quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A Educação no discurso político dos presidenciáveis: entre a mercantilização e a formação

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR


Desde o século XVII, Jan Amos Comenius, o criador da Pedagogia moderna, na sua Didática Magna, propunha ensinar “tudo a todos totalmente” (Omnes Omnia Omnimo). Neste sentido, o pensador foi o precursor da educação democrática que deveria incluir a todos, homens, mulheres, pobres, ricos, “mais capazes” e “menos capazes”. Porém, no mundo capitalista, a concepção democrática de Comenius ganhou um concorrente, o mercado. Desta forma, a educação foi transformada em mercadoria e as instituições privadas de ensino passaram a oferecê-la como “um bem a ser adquirido”. 

No Brasil, tal processo de transformação da educação em mercadoria foi iniciado com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961, que estabeleceu “uma relação de complementaridade entre o setor público e o setor privado”. Durante a Ditadura Civil-Militar, o que se observou foi o aprofundamento desta diretriz, com o predomínio da iniciativa privada. Assim, os militares, a partir de uma pedagogia “tecnicista” criaram as escolas técnicas, que atendiam às camadas populares, mantendo o ensino superior público acessível para “poucos” e abrindo espaço para que o setor privado se expandisse com a demanda. 

Após a redemocratização do Brasil, este processo de “mercantilização” se aprofundou nas gestões do presidente Fernando Henrique Cardoso entre 1994 e 2002. Neste contexto, a descentralização da educação e a desresponsabilização do governo federal acompanharam um movimento de crescimento das instituições privadas de ensino e pouco investimento na educação pública. Tal crescimento pode ser melhor observado nas matrículas reservadas ao ensino superior. 


Mesmo com os avanços, principalmente no ensino superior e tecnológico por meio dos Institutos Federais durante os 12 anos de governo Lula/Dilma, com a criação de campi universitários e tecnológicos por todo o Brasil, com o Programa Universidade para Todos – PROUNI –, que em 10 anos formou 400 mil profissionais, mantém-se a complementaridade, com o pagamento de mensalidades em instituições privadas. Se por um lado este programa democratizou o acesso ao ensino superior, por outro manteve a lógica do capital na educação ao inverter recursos públicos para a iniciativa privada. O projeto é justificável pela ausência de vagas no ensino superior público ou mesmo pelos problemas estruturais da “escola pública” no Brasil, que acabam não permitindo aos alunos das camadas populares ascenderem à universidade pública. 

Com a proximidade das eleições presidenciais, a educação volta à pauta por meio do discurso político na tentativa de convencer os eleitores na direção de que “só a educação pode transformar a sociedade”. O objetivo deste artigo é justamente apresentar as propostas para a educação a partir da análise dos programas ou diretrizes de governo dos presidenciáveis: Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB), Marina Silva (PSB), Pastor Everaldo (PSC), Eduardo Jorge (PV) e Luciana Genro (PSOL). 

O programa de governo de Dilma, candidata à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores – PT –, apresenta as propostas de maneira integrada e não por área. Desta maneira, o programa tem por objetivo continuar dando oportunidade de ascensão social aos mais pobres. Para isso, a educação é fundamental. O programa destaca o investimento de 75% dos royalties do petróleo e 50% dos excedentes do pré-sal para a educação, mantendo o compromisso do Plano Nacional da Educação – PNE – de investimento de 10% do Produto Interno Bruto – PIB – na área. Outro compromisso é o da ampliação da Rede de Educação em Tempo Integral para 20% da rede pública até 2018. Serão concedidas 100 mil bolsas no programa Ciências Sem Fronteiras e 12 milhões de vagas na segunda fase do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC –, o que promete melhorar a qualificação profissional dos brasileiros. Portanto, o programa de governo de Dilma Rousseff indica a manutenção da política educacional de ampliação das oportunidades de acesso ao ensino superior e apresenta a educação em tempo integral como possibilidade para a melhoria da qualidade da educação básica no Brasil. 


Aécio Neves, candidato do PSDB, ainda não apresentou um programa de governo formal, mas apenas as diretrizes. Dentre as oito grandes áreas apresentadas, está a educação. Uma leitura descuidada das diretrizes de Aécio nos faz questionar: qual a diferença entre a sua proposta para a educação e a da candidata Dilma? Isso porque o candidato tucano reafirma o compromisso com programas criados nos 12 anos de governo petista como FUNDEB, ProUni, FIES, PRONATEC e ENEM, porém sempre complementa com o verbo “aprimorar”. Apesar de reconhecer a importância destes programas educacionais, Aécio defende a base da política educacional promovida por FHC: a abertura à iniciativa privada e a meritocracia. Manutenção dos benefícios à iniciativa privada quando indica que “articulação, de modo mais eficiente, da iniciativa privada ao esforço de ampliação das vagas e da qualificação do ensino superior”; meritocracia quando aponta para atrelamento entre o salário do professor e o rendimento dos alunos mediante avaliações externas. Sendo assim, Aécio indica o aprofundamento da política neoliberal para a educação conforme proposta de um dos criadores do seu programa de governo, Samuel Pessoa

Marina Silva inicia o capítulo sobre educação do seu programa de governo com a defesa da educação integral. Para isso, a candidata indica a necessidade de construção de novas escolas e a ampliação das já existentes. O combate ao analfabetismo é outra bandeira levantada pela candidata, que propõe para isso “desburocratizar” o repasse de recursos federais, sem mencionar como. O programa ainda destaca o problema do Ensino Médio no Brasil atrelado ao crescimento da chamada geração “nem-nem”, ou seja, jovens que nem trabalham e nem estudam. Deste modo, a proposta é criar um Ensino Médio dinâmico e disposto a atrair essas gerações de estudantes. Nesta direção, o Programa “Ganhe o Mundo”, criado no Estado de Pernambuco, e que aumenta a carga de aulas de Língua Estrangeira e concede bolsas para o exterior para alunos do Ensino Médio da rede pública, será expandido para todo o país. A candidata, assim como Aécio, reafirma a importância e promete a manutenção de PRONATEC, FIES e ProUni, além de endossar o compromisso com o Plano Nacional da Educação. Para isso, Marina indica a necessidade de aumento de aporte da União na Educação e, assim como Dilma, defende o repasse de uma parcela dos royalties do petróleo e do pré-sal, apesar de todas as contradições destacadas pela imprensa sobre o posicionamento de Marina em relação ao pré-sal

Pastor Everaldo, do Partido Social Cristão - PSC -, defende "sem rodeios" o neoliberalismo e a meritocracia. Para isso, defende a expansão do ProUni para o ensino técnico, médio, fundamental e infantil; a desburocratização da abertura de instituições privadas de ensino; e o investimento na educação à distância para baratear o custo. Em relação à meritocracia, propõe: "inserção de mecanismos típicos de eficiência dentro do sistema público para sua melhoria, em especial a meritocracia e o plano de metas". Assim, Everaldo defende o aprofundamento da lógica do capital na educação e praticamente a extinção da educação pública no Brasil. 

Eduardo Jorge, do Partido Verde - PV -, apresenta propostas interessantes e diversas dos três candidatos majoritários. O candidato defende a criação de mecanismos de avaliação da escola pela comunidade e a inserção obrigatória da disciplina de Direitos Humanos em todos os níveis de ensino. Além disso, defende as cotas e o cumprimento da lei 11.684/08, que determina a inserção das disciplinas de Sociologia e Filosofia em todos os anos do Ensino Médio. 

Conforme o site oficial da candidata Luciana Genro do Partido Socialismo e Liberdade - PSOL -, o programa foi lançado no dia 23 de setembro e ainda não está disponível para consulta pública. Desta forma, a análise toma como fonte as diretrizes de governo da candidata. Dentre as diretrizes, uma parte específica é dedicada à educação, com bom volume de informações. De início a candidata se coloca contra o que chama de "modelo privatista" e a favor de o governo federal assumir a responsabilidade pela criação de um Sistema Nacional de Educação composto pela União, municípios e estados. Além disso, a candidata questiona o modelo meritocrático composto de "provinhas e provões", e propõe a mobilização popular como forma de avaliação das instituições de ensino. 


Luciana mantém o compromisso de destinar 10% do PIB para a educação, porém apenas para a educação pública, lembrando que o PNE foi aprovado com a possibilidade de o governo considerar o ProUni como parte dos 10%, o que permitirá o investimento em instituições privadas de ensino. Em dois anos a candidata propõe dar início ao Custo Aluno-Qualidade (CAQ), que será medido pelos estados e discutido com a União para o repasse das receitas. Em relação à carreira de docente, a diretriz critica o sucateamento da profissão e se compromete com duas metas: o piso salarial proposto pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos - DIEESE -, que seria de R$2.979,25 por 20 horas aula, e o 1/3 de hora fora da sala de aula. Para isso, a candidata propõe que só receberão os repasses os estados que adotarem essa política de valorização docente. 

Em relação ao acesso e à permanência, Luciana não propõe o corte imediato de bolsas do ProUni e de outros programas de inserção das camadas populares em instituições privadas, porém indica que esses programas devem ser transitórios até a demanda ser suportada pelo ensino superior público. O programa ainda propõe a Educação para os Direitos Humanos, como forma de vencer a opressão. Em relação à democratização da gestão, Luciana propõe a eleição direta para diretor de escola e reitor de universidades. Para colocar em prática todas as propostas, a candidata coloca como fonte de recurso os royalties do petróleo e os recursos para pagamento da dívida pública, que leva praticamente 40% do PIB do país. 

Analisando os programas ou diretrizes de governo para a área da Educação percebemos três perspectivas diferentes: privatista, continuísta e progressista. No caso de Aécio Neves (PSDB) e mais claramente do Pastor Everaldo (PSC), o modelo privatista é o escolhido, com o incentivo à iniciativa privada em detrimento da educação pública. Dilma (PT) e Marina Silva (PSB) propõem a manutenção de políticas públicas existentes e a Educação Integral como forma de vencer o “déficit” da educação básica pública. A diferença é que a candidata à reeleição deixa claro de onde virão os recursos para promover a manutenção das políticas públicas e a ampliação de outras. Eduardo Jorge (PV) e mais veemente Luciana Genro (PSOL) propõem o rompimento com a lógica privatista ou “lógica do capital”, no sentido empregado por Mészaros (2005), que privilegia a iniciativa privada em detrimento da educação pública, entendendo que “o papel da educação é soberano, tanto para elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente” (MÉSZAROS, 2005. p.65). 

Por fim, os privatistas compreendem a educação como mercadoria, os continuístas ficam entre a mercantilização e a formação e os progressistas rompem ao afirmar que “a educação não é mercadoria”. 

Abraços, 
Osvaldo. 

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