sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Ensino de Cultura na sala de aula: uma responsabilidade do sistema de ensino

Antes o mundo era pequeno 
Porque Terra era grande 
Hoje mundo é muito grande 
Porque Terra é pequena 
Do tamanho da antena parabolicamará 
Ê, volta do mundo, camará 
Ê, ê, mundo dá volta camará 

(Gilberto Gil, Parabolicamará)

por LUIZA SALLA


Deparamo-nos com um retrato muito intrigante ao observar as escolas públicas brasileiras na atualidade. É um misto de culturas, de opções de lazer, de oportunidades (ou a falta delas), de interesses... Um misto resultante das diversificadas origens e realidades que cada indivíduo ali possui. 

Na escola muitas vezes se trabalha a diversidade cultural em se tratando de outros povos e outros países, até mesmo de outras épocas, mas muitas vezes as pessoas que estão ali desconhecem, ou pouco sabem, a respeito de sua própria cultura. Eles conhecem a cultura comercial, a chamada cultura de massa, pois ela está em todos os lugares: tocando na casa, em carros de som, aparecendo na televisão, sendo usada como musiquinha de político em época de eleição. E, sem dúvida, ela realmente faz parte da atual criação cultural brasileira. 

Mas e o resto? Digo, e TODO e resto? A cultura brasileira é muito mais do que apenas o que está fazendo sucesso momentâneo na TV. 
“O acesso à cultura é um direito básico de cidadania” (Gilberto Gil) 
No discurso do ministro Gilberto Gil na solenidade de transmissão do cargo, em Brasília, em 2 de janeiro de 2003, ele define cultura “como tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto que produzimos, transcende o meramente técnico. Cultura como usina de símbolos de um povo. Cultura como conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação. Cultura como o sentido de nossos atos, a soma de nossos gestos, o senso de nossos jeitos”. 

Nossa realidade atual é que grande parte população, incluindo os jovens que frequentam as escolas públicas e privadas do país, está tão inserida na cultura de massa que se esquece, e até desconhece, as outras formas de cultura que formam a história de seu país. A consequência disso é o esquecimento da própria história. 

Como a maior parte da sociedade tem em comum a passagem pela escola, é de se imaginar que seria responsabilidade da mesma criar maiores condições de acesso aos bens culturais. O indivíduo que ali se encontra já tem suas próprias referências culturais, portanto uma das funções do órgão seria a de ampliar o repertório do mesmo, fazendo com que ele tenha ferramentas para enfrentar as mais diversas situações ao sair dali. 

Estudiosos comprovam que toda ação pedagógica tem uma intenção, ou seja, não há como a escolha dos conteúdos que fazem parte do currículo escolar seja neutra. De acordo com SILVA (SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004), o currículo escolar está relacionado diretamente com o conhecimento que se “pretende” ensinar a um grupo, logo, ensinar ou negligenciar o ensino de cultura nas escolas públicas seria também uma questão política. 

Atualmente o ensino de cultura é realizado intrinsecamente, dentro das demais disciplinas. Alguns profissionais entendem que a responsabilidade, deste modo, teria passado para os professores de Língua Portuguesa e Estrangeira. Isso se dá porque ao ensinar língua e literatura o professor está também transmitindo a evolução da língua, as alternâncias culturais e as transformações sociais pelas quais o país e sua escrita passaram durante a história. Contudo, tais informações também são transmitidas pelos profissionais de artes, história, geografia e até mesmo da área de exatas. Não importa a disciplina, o importante é demonstrar que uma sociedade se molda aos padrões culturais a que é submetida e que isso implica no que as pessoas têm apreciado como cultura nos dias de hoje. 

“Cultura = civilização” – preconceitos e estereótipos 

O preconceito relacionado à diversidade cultural das pessoas ainda é muito grande. Há uma crença de que quem adquire certos conhecimentos, quem tem contato com certas formas artísticas culturais, e conhecimento acerca delas, seria, de certa forma, superior intelectualmente. Existe um “padrão cultural” que é cultuado pelos mais diversos tipos de pessoas como o “aceitável”, o que é muito prejudicial à sociedade como um todo. 

Os estereótipos e preconceitos que envolvem o “nível cultural” de uma comunidade foram intrínsecos nas sociedades desde há muito tempo e, até os dias de hoje, atividades como ler um livro considerado clássico da literatura ou decifrar os prazeres da música erudita são consideradas atividades culturais superiores do que ler um best-seller, ver uma novela ou dançar um funk, elementos típicos da cultura de massa atual. O assunto é complexo. É certo que a busca por conhecimentos complexos, o interesse pelo aprendizado e pela educação, possui seu valor e realmente eleva, durante todo o período em que a pessoa se dedica a adquiri-lo, o nível intelectual, crítico e de conhecimento de mundo de uma pessoa. Por outro lado, nós vivemos num país onde a maior parte da população depende da boa vontade de ações governamentais para adquirir educação, e, infelizmente, o governo não se mostra muito interessado em enriquecer a população intelectualmente. Portanto, nos dias de hoje, concepções como essa influenciam de forma muito negativa, a até mesmo destrutiva, no futuro da sociedade, tanto se tratando de realização pessoal como profissional. 

É função do currículo, portanto, criar condições para que a escola discuta as relações de poder que envolvem diferentes tipos de conhecimento conscientizando o aluno sobre tudo o que está em jogo, já que vivemos em uma sociedade que ainda rotula e criminaliza a diversidade. Porém é importante deixar claro que essa “conduta” precisa acabar, fazendo com que a diversidade seja vista pela beleza que tem, pautando-se na importância das diferenças culturais e, principalmente, no respeito a elas. 

“Nossa querida cultura nacional” 

É possível ver implícito dento de muitos brasileiros a crença de que as músicas, os filmes, a língua, os costumes, as vestimentas, a literatura e tudo o mais que vem do exterior é de uma superioridade imensa em relação à nossa. 

Esse é um estereótipo ainda muito disseminado, infelizmente, pelos próprios brasileiros. A consequência disso é simples e catastrófica: está-se cultuando a negação da própria identidade. 

O ensino de cultura nas escolas deve ter, portanto, mais essa missão: a de exterminar o mito de que tudo que vem do exterior é melhor, e ensinar aos indivíduos a valorizar a produção cultural nacional, aquela que faz parte da sua história, aquela que moldou o que ele é hoje, e que, inclusive,muitos estrangeiros pagam para ver, ouvir e ler. 

Professor como membro social mais experiente = exemplo 

O professor deve o tempo todo servir de mediador, orientador e principalmente de exemplo. Por isso é muito importante que este tenha em mente que deve evitar transmitir uma possível carga de estereótipos e preconceitos que ele mesmo possa ter. 

O ensino da cultura nas escolas leva a resultados que transpassam as paredes da sala de aula, pois um indivíduo sem consciência da própria cultura não tem respeito nem esperança pela própria pátria, o que leva a uma situação de comodismo e alienação. Resumindo: ciente de sua cultura, e principalmente da história da mesma, os indivíduos passam a valorizar e respeitar a diversidade, tornando-se alguém menos influenciável e mais ativo criticamente na sociedade. 

Ampliar o repertório cultural do aluno possibilitará o aprimoramento de tudo o que ele construirá em seu futuro e, consequentemente, no futuro da nação. Portanto, o ensino de cultura é hoje mais do que um apêndice disciplinar, mas uma responsabilidade política e social do Sistema de Ensino. 


* Luiza Salla Marchiori, 24 anos, é formada em Letras - port/esp pelas Faculdades Integradas de Itararé. Atuou como professora durante o tempo em que cursou especialização em Metodologia da Língua Portuguesa e Estrangeira, nas áreas de Língua Portuguesa, Espanhol, Filosofia e Sociologia. Atualmente trabalha na redação de tradicional jornal itarareense, atuando nas áreas de reportagem, pesquisa e redação.

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