terça-feira, 23 de setembro de 2014

Respeite meu preconceito

"O humor muitas vezes serve para reforçar visões que são tradicionais para dizer o mínimo que são conservadoras que são até claramente preconceituosas" (Laerte) 

por MARCUS V. DO NASCIMENTO


O humor sempre esteve presente nas relações sociais entre os seres humanos. O riso se constitui em um modo como as pessoas tratam assuntos que lhe são comuns. O historiador Elias Thomé Saliba, autor do livro Raízes do Riso (Cia. das Letras, 2002), em entrevista para a Revista de História da Biblioteca Nacional, afirma que “humor é uma maneira de lidar com a coisa pública”. 

Nos últimos anos, muitas piadas nos fizeram pensar quais são os limites do humor ou se ele tem algum limite, e o documentário o Riso dos Outros, do diretor Pedro Arantes, colaborou e muito nessa reflexão. Um dos protagonistas dessa discussão, sem dúvida nenhuma, é o comediante e apresentador Danilo Gentili, que repetidamente tem seu nome envolvido em polêmicas. Na última o comediante postou em sua conta do Facebook uma montagem que comparava a candidata à presidência da república Luciana Genro, vinda de uma família de origem judia, ao ditador genocida Adolf Hitler. Depois da grande repercussão da postagem a mesma foi apagada. 

 
Em 2008, Danilo Gentili ganhou projeção nacional integrando o time do programa Custe o Que Custar (CQC) da Band. Com um humor ácido e irreverente, colocava políticos, autoridades religiosas e celebridades em situações desconfortáveis. A simpatia pelo rapaz de paletó e óculos escuros que questionava abertamente pessoas públicas sobre seus atos e discursos foi imediata. 

Muitos parlamentares fugiam das investidas de Gentili no Congresso, criando em torno de si a imagem de um “justiceiro” que empunhava o seu microfone com bom humor e peitava políticos. A publicação da revista Veja de 2009 o define como um repórter-humorista com “licença para matar”, o “terror dos políticos”. 

No ano de 2011 estouraram vários escândalos envolvendo o nome do senador Renan Calheiros (PMDB), o que resultaria em processos e pedidos de cassação por seus pares. Gentili abordou o senador e questionou a sua pretensão de assumir a presidência do Senado Federal com a seguinte frase: “ter você como membro do Conselho de Ética é o mesmo que ter Fernandinho Beira Mar no ministério antidrogas”. Logo após o episódio a polícia tentou expulsar Gentili e os membros de sua equipe da Casa, mas não conseguiram. 

As tentativas de agressão sofridas pelo comediante e as restrições impostas ao seu trabalho aumentavam ainda mais a sua áurea de defensor da liberdade de expressão. O sucesso o fez sair do CQC e alcançar o posto de apresentador de Talk-Show. 

Porém, um outro lado do seu humor, aquele rasteiro que se apoia em preconceitos contra minorias, reforçando o pior do conservadorismo, começou a figurar cada vez mais no seu repertório de piadas. Ainda em 2009, quando integrava o CQC, Gentili fez uma infeliz comparação entre o King Kong e jogadores de futebol no Twitter, onde escreveu: “King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famosos, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?”. 

Outro comentário que causou enorme repercussão foi uma resposta dada pelo comediante para um internauta que reclamava de suas piadas racistas na TV. Gentili ofereceu bananas para o internauta para ele esquecer das piadas, o que gerou um processo, mas a justiça o inocentou das acusações


O humor baseado nos preconceitos cristalizados na nossa sociedade não é nada transgressor, pelo contrário, ajuda a perpetuar preconceitos e papéis sociais. Segundo a professora, feminista e blogueira Lola Aronovich

“Sim, muitas vezes o humor é transgressor. Mas o que esse pessoal que ataca minorias pra fazer piada precisa entender é que eles não estão transgredindo nada. Seus tataravôs já eram racistas, gente. Pode ter certeza que seus tataravôs já comparavam negros com macacos. Aposto como seus tataravôs já faziam gracinhas sobre a sorte que uma moça feia teve em ser estuprada. Vocês não são moderninhos, não são ousados, não são criativos. Vocês estão apenas seguindo uma tradição. E, se naquela época já não era engraçado, imagina agora? Rebeldia é querer mudar o mundo, começando pela forma que falamos. Não há nada de novo ou de rebelde em eternizar velhos preconceitos (…)”

Além de incentivar o racismo, as piadas de Gentili também serviram para deseducar a população em torno da doação de leite materno, assunto importantíssimo quando se discute saúde, pois a maior doadora foi comparada com um ator de filmes pornográficos: “Em termos de doação de leite, ela está quase alcançando o Kid Bengala”. A doadora, além de ser chamada de "vaca" nas ruas, também não consegue produzir mais todo o leite que doava. 

Ao ser questionado por suas piadas tanto na TV quanto na internet, o apresentador fala que não ele não pode ser privado de sua liberdade de expressão e que é contra todo o tipo de censura, talvez porque seus rendimentos, infelizmente, dependam desse tipo de piada. De acordo com sua fala no documentário O Riso dos Outros, o "comediante tem que ser uma prostituta. O que quero é riso, eu me vendo por riso, se você riu eu tô falando." 


Sobre o Marco Civil da internet, que procura responsabilizar as pessoas pelas as asneiras que postam na rede, Gentili diz que “estão desesperados para criar o tal Marco Civil da Internet e acabar com esse ambiente 100% livre. Eles precisam urgentemente controlar o que você faz, lê e fala.” Esse posicionamento, mostra que o comediante quer falar o que quer sem ter que prestar nenhum tipo de conta, não aceita que as pessoas questionem o que ele venha a dizer, ou seja, ninguém pode contrariar a sua opinião e falar que aquilo foi ruim de gosto duvidoso. 

Esse humor é um tipo de espetáculo onde você é proibido de torcer o nariz e obrigado sempre a aplaudir. É melhor estudar um pouco mais sobre o que significa censura. 

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