quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Tuas ideias não correspondem aos fatos


por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR 



Desde as 20 horas, 27 minutos e 53 segundos do último domingo, 26 de outubro, quando 98% das urnas já estavam apuradas e o Tribunal Superior Eleitoral – TSE – confirmou a reeleição da presidente Dilma Rousseff com 54.501.118 votos (51,64%), começou a busca por explicações para a permanência do Partido dos Trabalhadores – PT – no poder por 16 anos.

Assistimos e continuamos assistindo a um show de horrores. Entre as mais esdrúxulas explicações dos "cientistas políticos" da rede que votaram contra a corrupção com uma camisa que estampa o distintivo da Confederação Brasileira de Futebol – CBF –, uma das entidades mais espúrias e corruptas do esporte mundial, o foco foi o Nordeste e o Programa Bolsa Família. A rede foi tomada por um ódio que me fez sentir como deveria ser viver na Alemanha durante o Terceiro Reich. 

Entre os inúmeros insultos xenofóbicos, lá estavam os nordestinos comparados a porcos, burros, sendo ameaçados de violência física, dentre outras atitudes dignas dos piores momentos da história. Porém, parte dos “conscientes de junho” que foram às ruas tirar selfie para postar no Facebook atacou no preconceito social, ou seja, nordestino é pobre, recebe Bolsa Família, logo, elegeu Lula e agora Dilma para governar o meu país conservador e elitista. 



Este pensamento preconceituoso foi endossado pelo comentarista e colunista Diogo Mainardi no programa Manhattan Connection. Conhecido pelo antipetismo e pelo elitismo, o programa dessa vez ultrapassou todos os limites do bom senso. Mainardi, que vive na Itália, disse o seguinte: “Essa eleição é a prova de que o Brasil ficou no passado. Não é nem Bolsa Família, não é marquetagem. O Nordeste sempre foi governista, sempre foi bovino, sempre foi subalterno ao governo", diz Mainardi. "É uma região atrasada, pouco educada, pouco instruída, que tem grande dificuldade para se modernizar". 

Em todos os argumentos, a explicação para a derrota de Aécio Neves foi pautada no preconceito social. Tal explicação não leva em consideração os avanços da região durante os 12 anos de governo petista. Em 2011, o The Economist destacou em artigo publicado a evolução da região. Tal artigo vai de encontro ao que informou o Censo do Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia – IBGE – em 2010 conforme a tabela abaixo: 

Quando Lula assumiu a presidência da República, o Nordeste tinha um PIB de R$ 191.592.000. Em 2009, a região apresentou PIB de R$ 473.720.000, uma evolução de 128,46%. Desta forma, a região só não cresceu mais do que o Norte e o Centro-Oeste no período. Porém, destaca-se que cresceu mais do que o Sudeste, que teve 113,94% de evolução.


Relatório divulgado pela Fundação Perseu Abramo com base nos dados do IBGE identificou a queda da pobreza no País entre 2002 e 2012, 57,4%, o que significa 22,5 milhões de brasileiros deixando a condição de pobreza. Dentre eles os nordestinos, que tiveram uma redução de 54,9%. Dados do IBGE também demonstraram que cresceu o número de empregos com carteira assinada. A maior evolução foi identificada no Nordeste: 6,8%. 

Reafirmando todos os dados, o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD –, identificou que, apesar de ainda registrarem "baixo desenvolvimento", os municípios da região Nordeste são os que mais crescem no Brasil. Entre os Estados, o maior crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal foi registrado no Piauí, 30%. Lá, não por acaso, Dilma teve a sua segunda maior vitória, 78% dos votos válidos. 


Além do crescimento econômico, o Brasil avançou em escolaridade. Em duas décadas o país cresceu 54%, segundo dados do PNAD. Apesar de ainda concentrar a maior taxa de analfabetos, a região Nordeste reduziu de 23,4%, em 2002, para 16,6%, em 2013. Cresceu o Ensino Superior e Técnico/Tecnológico na região, com o processo de interiorização dos campi superiores e técnicos federais. Este processo de democratização do ensino superior permitiu o aumento do número de eleitores com curso superior

Os dados demonstram que o Nordeste estereotipado por Mainardi não existe mais. Outro erro de Mainardi é afirmar que o povo nordestino é bovino e "governista". Flávio Dino, do Partido Comunista do Brasil - PCdoB -, que tirou a família Sarney do poder no Maranhão, é a maior evidência disso. 

Por tudo isso, irracionais estão sendo os xenofóbicos que não enxergam o óbvio. Os nordestinos que se transformaram em atores sociais nos últimos 12 anos não aceitam mais serem marginalizados.


Abraços,
Osvaldo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O projeto de Aécio nunca foi político

Aquele candidato da tradição neoliberal do PSDB deu lugar a outro projeto, que é estético e moral. Atraiu uma legião de descrentes com a política institucional e quase foi eleito presidente da República 12 anos depois da chegada do PT ao poder



Numa das mais brilhantes contribuições no período eleitoral, Clóvis Gruner escancarou como poucos uma das principais heranças no Brasil redemocratizado: o horror à política. Horror este que, na verdade, nasce como indiferença. Explico: o distanciamento entre cidadãos e política institucional criou uma geração de desacreditados que, em geral, não se envolve com questões públicas, mas que periodicamente reveste-se de indignação diante de injustiças seletivas. Essa geração é que não tem tempo pra participar porque diz que trabalha demais. É aquela que vidra os olhos nas notícias sobre a carga tributária no Brasil e percebe que destina muito dinheiro ao governo.

E foi essa geração que Aécio atingiu pra ter condições de chegar ao 2º turno e alcançar a marca de 51 milhões de votos na eleição mais disputada de todos os tempos. Aécio Neves foi razoavelmente político até a morte de Eduardo Campos. Ou melhor, até a primeira pesquisa que deu Marina Silva consideravelmente à sua frente na corrida presidencial.

O Aécio da tradição neoliberal do PSDB deu lugar a outro, de outro projeto. E esse projeto que quase levou seu partido de volta ao poder não é político. É estético e moral. Estético, porque, antes de tudo, Aécio Neves transformou-se num fenômeno midiático de trajetória cuidadosamente desenhada desde a derrota de José Serra em 2010, quando a candidatura do mineiro passou a ser considerada certa para 2014 pela cúpula tucana. 

"Aécio Neves não namora mulher feia. Ele sempre teve bom gosto", disse certa vez o musculoso e bonachão Alexandre Accioly, dono da rede de academias Bodytech. Não mesmo. E, apesar da fama de playboy garanhão, cumpriu o ritual e se casou no ano passado com a modelo Letícia Weber, 20 anos mais nova. No ano da eleição, os dois posaram para diversas lentes como casal, mas as fotos ganharam o espaço público. Não foram poucas as manifestações nas redes de que essa sim era uma 1ª dama digna da posição no Planalto.

Ajudou no projeto a adesão de famosos. Entre eles, figuraram Luciano Huck, Neymar, Angélica e Ronaldo. Muitos deles porque eram amigos do político mineiro. Essa é uma aposta estética e moral. Com a participação de amigos, o tom confessional dos apoios tira a política da esfera pública e parte para a esfera privada, adquirindo ares de intimidade, de confiança pessoal. Vote no Aécio, ele é tão de confiança que até meu amigo é. 

O projeto moral de Aécio quase funcionou. Usou os altos índices de rejeição ao PT pra pegar uma carona com a geração do horror à política e colar em Dilma Rousseff "tudo o que há de errado por aí", como Bonner explicou as manifestações de junho no ano passado. Quase deu mesmo: boa parte dessa geração passou apenas a vê-lo como o outro lado da mesma moeda, mas outra impulsionou sua candidatura à maior votação do PSDB em 12 anos. 

Ao contrário do que se podia imaginar, o projeto moral deixou sequelas. É dele que vem também a indignação perante os beneficiários de programas sociais do governo. Afinal, quem elegeu o PT não foi a multidão de vagabundos sustentados por ele? Ou ainda, quantos votos não perdeu Dilma por que entende-se que seu partido apoia o aborto ou ditaduras comunistas, inclusive a ponto de tornar-se uma? Essa agenda não é política. Nunca foi. É exclusivamente moral. Diga-se de passagem, parcialmente calvinista. E foi ela que levou Aécio Neves às últimas consequências da negação à política. Desde o início dos debates, ela nunca esteve em jogo.

Não é com o assalto à Petrobras que os eleitores de Aécio estão preocupados. É com a conduta moral de quem rouba. Mas aqui funciona a mesma lógica de todas as outras: só serve quando é com os outros. E a sua principal tônica é o anti-empirismo. Ninguém está preocupado em saber qual é realmente o fluxo migratório do país; se quem recebe o Bolsa Família trabalha, multiplica o número de filhos ou mora mesmo no Nordeste; se Minas e Rio de Janeiro também votaram majoritariamente no PT. Não precisa, porque parte da agenda moral também sobrevive de dogmas. E tentar derrubá-los é como acertar a mais afiada das facas com as mãos.

Bem-vindos ao espetáculo do horror. Porque a política já foi embora faz tempo.

Abraços, 
Murilo 

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Ei, playboyzinho, conheceste o Nordeste?

Elitismo, preconceito e separatismo

por LUIS FELIPE GENARO


Pela quarta vez, 26 de outubro, para governar o Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT) foi eleito com 51% dos votos. Perdeu também pela quarta vez o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Diferente do discurso da vitória de Dilma Rousseff, conciliatório e apaziguador, o eleitorado brasileiro, durante as semanas que antecederam o 2º turno, dividiu-se de forma expressiva. 

Diferentes grupos sociais, mesmo sem perceber, ideologizaram-se fortemente. O azul e o vermelho, o pássaro e a estrela, ressurgiram da arcaica e arraigada polarização que domina o país desde 2002, quando Lula derrotou FHC. 

Apesar das lamentáveis concessões quando imerso nas estruturas do poder, renegando algumas de suas bandeiras históricas, petistas, na conjuntura, representavam setores à esquerda. Tucanos, à direita. 

Na aniquilação mútua durante as campanhas e disputas no mínimo acaloradas, uma evidência perturbadora: de uma simples cisão ideológica ao preconceito racial e classista repulsivo. Nas redes sociais, um alvo dentre tantos outros: os nordestinos. Apesar de Aécio Neves mesmo nas regiões ao norte do país ter uma votação relevante, uma razão: o Nordeste está em peso com Dilma (Piauí: 78,30% Dilma, 21,70% Aécio; Bahia, 70,16% Dilma, 29,84% Aécio, etc.). 

Com uma ojeriza que não me é corriqueira, questiono: 

E aí, playboyzinho que politizou-se a uma semana de ir às urnas, você sabe a razão para os sertões estarem com Dilma? Ei, sulistas “brancos” e “civilizados”, vocês conhecem o Nordeste? Afinal, de onde vem este preconceito estúpido e criminoso? 




De antemão, leitores e leitoras, um exemplo preocupante garimpado sem dificuldades nos arautos do Facebook da noite do dia 26:

“[...] ou revemos nosso sistema eleitoral onde estados com maiores influências econômicas, com maior criação de emprego com a maior concentração de indústrias tem peso maior na escolha de um governante, ou talvez realmente seja a hora de repensar uma separação geográfica brasileira.” 

Tirando a falta de vírgulas, cito apenas um dos inúmeros anseios separatistas, preconceituosos e elitistas – ou seria da pobre classe média? – contra a região Norte-Nordeste do Brasil, por votarem de forma expressiva no PT.

Permito-me um foco mais contemporâneo que o clichê regresso ao nosso estado colonial, mesmo que suas permanências estejam implícitas. Primeiro, recordemos o trabalho magistral de Josué de Castro em fins dos anos 1950 sobre as regiões do território nacional onde a fome, a miséria e o descaso de nossa classe dirigente reinavam impetuosamente, ceifando centenas de milhares. 

Na sua Geografia da Fome, Castro esclarece: “Se o sertão do Nordeste não estivesse exposto à fatalidade climática das secas, não figuraria entre as áreas de fome do continente americano, mas entre as raras zonas de alimentação racional do mundo. Infelizmente, as secas periódicas, desorganizando por completo a vida econômica e social da região, extinguindo fontes naturais de vida, crestando as pastagens, dizimando o gado e arrasando as lavouras, reduzem o sertão a uma paisagem desértica, com seus habitantes morrendo à mingua de água e de alimentos”.

De um lado, da espera ao “bolo crescer” para depois “distribuir”, nos anos 1970 e 1980, à era FHC, cerrando os anos 1990, uma elite com padrões de vida usufruindo direitos e poucos deveres. Do outro, uma massa de subcidadãos, subnutridos, espalhados pelo país. 

A partir de políticas públicas e sociais, como o Bolsa Família, o PT passou a assistir uma população historicamente excluída e marginalizada, da Colônia à República do século XX. Da comida na mesa à oportunidade de ascendência e escolarização, fundamental e superior, parcelas do povo nordestino e nortista, mas não apenas eles, mudaram radicalmente de vida.


Em junho de 2013 a Folha de S. Paulo entrevistou a socióloga Walquiria Leão Rego, docente em teoria da cidadania pela Unicamp. Para a autora do Vozes do Bolsa Família, o investimento social do governo tem caráter “libertador”. Sobre as entrevistas com os assistidos pelo programa, Rego desabafou: “Vi a alegria que sentiam de poder partilhar uma comida que era deles [...] não tinham passado a humilhação de pedi-la; tinham ido lá e comprado”. 

No Nordeste, o programa também enfraqueceu a velha prática do coronelismo. “O dinheiro vem no nome dela [beneficiária], com uma senha dela e é ela quem vai ao banco; não tem que pedir para ninguém. É muito diferente se o governo entregasse o dinheiro ao prefeito”, afirma a pesquisadora. 

Uma das campeãs mundiais da desigualdade social, democrática na aparência e essencialmente cruel e autoritária em momentos como o recente, a sociedade brasileira, apesar das parcas, mas importantes mudanças, esbanja desmemoria e inconsciência histórica. 

Ou seria apenas falta da réles humanidade?

A história do Brasil, como bem lembra-nos Darcy Ribeiro, é um projeto muito bem articulado. Seus rumos pouco foram entregues ao acaso. O preconceito com nordestinos e nortistas emerge principalmente daqueles “estados com maiores influências econômicas” e “concentração de indústrias”, citando nosso exemplo caricato retirado das redes sociais.

É no Sudeste-Sul que vivem sujeitinhos que desconhecem a história cruenta do próprio povo, sua origem e formação. Pior: compactuam com o pensamento da classe dominante, mesmo não o sendo. É de lá que brota este separatismo higienista truculento e ignorante. 

Para sujeitos assim, Nordeste é região de atraso, regresso e obscurantismo. Para sujeitos assim, orientados por sentimentos instigados principalmente pela velha imprensa, dos jornalões da noite à revistinha semanal, negro é bandido, homossexualidade é perversão e mulher é submissa.


Agora, para resolver o “problema dos nordestinos” – leia-se apenas: eleitores do PT – que, como relembra Josué de Castro, viviam “morrendo de fome aguda ou escapando esfomeados, aos magotes, para outras zonas, fugindo atemorizados à morte que os dizimaria de vez na terra devastada”, delimitar fronteiras rasgando a Terra de Santa Cruz seria a “solução final” para os problemas do Brasil. Visão equivocada do próprio país. 

Da “separação geográfica brasileira”, como muito bem defendeu nosso anônimo cientista político facebookquiano, ao sonho cotidiano dos pequenos holocaustos, soluções finais e etecetera, falta-lhes, playboyzinhos despolitizados, além de uma leitura mais acurada e discussões um tanto aprofundadas, aquela réles e urgente humanidade. 

domingo, 26 de outubro de 2014

Eles tentaram de tudo

por MURILO CLETO

Com 3,5 milhões de votos a mais que Aécio Neves, Dilma Rousseff foi reeleita no 2º turno. Eles bem que tentaram, mas vão precisar de mais


Eles tentaram de tudo. De tudo mesmo. Começaram a campanha com uma agenda liberal que prometia "medidas impopulares" pra conter a inflação e fazer o Brasil crescer. Não deu certo. Resolveram personificar o antipetismo e partir pra pancadaria. Quase deu.

Quase, porque o mesmo governador que se orgulha duma duvidosa aprovação de 92% não conseguiu emplacar o sucessor e chegou a perder pra candidata dos desinformados - outra tentativa sistemática da sua campanha. Sim, eles tentaram mostrar que quem vota no PT ou é cúmplice da "roubalheira" ou é ignorante. Eles tentaram alimentar o preconceito latente contra os nordestinos. Tentaram até esconder que o "candidato da mudança" construiu um aeroporto na fazenda do tio e pagou com o dinheiro do contribuinte mineiro propaganda institucional nas rádios da própria família em Minas Gerais. 

Eles tentaram fazer com que você acredite que é possível revolucionar a Educação neste país sem ao menos ter pago o piso salarial aos professores da rede que esteve sob o seu comando. E eles tentaram silenciar os jornalistas que não disseram o que se esperava deles. Tentaram até apagar os documentos que comprovam a falta de investimentos mínimos em Saúde, quando injeção pra cavalo servia pra maquiar os cálculos pro Tribunal de Contas.

Eles também tentaram dizer que o Bolsa Família estimula gente preguiçosa. Voltaram atrás pra agora dizer que foram eles que criaram e vão ampliar. Eles lutaram pra colocar debaixo do tapete a informação de que, pela primeira vez na história, o Brasil está fora do Mapa Mundial da Fome. Tentaram acabar com o ProUni anos atrás pra agora dizer que não é bem assim, que vão melhorar. Eles tentaram te fazer esquecer que o PT construiu 2 vezes e meia mais escolas técnicas do que em 100 anos no país. Mas, mais importante que isso, eles tentaram se apropriar deste ambiente aqui.

Sim, eles tentaram levar o Facebook pro debate eleitoral. Tentaram colar o anacrônico anticomunismo setentista ao nada comunista governo do PT. Tentaram juntar todo o ódio que há aqui de Cuba pra espalhar uma das mentiras mais bizarras de todas as campanhas - e olha que o páreo é duro.

Outra coisa que eles tentaram bastante foi falar sobre aparelhamento. Tentaram com vídeo falso em que funcionário dos Correios distribui panfletos do PT com o uniforme da estatal. Eles tentaram com o Alexandre Frota, com a ameaça de uma despedida do Lobão. Tentaram também com o Malafaia e a Isabella Trevisani. Eles tentaram até queimar o filme do Chico Buarque. 

Por inacreditável que pareça, eles tentaram falar sobre inflação. E também emplacar um ministro da Fazenda que foi chamado às pressas por Fernando Henrique pra salvar o país logo depois dos primeiros apelos ao FMI. Eles também tentaram esconder que a solução encontrada por ele, à época, foi elevar os juros pra 45% e arrochar salários de um país que desempregava 1 milhão de pessoas por ano. Esconderam que nem assim conseguiram. E olha que eles tentaram falar sobre desemprego!

Eles tentaram fazer um regaço com o pacto federativo. Aécio disse tanto ontem que o Planalto não pode transferir responsabilidades. Não pode mesmo, assim como não pode assumir as que não são suas. Ontem eles falaram sobre várias, mas pelo menos duas me chamaram mais atenção: segurança pública e distribuição de água. 

Sim, eles tentaram falar sobre segurança pública. Eles que, quando governaram Minas Gerais, assistiram ao aumento de 52% da criminalidade no estado. E, sim, gente, eles falaram sobre distribuição de água. Sim, eles tiveram coragem de culpar o governo federal pela falta d'água na sua torneira, que é abastecida pelo governo do estado. Eles mandaram até ofício pra ONU criticando seus relatórios sobre a inexistência de planejamento pra impedir o caos aqui. Antes das eleições, eles disseram até que não faltava água. Eles também disseram que problemas de saneamento básico são culpa do Planalto. 

Ontem, eles disseram que a história não se reescreve. Eles, que tentaram transformar Tancredo Neves num curioso libertador da ditadura militar e Fernando Henrique no dono no Plano Real. Eles também venderam a imagem dum "Aécio família", que pousa pras lentes com a esposa como se estivesse num ensaio da Caras.

Outra façanha que eles tentaram foi sugerir fraude no sistema mais seguro de eleições do mundo em ocasiões bem seletivas. Tentaram até armar um "protesto", em que todos votariam contra a corrupção com a camisa da seleção brasileira de futebol da CBF.

E não é que eles tentaram mostrar que os comícios deles são lotados usando foto de Réveillon? Ainda há os que tentam confundir os eleitores com sites que apresentam nome e imagem do PT, mas o número deles. Nada de surpreendente pra quem tem tentado anunciar que as eleições acontecem em outro dia que não amanhã.

Eles tentaram arrastar o debate político pra lama. E nesta, muitos caíram. Tentaram fazer com que os boatos sobre o uso de drogas e violência doméstica parecessem a única coisa que tínhamos a dizer a respeito deles.

Por fim, a já manjada cartada final. Eles tentaram emplacar uma capa de revista que desde 1968 espalha nada mais que o ódio pra uma classe média que transborda intolerância. Essa, nem o Tribunal Superior Eleitoral engoliu - já declarou a veiculação propaganda irregular pra eles. Eles, que escolheram a dedo o que e como vazavam depoimentos na Polícia Federal que hoje não é dirigida por nenhum filiado ao partido deles, como no governo deles aconteceu.

Eles tentaram. Mas vão precisar de mais. E, pelo menos desta vez, a única coisa que conseguiram foi reforçar a convicção de que o Brasil não pode parar de mudar pra melhor. Enquanto isso, a tentativa e o choro são livres. Que, pelo menos, se faça bom uso de ambos.

Abraços, 
Murilo

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Mercado de Discursos

por ISRAEL CASTILHO

Compra, Vende e Troca


-Olá!

-Olá! Em que posso ajudá-lo?

-Estou procurando o discurso da Nova Política by Marina Silva. Você tem?

-Hummmm...até tem, mas não recomendo, pois quem comprou, devolveu. Diziam ser tudo falsificado, do Paraguai.

-Poxa, que pena. Tem discurso egocêntrico para facebook?

-Esse não tem. Tá desgastado e esgotado.

-Vixe. Bom, então tem discurso pseudo-libertário-intelectual- artístico, de quem faz de tudo ao mesmo tempo sem saber ao certo o que fazer e que sempre entrega tudo na última hora, causando a irritação de familiares e amigos?

-Não tem também. O autor desta charge veio e levou tudo.

-Meu Deus do céu! Então é melhor você me dizer o que tem, né. Fica mais fácil.

-Olha, a única coisa que me sobrou aqui foi o discurso da mudança. Com ele você sai por aí dizendo que ta na hora de mudar - mesmo sem saber o que ou por quê -. Também diz que precisa mudar o ladrão e que a mudança é necessária, mas que isso só serve para o governo federal, nada de mudar o ladrão do governo estadual. Isso nem pensar!

-Gostei desse! Quanto custa?

-O preço é a sua integridade, seu senso crítico e a sua alma, que é repassada para grandes corporações midiáticas, as grandes e verdadeiras responsáveis pela manutenção desse tipo de discurso. Ah, e já ia me esquecendo...aproveite! Pois estamos em promoção: comprando o discurso da mudança, você leva inteiramente de graça o discurso do reaça conservador, que vem numa super lata promocional em conserva. Promoção especial, meu amigo! Ao abri-la, canta o "marcha soldado" e automaticamente você sai por ai dizendo que quem lutou contra a ditadura é vagabundo-sequestrador-bandido-ladrão-féla da puta- eu amo a ditadura-sdds.

-Perfeito! Então ficarei com o discurso da mudança e o discurso do reaça conservador em conserva. Uma promoção dessas não dá pra recusar! Tá aqui a minha dignidade, meu senso crítico e a minha alma, e também leva a vida inútil do meu professor de história, ele não serve pra nada mesmo. Muito obrigado! Vlw, flws!

-Ótimo negócio, meu caro. Você não se arrependerá! 

(Risos demoníacos eternos)


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

6 motivos para um educador jamais votar no PSDB

 por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR




Em boa parte das salas de professores e corredores de escolas, o que mais se escuta é o discurso de crise da escola e de desvalorização do professor. Tal discurso, muitas vezes imobilizador, vem acompanhado de críticas aos sistemas de ensino, desacompanhado, na maioria deles, da problematização necessária em relação aos governos federal, estadual e municipal. 

Neste contexto de insatisfação, foi espantoso acompanhar a reeleição de Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB -, para o governo do estado de São Paulo no 1º turno com 57,3% dos votos, como também a reeleição de Álvaro Dias, do mesmo partido, para o Senado pelo Estado do Paraná, com acachapantes 77,10% dos votos válidos, figuras políticas responsáveis pelo sucateamento da educação pública nos dois estados. 

Na procura por respostas, um dos elementos encontrados é a falta de compreensão da legislação que rege a Educação no Brasil e a imputação de culpa aos atores errados. A Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº. 9.394/96, promoveu a descentralização da Educação, colocando sob responsabilidade dos municípios a Educação Infantil e o Ensino Fundamental (anos iniciais); dos estados o Ensino Fundamental (anos finais) e o Ensino Médio; e da União o Ensino Superior. No mesmo ano, a Emenda Constitucional nº. 14 criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF -, responsável pelo repasse de recursos da União para os governos Municipal e Estadual, posteriormente substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB -, instituído pela Emenda Constitucional nº. 53/2006. A responsabilidade sobre a gestão dos recursos e mesmo sobre a organização do sistema de ensino é das redes estaduais e municipais.

Partindo desses pressupostos, pretendo apresentar um levantamento de eventos históricos que me permitem defender, como educador, o veto ao Partido da Social Democracia Brasileira em quaisquer eleições: 


1. FALTA DE INVESTIMENTOS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA 


Elaborado nos Congressos Nacionais de Educação, realizados entre 1996 e 1997, o Plano Nacional da Educação apresentado em 2001 trazia, entre outras metas, a de elevação de 5% para 7% do Produto Interno Bruto – PIB - para investimentos na Educação. Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República, vetou a medida mantendo os 5% iniciais de investimento. 

Geraldo Alckmin, governador reeleito do Estado de São Paulo, que possui a maior arrecadação da União, investe R$ 5.778,19 por aluno, estando na 10ª colocação no ranking de investimentos estaduais na Educação. O governo de Beto Richa, reeleito governador pelo Estado do Paraná, investe ainda menos, R$ 4.684,14 por aluno, ocupando a 15ª colocação no ranking. Esses números colocam paulistas e paranaenses atrás de Estados como Piauí (8º), Sergipe (6º) e Roraima (5º), onde o PIB é, em alguns casos, vinte vezes menor, no ranking de investimentos em educação. Os 9 primeiros estados no ranking não são governados pelo PSDB.

A Constituição de 1988 prevê o investimento de 25% das receitas em Educação. Mesmo assim, quando governador, o presidenciável Aécio Neves investiu 22,84% em 2003, 21,69% em 2004, 21,34% em 2005, 18,66% em 2006, 18,73% em 2007, 20,97% em 2008, 20,28% em 2009 e 19,97% em 2010, ou seja, descumprindo a Constituição Federal. 


2. DESVALORIZAÇÃO DA CARREIRA DO MAGISTÉRIO 


A Lei nº. 11.738/2008 instituiu o Piso Nacional Profissional para os trabalhadores do Magistério. Esta lei prevê o salário mínimo de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais), atualizado em 2013 para R$ 1.567,10 (um mil, quinhentos e sessenta e sete reais e dez centavos) além de, na composição da carga horária, apenas 2/3 dela com alunos. 

Sobre a remuneração, segundo o portal Terra, o Estado de Minas Gerais, quando governado por Aécio Neves tinha o pior salário docente do Brasil, R$ 369,00 (trezentos e sessenta e nove reais) (24 horas/aula). Dentre os 10 estados que não pagam o piso nacional, 03 são governados pelo PSDB: Minas Gerais, Goiás e o Pará. 

Quando o tema é a composição da jornada, a desvalorização fica ainda mais clara nos governos tucanos. No Estado de São Paulo, um professor com 40 horas, trabalha 32 horas com alunos, segundo a lei deveria trabalhar 27 horas. Apenas 5 estados cumprem integralmente a Lei do Piso: Acre, Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso e Rondônia, nenhum deles governado pelo PSDB. 


3. CRIMINALIZAÇÃO DE GREVISTAS E SINDICATOS 


A Constituição Federal de 1988 assegura no seu artigo 9º o direito a greve, sendo considerado legítimo o direito à paralisação para reivindicações de melhorias nas condições de trabalho. Porém, os governos tucanos não respeitam o direito a greve. Dentre os vários casos de desrespeito, o mais grave aconteceu no governo do então governador Álvaro Dias no Estado do Paraná. 

No dia 30 de agosto de 1988, professores protestavam por melhores salários e condições de trabalho na Praça Nossa Senhora de Salette, em Curitiba e foram brutalmente reprimidos por policiais com cavalos, cães e bombas de efeito moral. O confronto deixou dez pessoas feridas e cinco manifestantes foram presos. Até hoje, no dia 30 de agosto os professores da Rede Estadual do Paraná paralisam as atividades para relembrar este fatídico dia. 

Em 2008, o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, fez o mesmo com os professores mineiros em greve. Em junho, em manifestação na Secretaria de Estado da Educação – SEE -, a polícia militar fechou a Avenida Amazonas e dispersou os professores com gás de pimenta e cassetetes. 


4. SUCATEAMENTO DO ENSINO SUPERIOR E TÉCNICO/TECNOLÓGICO 


Dados do Observatório Acadêmico de 2006 indicam que foram criadas 3 universidades federais durante o governo FHC e 13 durante o governo Lula, destacando que os dados não levam em consideração as 5 universidades federais criadas após 2006. Desta forma, contabilizaríamos um placar de 18 x 3 em favor de Lula/Dilma. Se não bastassem os dados, duas universidades criadas por FHC são anteriores ao mandato do presidente tucano. A Universidade Federal de Lavras foi criada como Escola Agrícola em 1908, enquanto a Universidade Federal de São Paulo foi criada como Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo em 1933. Ambas foram "refundadas" pelo governo tucano. Além disso, a Universidade Federal do Tocantins, criada em 2000, só entrou em funcionamento no ano de 2003, ou seja, durante o primeiro mandato do presidente Lula. Portanto, permite-se a conclusão de que FHC não criou nenhuma universidade federal em seus oito anos de mandato. 

Na Educação Técnica/Tecnológica Federal os números são ainda mais impactantes. Em 1998, FHC aprovou a Lei nº. 9.649/98, que dificultou, para não dizer paralisou, a construção de escolas técnicas federais, hoje conhecidas como Institutos Federais. Desta forma, a lei determinava, no seu artigo 47, parágrafo 5º: "A expansão da oferta de educação profissional, mediante a criação de novas unidades de ensino por parte da União, somente poderá ocorrer em parceria com estados, municípios, Distrito Federal, setor produtivo ou organizações não-governamentais, que serão responsáveis pela manutenção e gestão dos estabelecimentos de ensino". Ou seja, mais uma vez o governo federal delegava aos municípios e estados a responsabilidade por essa modalidade de ensino. Até 2002 o Brasil tinha 140 escolas técnicas. Entre 2003 e o final de 2013, 430 novas escolas técnicas federais foram inauguradas. 


5. ELITIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR 


Segundo o Censo da Educação Superior, realizado pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC - em 2012, o Brasil tinha cerca de 3 milhões de matrículas no Ensino Superior em 2001, penúltimo ano de governo FHC. Em 2012, o número saltou para 7 milhões de matrículas, um crescimento de 133%, conforme tabela abaixo: 


O volume total de vagas nas universidades federais cresceu de 158.461, entre 1998 e 2003, para 478.857, entre 2007 e 2010, o que significa um aumento de 200% do número de vagas. O Programa Universidade Para Todos – PROUNI -, que completou 10 anos em 2014, já formou 400 mil profissionais de nível superior no Brasil. As bolsas em instituições privadas de Ensino Superior são obtidas por meio do desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Das bolsas ofertadas, 69% são integrais, sendo 86% em cursos presenciais. 

Neste processo de democratização do acesso ao Ensino Superior chama atenção a interiorização, com a criação de campi universitários em várias localidades do Brasil. Até 2003 eram 148 campi universitários federais. Após 12 anos esse número subiu para 321, conforme dados do Ministério da Educação - MEC. Esta ampliação é mais bem verificada no quadro abaixo (marcadores amarelos - campi anteriores a 2003 / marcadores verdes - campi criados nos últimos 12 anos). Dessa forma, o Ensino Superior foi "interiorizado", rompendo com a lógica de saída dos jovens do interior para estudar nos grandes centros, o que permitiu o acesso de um maior número de jovens ao Ensino Superior. 



A Lei nº. 12.711/2012, que reserva cotas para estudantes negros nas universidades federais, teve como resultado o aumento do número de estudantes negros que frequentam as universidades de 10%, em 2001, para 35,8%, em 2011. Segundo dados do IBGE, no mesmo período, a presença dos jovens mais pobres na Universidade cresceu 200%, o que serviu para amenizar as desigualdades sociais ainda latentes no país.

Diante dos dados fica clara a ampliação do acesso ao Ensino Superior e, principalmente a inclusão dos jovens pobres e negros neste universo. 


6. A QUEDA NA QUALIDADE 


Em 1995, ano em que começou o governo PSDB, São Paulo apresentava uma das melhores médias nacionais em Língua Portuguesa e Matemática, conforme dados do SAEB. Após a implantação de políticas meritocráticas, como o "bônus", e de políticas de controle, como a "progressão continuada", o estado amargou o pior resultado do Ensino Médio público paulista em 6 anos, de acordo com o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP. Os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB -, divulgados pelo MEC, mostram o estado, outrora modelo, ocupando a 3ª posição no Ensino Médio e a 4ª colocação nos anos finais do Ensino Fundamental

No Estado do Paraná, os dados do IDEB 2013 indicaram a queda da 3ª para a 5ª posição no Ensino Médio, com a nota 3,4. No Ensino Fundamental, em 2011, o estado já havia caído do 4º para 6º lugar (6º ao 9º ano). Em 2013, o Estado teve nota 4,1 e não atingiu a meta projetada de 4,2. Se analisados com mais cuidado, os dados apresentam estagnação no quadro de melhora entre a média 3,3, em 2005, e 4,0, em 2007, o que representa queda na qualidade da educação estadual na gestão Richa. 

Tendo em vista todos os dados levantados, percebe-se o descaso das gestões tucanas com a educação pública. Assim, se você, educador, vota em candidatos do PSDB, "meus pêsames", você está elegendo o seu algoz. 

Abraços, 
Osvaldo.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Gestão Perúcio pagou mais de R$ 92 mil para o filho do prefeito na Festa do Peão de 2009

Este e outros gastos com o evento entre 2007 e 2012 em Itararé. Afinal, por que a festa de 2014, sem dinheiro público, incomodou tanto?

por MURILO CLETO 


Numa tarde de terça-feira, dia 22 de julho, a prefeita Cristina Ghizzi chamou a imprensa para um importante comunicado que há muito tempo se esperava. Do próprio gabinete, anunciou a realização da 19ª edição da Festa do Peão de Itararé. A notícia causou furor, e não era de se esperar menos: no primeiro ano de mandato, Cristina decidiu não realizar o evento sob a justificativa de que os cofres públicos do municípios estavam em situação de alerta. E estavam mesmo: a gestão petista recebeu uma herança de mais de R$ 2 milhões de dívidas, entre eles mais de R$ 600 mil com o INSS, o que segurou a Certidão Negativa de Débito por semanas e impediu a celebração de convênios com os governos estadual e federal.

Desta vez, a festa teria um novo formato: a prefeitura apenas cederia o terreno à empresa Fly Eventos, que se responsabilizaria pela contratação de artistas, equipamentos e toda a estrutura do local. Tudo isso sem uma transferência sequer de recursos municipais para a empresa organizadora da festa ou artistas contratados. Cristina desafiou os vereadores a encontrarem uma irregularidade nesta ação e Dr. Junior aceitou: dias depois da entrevista, foi aos jornais e à tribuna para anunciar que a administração era obrigada a realizar um procedimento licitatório, mesmo sem entrada ou saída de dinheiro dos cofres públicos. 

*** 

Quando oposição, o Partido dos Trabalhadores assistiu ao embargo do evento por duas ocasiões e teve seu nome relacionado pela população às sentenças judiciais em 2011 e 2012. Ainda que a decisão fosse exclusivamente judiciária, correu pelas ruas o boato de que teria sido Cristina a autora do processo que apontou inúmeras irregularidades na contratação de artistas e da empresa realizadora da festa. Segundo dirigentes do partido, o prejuízo político desta disseminação é incalculável, mas o suficiente para ter tirado inúmeros votos da legenda nas últimas eleições. 

De acordo com o processo nº 279.01.2012.003355-7/000000-000, ordem nº 911/2012, o juiz Fernando Oliveira Camargo determinou o cancelamento imediato da festa por entender irregularidades na concessão das licitações das festas de 2011 e 2012. O Ministério Público detectou em 2011 que o valor do contrato entre a prefeitura de Itararé e a empresa Centro Hípico Pagliato simplesmente ignorava o valor da contratação dos artistas, que resultava em nada menos que R$ 435.000,00. Na ocasião, nenhum dos artistas foi contratado mediante licitação, mas através de uma manobra realizada pelo secretário de administração da cidade, Alessander Lopes Machado, representantes dos artistas assinaram “Cartas de Exclusividade” de apenas um dia, justamente o do evento. 

Diante da ilegalidade, o juiz determinou a indisponibilidade de bens do prefeito Luiz Cesar Perúcio e de Alessander Lopes Machado em R$ 512.500,00, somatória da contratação sem licitação de Gusttavo Lima, Michel Teló, Henrique e Diego e Milionário e José Rico. Com tantas irregularidades na festa em 2011, o prefeito Luiz Cesar Perúcio foi obrigado a conceder uma lista com os artistas pretendidos à contratação antes da abertura de nova licitação para a festa de 2012. A decisão foi acatada pela administração.

No ano seguinte, a licitação foi novamente vencida pela mesma empresa. Tão logo definida, a lista de atrações foi radicalmente modificada e os shows mais baratos foram substituídos por espetáculos muito mais caros, como – mais uma vez – o de Gusttavo Lima, por exemplo, anunciado poucos dias antes do novo festejo. 

O impedimento da festa não durou muito tempo. Dias depois a decisão do juiz Fernando Oliveira Camargo foi derrubada por um desembargador. A festa em 2012 aconteceu, mas pode ter sido a última nos antigos moldes. 

2012 não foi o primeiro ano de grandes gastos públicos na realização das festividades de 28 de agosto. Em 2007, o governo João Fadel desembolsou R$ 560.207,85 para cobrir todos os custos no período. Somente para a contratação de Alma Serrana, Batom na Cueca, Gian & Giovani e Jota Quest, a administração municipal pagou R$ 330.382,46. 

No ano seguinte, último de Fadel no Paço Municipal, foram gastos R$ 439.413,65. R$ 116.000,00 apenas para o cantor Daniel, contratado através da empresa Camilo Produções Artísticas Ltda. 


Em 2009, o novo prefeito, Luiz Cesar Perúcio confirmou a fama e fez uma festa gigantesca. Ao todo, a prefeitura gastou R$ 743.018,02 com a Festa do Peão e atividades referentes ao 28 de agosto. O que chama atenção a partir daí, é que, deste montante, R$ 92.433,16 foram pagos diretamente ao próprio filho do prefeito, Luiz Cesar Perúcio Junior. 

Presidente da Comissão de Festas, é de Junior a assinatura dos recibos que atestam os constantes repasses da prefeitura para o grupo, mas não foram encontradas quaisquer notas das prestações de serviços intermediadas por ele e realizadas por outras empresas, como detalham os empenhos: “transporte de cantores”, “compra de utensílios diversos”, serviço de vigilância”, “compra de produtos de panificadora”, “hospedagens”, etc. Aliás, não há qualquer parecer jurídico que justifique o destino dos recursos à comissão e não sua aplicação direta mediante os precedimentos legais que prevê a Lei de Licitações. 


Como os gastos com a festa em 2009 foram exorbitantes, no ano seguinte ela não foi realizada. Em 2011 os custos chegaram a R$ 568.357,18. No último ano de seu governo, Perúcio dedicou R$ 572.251,25 às festividades.

*** 

Quem acompanha as atividades na Câmara desde 2013 sabe que o enfrentamento de Dr. Junior não é uma surpresa. Mas alguns questionamentos inevitavelmente ficam no ar. Por que Dr. Junior não foi contrário à cessão do terreno municipal para a realização de “A Festa II” e só agora descobriu que o empréstimo do terreno é irregular? Por que só agora, sem o uso de dinheiro público, a festa não poderia ser realizada? 

Certezas também não podem ficar de fora. O que se sabe até aqui é que Dr. Junior é a principal força política do grupo de Luiz Cesar Perúcio, hoje inelegível por 8 anos graças a condenações na justiça eleitoral e na justiça comum. Ainda assim, o PSB, seu partido, coligou com o ex-prefeito e Junior subiu no mesmo palanque que Perúcio durante as eleições de 2012. 

Outra confirmação é que depois desta edição da Festa do Peão, concluída no último 31 de agosto, sem o prejuízo de centenas de milhares de reais aos cofres públicos, vai ser muito difícil para as administrações municipais, sejam elas quais forem as próximas, justificarem uma nova “farra com o dinheiro público”, como em 2012 sentenciou o juiz Fernando Oliveira Camargo sobre o evento. 

As conclusões cada um tira as suas.

Abraços, 
Murilo

terça-feira, 21 de outubro de 2014

O maior "concurso público" do país

por MARCUS V. DO NASCIMENTO 


A luta por uma vaga em uma universidade ou em cargo público mostra o quanto um bom salário e uma estabilidade no emprego é algo que reflete como a questão do trabalho ainda é mal resolvida no país, vide o caso das empregadas domésticas. Um bom emprego é o motivo que mais faz lotar as cadeiras de cursinhos pré-concursos e pré-vestibulares. 

Não existe um curso que presta serviços às pessoas que concorrem ao maior "concurso público" do país, as eleições. Porém, existe a figura do marqueteiro que resolve a situação daquele cara que quer ganhar uma eleição, mas não que se sente preparado para o pleito. 

Em troca de um belíssimo salário mensal, privilégios, um pouco de poder, entre outras "vantagens", alguns candidatos sujeitam-se a ser aquilo que o seu "consultor político" deseja, como por exemplo, beijar, apertar a mão e abraçar pessoas que em hipótese alguma fariam em uma situação cotidiana. 

Os marqueteiros orientam ao candidato que ele deve maximizar a sua imagem, nem que para isso o coloque em situações contraditórias, como ser amigo do patrão e do operário, do pastor e do homossexual, do policial e do manifestante, tudo isso na busca de uma maior pontuação no concurso, desculpe, eleições. 

Os candidatos assumem diferentes posturas, às vezes as mais pitorescas, por trás de personagens de muito apelo. Santinhos, jingles e frases de efeito pontuam mais que ideias e projetos, de acordo com o que nos dizem as urnas nos últimos anos. 

E quando todas as formas de recrutamento à causa dos candidatos falham, sempre existe uma última solução que consiste no ato mais divino de uma pessoa: o ato de doar. Mesmo sendo ilegal, a prática persiste e tem seus resultados. 

O motivo de não existirem tais cursos pré-eleições é claro: a fórmula vendida pelos marqueteiros já está pronta, funciona e não tem prazo de validade. 

P.S: É necessário deixar claro que esse texto nada tem a ver com o discurso da formação acadêmica como pré-requisito para se eleger, isso seria apenas mais uma ideia elitista em torno das eleições.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Metamorfose ambulante

Por que o Aécio Neves do SBT é muito melhor que o de ontem na Rede Record



Em mais uma brilhante contribuição, Wilson Gomes destravou a chave de acesso à única anatomia possível de Aécio Neves nos últimos 2 meses: assim que divulgada primeira pesquisa de intenção de votos após a morte de Eduardo Campos - somente 5 dias depois do acidente que o vitimou no litoral paulista -, o tucano deixou de lado a agenda liberal que o levou ao pleito em 2014. 

Até então, Aécio era o candidato das "medidas impopulares" baseadas nas preocupações de seus correligionários com o excesso de gastos do estado nos programas sociais e a ausência de retorno imediato para a máquina pública. Armínio Fraga, provável ministro da Fazenda caso o PSDB vença, chegou a dizer que o salário mínimo estava alto demais. 

Com o decorrer da campanha, Marina teve uma ascensão meteórica e Aécio empacou nos 15%. Amargou por todo o mês de setembro a terceira colocação e precisou vir a público pra avisar que não abriria mão da disputa pra apoiar o PSB. Foi somente aí que a sua coordenação descobriu o que boa parte da oposição já sabia: economia não elege ninguém; rejeição, sim.

Assim como eu, muitos se surpreenderam com o comportamento de Aécio nos debates. Criticou Marina, é claro, mas colando-a na presidenta. Parecia errado, mas seu alvo estava mais correto do que nunca: não era a economia, era o PT. Com os mais altos índices de resistência à candidata à reeleição, o tucano precisava apenas mostrar que era ele o adversário ideal para acabar com o legado de corrupção que Dilma Rousseff representa. Corrupção, pois de economia ninguém quer saber. E foi assim que o Aécio técnico-economista da agenda liberal deu espaço ao Aécio comentarista de portal.

Deu certo. Aécio Neves cresceu como nunca para, surpreendentemente, atingir a votação expressiva que o PSDB teve em 2010 quando Dilma Rousseff era, para o grande público, ninguém além da escolhida de Lula pra governar o Brasil na sua ausência. Ora debochado, ora agressivo, protagonizou a maior pancadaria eleitoral desde 1989. Usou de maneira seletiva sua trajetória em Minas Gerais; o desconhecimento geral sobre as atribuições do pacto federativo pra falar, por exemplo, sobre segurança pública; os vazamentos dos depoimentos de Paulo Roberto Costa à Polícia Federal sobre o rombo na Petrobras.

Dilma reagiu à altura. De posse de diversas ações em que o PSDB sequer foi investigado, a presidenta foi longe: lembrou de Sivam, Sudene, Anões do Orçamento, Pasta Rosa, Mensalão da Reeleição, Cartel do Metrô e Trens de SP, Mensalão e desvio na Saúde em Minas. Mas também trouxe à tona explícita ou implicitamente os boatos de agressão à namorada e o consumo de cocaína. No debate do SBT, auge da baixaria, perguntou o que o opositor pensava a respeito da Lei Seca, já que foi surpreendido embriagado e com a habilitação vencida numa blitz. 

Deu no que Aécio queria e, digo mais, precisava. Pra quem vê de longe, tudo não passa da simples troca de farpas entre dois adversários detestáveis. Pra quem acha que vê um pouco mais de perto, tudo não passa da reação desesperada de Dilma à iminente derrocada. Mas pra quem tem acompanhado a trajetória recente de Aécio, nada de novo no front: essa é só parte da estratégia de quem entendeu como ninguém o cenário. É ele quem não perde mais eleitores daqui pra frente. A esmagadora maioria dos seus eleitores está imune aos escândalos pessoais e de corrupção do PSDB que agora pipocam como nunca. Mais uma vez, parecem apenas contra-ataque de desespero, que, primeiro, só reforçam a culpa no cartório do PT - na leitura de quem já escolheu a oposição - e, segundo, afastam indecisos e adeptos do voto crítico contra o tucano.

Como mostrou o debate de ontem na Rede Record, em que a polidez e as propostas voltaram a aparecer depois da troca de acusações de terça passada, os números jogam contra o PSDB. Em qualquer área. Os que tanto se orgulham do seu traquejo foram obrigados a engolir ontem uma consulta atrás da outra nas apostilas, que, até então, eram motivo de vergonha para a presidenta. Aliás, até um "propor uma proposta" emendou Aécio num momento de tensão. 

Apesar do clima mais leve de ontem, um deslize no debate diz muito sobre a última metamorfose de Aécio: apenas sugeriu o investimento do governo federal em Cuba e a sua torcida na plateia foi à loucura. Sintomático. Todos ali sabiam que o investimento do BNDES não foi e nem poderia ter sido na ilha dos Castro, mas em empresas brasileiras que mantêm negócios também lá. Sabem, mas preferem incorporar o discurso anticomunista da "elite bem informada" das redes sociais, tão novidade hoje quanto no século XIX. Seria trágico não fosse tão cômico.

Qual Aécio veremos quinta-feira no debate decisivo da Rede Globo? O da economia já sumiu e o da apostila deu prova da ineficiência ontem. Eu aposto no comentarista de portal.

Abraços, 
Murilo

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

"Nada deve parecer impossível de mudar"

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR


Na semana passada publiquei uma breve análise dos resultados das eleições de 2014 para o legislativo, indicando exemplos de deputados federais homofóbicos, racistas e favoráveis à Ditadura Civil-Militar que representarão Levy e o seu "aparelho excretor" no Congresso Nacional. Porém, se "Levy estará no Congresso", ele não estará sozinho. Se, de um lado, assistimos à ampla vitória do conservadorismo de extrema-direita, de outro, assistimos a um resultado bastante expressivo do Partido Socialismo e Liberdade - PSOL - nas eleições legislativas estaduais e federais.

Desde a sua fundação, em 2005, organizada por Babá, Heloísa Helena, Luciana Genro e João Fontes, que votaram contra a Reforma da Previdência e foram expulsos do PT, o PSOL nunca esteve tão representado no Congresso Nacional e mesmo nas Assembleias Estaduais. Porém, esse resultado não pode ser explicado apenas pelos números obtidos no último dia 5 de outubro. 

Em 2006, primeira eleição do PSOL, Heloísa Helena foi escolhida pelo partido como candidata à Presidência da República. Com um resultado expressivo, a candidata obteve a terceira colocação, feito um tanto quanto inesperado para uma campanha modesta e combativa. Uma das explicações para o fato, foram os votos dos "petistas insatisfeitos" com as denúncia envolvendo o caso do "mensalão". Desta forma, Helena obteve 6% dos votos, o equivalente a 6.575.393 (seis milhões, quinhentos e setenta e cinco mil, trezentos e noventa e três) votos. 


Em 2010, a tendência era de que Heloísa Helena, até pelo resultado expressivo na eleição anterior, novamente disputasse o executivo nacional pelo PSOL. Porém, em decisão partidária, foi escolhido o nome de Plínio de Arruda Sampaio, candidato ao governo de São Paulo pelo PT em 1989. Tal fato desagradou Heloisa Helena, que acabou se distanciando do partido, criando um mal estar que reverbera até os dias de hoje. Plínio, no entanto, apesar de uma figura extremamente carismática e com um histórico impecável de lutas sociais, não obteve boa votação e ficou na 4º colocação com menos de 1% dos votos válidos, o equivalente a 886.816 (oitocentos e oitenta e seis mil e oitocentos e dezesseis) votos.


Em 2014, nova convenção partidária e Randolfe Rodrigues, senador pelo estado do Amapá, foi escolhido para representar o partido nas eleições presidenciais. Junto a ele, começaram a ser escolhidos nas convenções estaduais os candidatos ao governo. Em São Paulo, o professor de Filosofia da Universidade de São Paulo - USP - e colunista da Folha de São Paulo, Vladimir Safatle, foi o escolhido. Com a alegação de falta de apoio e pouca "ambição" do partido, Safatle abriu mão do pleito e causou um novo "mal estar" no partido. Para o seu lugar foi escolhido o professor de História da Universidade Federal do ABC - UFABC -, Gilberto Maringoni. No entanto, a maior surpresa aconteceu no dia 13 de junho do corrente ano. Alegando uma "crise na esquerda" e no próprio PSOL, Randolfe Rodrigues abriu mão da disputa da presidência e afirmou que o partido precisava de um nome de consenso, indicando Marcelo Freixo, então deputado estadual pelo Rio de Janeiro. Freixo sequer cogitou a possibilidade, e nova convenção foi convocada. Nesta convenção, realizada no dia 22 de junho de 2014, Luciana Genro, deputada estadual e federal pelo PT do Rio Grande do Sul, foi escolhida, por unanimidade, candidata à Presidência da República. 


Acompanhada de Jorge Paz, Luciana Genro se propôs a fazer uma campanha "coerente com os princípios do partido", como ela se acostumou a dizer, o que significa: não recebimento de financiamento privado; participação intensa da militância; combatividade contra os interesses dos "poderosos" ou, tecnicamente, do capital financeiro. Dentro desta propostas, a candidata participou dos debates televisivos e ganhou destaque com a sua postura incisiva contra Aécio, Marina e Dilma, nomeados pela candidata como "irmãos siameses". Em um dos momentos mais brilhantes da campanha, a candidata enquadrou Aécio Neves no debate da TV Aparecida sobre o caso da construção de um aeroporto com recursos públicos na propriedade de um tio de Aécio, na cidade de Cláudio, em Minas Gerais. Chamada de "linha-auxiliar do PT" por Aécio, Luciana respondeu dizendo que o mesmo "é tão fanático por privatizações que construiu um aeroporto com dinheiro público e deu a chave para o tio cuidar". No último debate antes do primeiro turno, na Rede Globo, Luciana voltou a questionar o candidato tucano, que de maneira intempestiva levou o dedo em riste para a candidata, que respondeu à altura. Aécio tergiversou e não respondeu a denúncia de corrupção noticiada pela Folha de São Paulo. 

Luciana atingiu 1,55 % dos votos válidos, ou 1.612.186 (um milhão, seiscentos e doze mil, cento e oitenta e seis) votos, obtendo o 4º lugar folgado na disputa, mesmo as pesquisas indicando o candidato do Partido Social Cristão - PSC, Pastor Everaldo, com 3% das intenções de voto. Parece pouco, mas se pensarmos que Luciana obteve mais votos que Everaldo e Levy Fidélix juntos, podemos considerar uma vitória das pautas progressistas contra o "fanatismo" religioso que inunda a política nacional. Não obstante, não foi a expressiva votação de Luciana a maior vitória do PSOL. 

O partido, elegeu nada menos do que 12 deputados estaduais e 6 deputados federais, o que significou um aumento de 100% na sua bancada estadual e federal. Na esfera estadual, Carlos Giannazi, incansável representante da educação pública, foi reeleito em 12º lugar com 50.789 (cinquenta mil, setecentos e oitenta e nove) votos, o que significou ainda a obtenção de uma segunda vaga na ALESP que será ocupada por Raul Marcelo, que teve 50.550 (cinquenta mil, quinhentos e cinquenta) votos. 

No Rio de Janeiro, palanque mais do que especial para o PSOL, Tarcísio Motta obteve, na disputa pelo governo, um resultado espetacular com 8,92% dos votos, ou melhor 712.734 (setecentos e doze mil, setecentos e trinta e quatro votos), Marcelo Freixo, principal nome do partido, foi reeleito como deputado estadual mais votado do Estado com 350.408 (trezentos e cinquenta mil, quatrocentos e oito) votos. Se não bastasse o resultado expressivo, Freixo "carregou" mais 4 candidatos com ele, todos farão parte da ALERJ no mandato 2016-2020. Outro ponto a ser destacado, foi a vitória do candidato nas comunidades mais carentes da capital, muitas delas controladas pelas milícias que o deputado combate desde fevereiro de 2007. Além disso, Freixo foi o mais votado em 18 municípios do Estado. 

No Congresso, farão frente aos deputados da bancada "religiosa", "da bala" e mesmo aos representantes de Levy, Ivan Valente, representando o Estado de São Paulo, Chico Alencar, eleito por quatro anos consecutivos o melhor parlamentar do país (pelos jornalistas do Congresso em Foco), Jean Willys, ativista do movimento LGBTT e também eleito o melhor parlamentar do país em 2012 e Cabo Daciolo, os três pelo Rio de Janeiro, e Edmilson Rodrigues representando o Pará. Desta forma, o PSOL se reafirma enquanto uma opção de esquerda, que tem como grande mote, a defesa das pautas progressistas. 


Diante disso, durmamos tranquilos, pois, se Levy estará no Congresso, Luciana também vai estar. 

Abraços, 
Osvaldo. 


* Frase do teólogo e poeta alemão Bertolt Brecht no poema "Nada é impossível de mudar": http://www.culturabrasil.org/brechtantologia.htm 

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A economia moral da multidão brasileira no século 21

Travestida de racionalismo, a ideia que sustentam FHC e a nata de "analistas" políticos do país carrega a arrogância que tem sido a tônica da campanha de Aécio Neves, que não admite o voto no Partido dos Trabalhadores sob qualquer outra perspectiva pro além da multidão faminta e ignorante que se vende por um sustento



Em 1971, Edward Palmer Thompson chocou a historiografia com um artigo revolucionário. "A economia moral da multidão inglesa do século XVIII" não foi apenas uma reação aos modelos oficiais de interpretação das revoltas populares, mas também às lentes das grandes narrativas históricas do estruturalismo e do marxismo, indiscutivelmente as mais influentes até então.

Militante convicto, Thompson rompeu com o Partido Comunista em 1956, pouco depois do XX Congresso da União Soviética, quando Nikita Kruschev anunciou ao mundo todos os crimes cometidos por Josef Stálin sob o comando da maior locomotiva socialista do mundo entre 1924 e 1953. Ao lado de Christopher Hill, Eric Hobsbawm, Rodney Hilton, Raymond Williams e outros, fundou a Nova Esquerda Inglesa, geração de marxistas pouco identificados com a historiografia tradicional. 

De acordo com Thompson, há um problema crucial na visão comum que se tem sobre os famosos "motins da fome" na Inglaterra do século XVIII: pressupõe-se que as manifestações populares fossem reações nervosas, algo espasmáticas, da ausência de comida. Quer dizer, estavam mais pra um espirro do que pra um ato convicto de consciência. 

Fruto da retórica, essa interpretação negligencia os principais dados acerca dos movimentos neste contexto. Primeiro, mesmo com o aumento no preço do pão, os trabalhadores não deixavam de consumi-lo. Abriam mão, inclusive, de outros gêneros alimentícios para a sua compra em casos de dificuldades financeiras. E segundo, todas as rebeliões foram antecedidas por uma ou mais medidas em conflito com o direito consuetudinário em vigor nos vilarejos duma Inglaterra então dividida em 2 mundos: aquele rural, dos costumes medievais de produção e comércio; e aquele urbano, tomado pela onda liberal trazida pela industrialização.

Thompson percebeu que havia uma distância entre os novos mecanismos legais de liberalização da economia e os hábitos tradicionais da multidão. A sede pelo lucro no mercado aos poucos tirava do Estado seu papel de protetor dos consumidores. Havia, por exemplo, a proibição da venda antecipada ou à granel de comida nos armazéns. O objetivo era impedir a especulação de produtos, o exagero dos lucros e a dificuldade de acesso dos mais pobres aos bens. Aliás, a legislação previa que os desafortunados tinham o direito de comprar primeiro o que estava presente nos estoques.

Com o avanço do século das luzes e das máquinas, o mercado passou a se tornar cada vez mais independente e, a multidão, enraivecida. Os motins passaram a se multiplicar. Com o desrespeito aos valores tradicionais que norteavam a relação de compra e venda, os trabalhadores passaram a destruir revendas e ameaçar proprietários. Mesmo juízes ficaram ao lado da desordem e inocentaram acusados. Os padeiros que misturavam matérias-primas pra empobrecer a estrutura do pão eram condenados pela justiça popular e pela formal.

O que Thompson conseguiu com o resultado desta pesquisa é fascinante: mais do que voz, deu à multidão consciência. Atribuiu a ela papel de protagonista onde atuava apenas como figurante numa trajetória que nunca foi sua.

AS ELEIÇÕES E O PRECONCEITO NOSSO DE CADA DIA - Já nem é mais novidade. Toda eleição desde o ciclo iniciado em 2002 pelo PT é acompanhada de manifestações xenofóbicas, racistas e elitistas. Mayara Petruso ficou mundialmente conhecida em 2010 depois do tweet publicado logo após a confirmação da vitória de Dilma Rousseff no 2º turno contra José Serra: "Nordestisto [sic] não é gente. Faça um favor a Sp: mate um nordestino afogado". A mensagem foi rapidamente multiplicada, Mayara foi denunciada pelo Ministério Público Federal e condenada pela justiça a 1 ano e meio de prisão, mas teve a pena convertida para serviços comunitários.  

Em 2014, a onda tomou vigor, e eu não me refiro aqui ao já conhecido chorume de internet, produzido em tonel todos os dias, mas às mais "sofisticadas" referências. Fernando Henrique Cardoso declarou que só votam no PT os desinformados. Na GloboNews, a jornalista Cristiana Lôbo disse que o partido governista precisa "aprender a lidar" com a ascensão do eleitor mais escolarizado. Pelo Twitter, a também apresentadora do principal canal de notícias da Globosat, Leilane Neubarth, disse que a votação expressiva do Partido dos Trabalhadores no Piauí e a inexpressividade em São Paulo "dão o que pensar".


Dão mesmo. Essa reportagem da BBC mostra o que significaram os últimos 12 anos no Piauí pra muito além do Bolsa Família: ali estão as várias comunidades quilombolas finalmente reconhecidas pelo governo em 2007; o Luz Para Todos; o Caminho Para Escola; o Seguro Safra; o Brasil Sem Miséria. São povoados inteiros com uma cisterna para cada residência, com sua manutenção garantida agora pelo exército. O significado disso a matéria explica:
Nas secas mais severas, os reservatórios são reabastecidos pelo Exército, sem a intermediação de políticos locais. A prática golpeou a chamada indústria da seca, pela qual autoridades trocavam favores por votos.
Antes das cisternas, todas as mulheres levantavam de madrugada pra ir buscar água longe depois de um  verdadeiro trabalho de garimpo. Antes do crédito aos pequenos produtores, o agricultor da região vivia em sistema de semi-escravidão pra conseguir manter o sustento básico diário da família.

Pra quem acompanhou a trajetória do PSDB nestes últimos 12 anos, assistir ao desespero de Aécio Neves em assumir a paternidade do Bolsa Família e a continuidade dos programas sociais em vigor pode provocar um misto de impressões contraditórias: ao mesmo tempo em que o presidenciável diz serem levianas as acusações de Dilma em relação à postura do partido sobre o tema, Álvaro Dias declara que o principal programa de distribuição de renda do país estimula a preguiça e o site oficial do PSDB abre um editorial intitulado "Bolsa Esmola", assim como se refere boa parte do seu eleitorado nas redes.


Pode-se considerar no mínimo ousada a declaração de Fernando Henrique Cardoso sobre a relação entre petismo e desinformação. No seu governo, não havia ProUni, Ciência Sem Fronteiras, construção de escolas técnicas ou universidades e a escolaridade média da população era de apenas 6,1 anos. Eram 15 milhões de analfabetos, cerca de 11% da população. Foi nesta configuração que o ex-presidente venceu no 1º turno, inclusive. Em 2014, aliás, ocorreu a primeira eleição em que o número de eleitores com Ensino Médio ou mais foi maior do que o de eleitores com Ensino Fundamental ou menos.

Travestida de racionalismo, a ideia que sustentam FHC e a nata de "analistas" políticos do país carrega a arrogância que tem sido a tônica da campanha de Aécio Neves, que não admite o voto no Partido dos Trabalhadores sob qualquer outra perspectiva pro além da multidão faminta e ignorante que se vende por um sustento.

Uma pena que, apesar de tão informada, essa gente não tenha conhecido Thompson.


Abraços, 
Murilo