescência tanto política quanto intelectual tomou conta do país e acabou por desestabilizar as bases do Império brasileiro, acarretando o nascimento da República em 15 de novembro de 1889. 

Parte deste contexto pode ser entendido pela circulação de ideias de intelectuais, militares e estudantes, denominados como a “geração de 1870”, que defendiam a derrubada do Império e a instauração da República. O Exército, sentindo-se desprestigiado pelo Império, e os descontentes cafeicultores da região sudeste se uniram para a derrubada da monarquia, porém seus projetos de República não estavam alinhados. 

Os cafeicultores ressentidos com a sua representatividade na Corte e pelas medidas abolicionistas de D. Pedro II defendiam a descentralização política e administrativa do país, a proteção economia do café, a separação da Igreja Católica do Estado e a inserção da mão de obra de imigrantes vindos da Europa nas lavouras de café. Já o Exército, influenciado pela atuação do professor Benjamin Constant na Escola Militar, baseava sua ideia de República no positivismo de Auguste Comte, procurando desse modo dar uma sustentação “científica” à sua visão autoritária de poder. 

O projeto conservador e autoritário do Exército acabou vencendo e cadeira presidencial foi ocupada sucessivamente por dois militares. Isso se explica, em parte, pela atuação dos membros do Exército nos eventos do dia 15 de novembro de 1889, quando o até então monarquista marechal Deodoro da Fonseca destituiu o ministério de Ouro Preto e proclamou a República. 

Deodoro liderou o Governo Provisório (1889-1891), que ficou responsável por estabelecer as novas instituições republicanas e a nova carta constitucional do país. A primeira eleição, após a promulgação da Constituição de 1891, elegeu, via Congresso Nacional, o marechal Deodoro da Fonseca para presidente e o marechal Floriano Peixoto para vice. 

O Governo Constitucional de Deodoro em 1891, no entanto, foi marcado por grande instabilidade política, o que redundou na sua renúncia e na posse de seu vice. O marechal Floriano Peixoto iniciaria um governo extremamente violento, o que o faria ser apelidado de Marechal de Ferro. 

A reorganização dentro dos quadros dirigentes que se seguiu após o 15 de novembro criou animosidades entre as diversas forças políticas, principalmente no Rio Grande do Sul. E de acordo com Boris Fausto: 

Uma das regiões politicamente mais instáveis do país nos primeiros anos da República era o Rio Grande do Sul. Entre a proclamação da República e a eleição de Júlio de Castilhos para a presidência do Estado, em novembro de 1893, dezessete governos se sucederam no comando do Estado. Opunham-se, de um lado, os republicanos históricos adeptos do positivismo, organizados no Partido Republicano Rio-grandense (PRR) e, de outro, os liberais. Em março de 1892 estes fundaram o Partido Federalista, aclamando como seu líder Silveira Martins, prestigiosa figura do Partido Liberal no Império. (FAUSTO, 2010, p. 144)

Os embates entre os federalistas (maragatos) e os castilhistas (pica-paus) deram início a uma violenta guerra civil, chamada também de Revolução da Degola pela brutalidade como os prisioneiros eram executados. Em poucos meses, a guerra, iniciada no Rio Grande do Sul, adentrava os territórios de Santa Catarina e do Paraná. 

Após ocupar Curitiba, Gumercindo Saraiva, uma das principais lideranças dos federalistas, tinha como intenção invadir o estado de São Paulo e esse caminho passava por Itararé. Diante da iminente invasão de São Paulo, Floriano Peixoto organiza suas defesas no recém-criado município de Itararé. 

Em fevereiro de 1894 o jornal O Correio Paulistano publicava uma carta do comandante das operações em Itararé, o coronel Firmino Pires Ferreira, com a seguinte chamada:


No Rio Grande do Sul, o jornal legalista A Federação publicava uma carta supostamente vinda de São Paulo que falava sobre as movimentações das tropas em Itararé, além de demostrar grande confiança na defesa do território paulista. 

Todos os dias organisam-se forças, formam-se batalhões patrióticos, que marcham para a fronteira do Paraná, indo estacionar nas margens do Itararé, que é o centro militar das operações [...]. 
Não! S. Paulo não será invadido! Porque todos os meios de defesa têm sido postos em execução! Hoje já Itararé communica-se telegraphicamente com a capital federal, e ao primeiro vestígio de federalistas na fronteira o marechal Floriano dobrará as forças que guardam a integridade de S.Paulo. (A FEDERAÇÂO, 29/03/1894) 

Em abril daquele mesmo ano, de acordo com o telegrama publicado pelo jornal O Correio Paulistano, as informações que circulavam em Buenos Aires eram que a cidade de Itararé havia caído nas mãos dos federalistas: 

Espalhou-se aqui que o chefe insurrecto Gumercindo Saraiva ocupou no estado de S. Paulo a fortaleza (sic) de Itararé, onde uns 3 mil homens capitularam. (Correio Paulistano, 11/04/1984) 

No entanto, as tropas federalistas estavam consumidas pelos embates no Paraná e, ao perceberem uma grande movimentação na fronteira, optaram por não atacar Itararé para reorganizar suas forças. 

O jornal paranaense A República, ao mencionar as festividades ocorridas na cidade de Imbituva-PR para receber o Batalhão Frei Caneca, reafirma que não houve ataque ou batalha: 

[...] o Frei Caneca, aquelle que desde rebentada a revolução postou-se no Itararé como um forte baluarte, impendido desta forma que fosse aquelle nosso Irmão Estado de São Paulo assaltado pelos Jacobinos. (A REPÚBLICA, 01/09/1984) 

Os federalistas a partir desse momento começavam a sua retirada rumo ao Rio Grande do Sul, o que não acabou com o conflito. Muitas degolas aconteceriam até o final do conflito em 1895, como a de Gumercindo Saraiva, que mesmo morto teve seu corpo desenterrado e degolado pelos pica-paus. 

Itararé fora poupada do banho de sangue logo no seu nascimento, como seria anos mais tarde na sua mais famosa batalha de 1930, na qual Getúlio Vargas ascenderia à presidência da República. 

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