sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Silas Malafaia, a comunidade evangélica e a influência da religião na política e eleições brasileiras

por LUIS FELIPE GENARO

Na revolta Palestina do século I, subjugada ao poderio militar do Império Romano e à casta sacerdotal judaica, elite religiosa aliada aos desígnios dos imperadores, um judeu se rebelou contra toda uma ordem vigente e uma classe dominante opressora. Reuniu homens e mulheres marginais entre a região da Galileia e Jerusalém, pregando a derrocada de um período marcado por profundas fendas sociais. Período de conforto para uns e de miséria para o resto. Morreu como todo terrorista e agitador do período: crucificado.


É assim que Jesus de Nazaré foi descrito pelo estudioso de Harvard, Reza Aslan, em sua polêmica obra Zelota – A vida e a época de Jesus de Nazaré, lançada recentemente. As ideias de Aslan não são inovadoras para os campos historiográfico e teológico, mas são prazerosas de se ler devido à inexistência de um academicismo rebuscado. Em um trecho-clímax, relata o diálogo entre Jesus e as autoridades do Templo: “Avançando até Jesus à vista de todos os presentes, eles perguntam: Mestre, sabemos que és verdadeiro, que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade e que não reverencias nenhum homem. Diz-nos: é lícito pagar tributo a César ou não?”. A famosa máxima de Jesus, talvez a mais mal interpretada de todas, vem em seguida: “Mostrai-me um denário, diz Jesus, referindo-se à moeda romana usada para pagar o tributo. De quem é esta imagem e esta inscrição? É de César, as autoridades respondem. Bem, então, devolvei a César a propriedade que pertence a César, e devolvei a Deus a propriedade que pertence a Deus”. 

Séculos depois, aos quais não vou me ater, a liderança máxima de uma das maiores comunidades evangélicas do mundo, o pastor brasileiro Silas Malafaia, em um de seus vídeos-espetáculo, usou as mesmas palavras que o combativo Jesus de Nazaré pronunciou às autoridades do Templo. Ironicamente também as disse de forma combativa. Afinal, o próprio Reza Aslan concluiu: “é surpreendente que séculos de estudos bíblicos tenham deturpado essas palavras como um apelo de Jesus para pôr de lado as coisas deste mundo – os impostos e tributos – e concentrar o coração, em vez disso, nas únicas coisas que importam: a adoração e a obediência a Deus”. Malafaia sabe que a política, “neste mundo”, é importante – quiçá, bastante interessante. O combate, as ideias e a postura do pastor brasileiro e de parcelas significativas da comunidade evangélica, entretanto, são diferentes, ao menos na essência, do homem que dizem representar.


Segundo o censo de 2010, os evangélicos cresceram de forma exponencial em todo o território brasileiro, enquanto o número de católicos diminuiu de forma expressiva. A igreja de Silas Malafaia, Assembleia de Deus, conta hoje com aproximadamente 12.314.410 adeptos. Já no Congresso, entre louvores e orações, a “bancada evangélica” conta hoje com 66 parlamentares – todos predispostos a combater projetos que visam avanços sociais, como, por exemplo, a permissão do aborto; a descriminalização de drogas leves, como a maconha; e a criminalizar minorias, como a comunidade homossexual. 

Tapam os olhos para a mulher marginal, que é julgada por não ter o poder ($) sobre o próprio corpo. Esquecem, no entanto, da burguesinha do Leblon, cujo pai paga fortunas para que, se desejar, o aborto seja feito no mesmo dia. Dão de ombros para recentes estudos sobre a descriminalização de certas drogas – drogas essas que causam guerras civis sanguinárias em favelas e comunidades pobres, entre policiais coniventes e poderosos traficantes. Se esquecem também que há diferentes conceitos de “família”, e que dois homens ou duas mulheres, cidadãos do mesmo Estado (Laico) Democrático de Direito, podem viver em conjunto, adotar filhos e construir suas vidas com dignidade. “Vamos nos opor a todos os projetos que não se identificam com princípios bíblicos”, disse o deputado Erivelton Santana (PSC-BA). Enfim, andam na contramão dos movimentos sociais, dos direitos humanos e de inúmeras ideias progressistas e libertárias. Atentem: para Silas Malafaia, a Igreja e o Congresso não demarcam limites. Seu alvo é claro: a presidência da República. 


Não, o pastor brasileiro não se candidatou a nenhum cargo para as próximas eleições. Malafaia, como de praxe, polemizou ao lançar um vídeo na internet em apoio ao candidato do Partido Social Cristão (PSC), pastor Everaldo. Ele roga a evangélicos e católicos “de bem”, cristãos em geral, para pararem de serem “trouxas” e “alienados”, pois política é sim coisa de cristão. De forma irônica, responde a todos os seus críticos mais ferozes: “eu sou cidadão, meu queridão”. Há tempos, desde a eleição ganha pelo pastor Marco Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, a crítica aos evangélicos no poder cresceu e se intensificou. 

“Tenho o direito de expressar minhas opiniões [...] tenho o direito de indicar pessoas, e você tem o direito de aceitar ou rejeitar o que eu falo”. O pastor então, antes do grand finale, diz: “existem centenas de projetos no Congresso Nacional pra detonar a família, detonar os bons costumes da sociedade.”. Através de um discurso moralista e conservador, apoia o candidato à presidência da República, Everaldo Dias Pereira, hoje, nas pesquisas, 4° lugar na corrida para o Palácio do Planalto. 


Finalmente, Silas Malafaia não se deixa intimidar, usa e abusa de toda sua influência e autoridade sobre um rebanho acabrunhado aos seus pés. Caso o pastor Everaldo não chegue ao segundo turno, a quantidade de votos evangélicos, segundo Malafaia, daria ao “povo de Deus” poder suficiente para manipular os dois principais candidatos. “Nós vamos sentar, chamar pra mesa e dizer, olha ai queridão, quer o nosso apoio? Você vai assinar um documento que você não vota nisso, nisso, nisso, e que você vai ter que ser a favor disso, disso e disso”. Na utopia do pastor, que diz ser este o “jogo político”, teríamos um presidente refém de sua Igreja e comunidade. 

O temor de Silas Malafaia, Everaldo e outras lideranças evangélicas de prestígio, é que o Brasil sucumba ao “demônio vermelho”. Não, não o Lúcifer de chifres e cauda, mas a esquerda política (a verdadeira esquerda política!). Temem a Reforma Agrária, o igualitarismo e todas as reformas de base, por isso defendem com unhas e dentes a sagrada propriedade privada, a meritocracia e ações individuais empreendedoras. Temem a insurgência e a revolta, por isso defendem uma Segurança Pública militarizada e pronta para agir contra quem quer que seja. Em suma, defendem valores, tradições e a tal civilização – sim, Malafaia usa este conceito em seu vídeo! –, conceitos-chave usados na História do homem para sustentar guerras, exterminar povos e estabilizar pirâmides sociais nutridas pela desigualdade, pelo sofrimento e pelo sangue. 

Nos resta lutar contra essa nova Cruzada que marcha a passos rápidos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário