segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Metamorfose ambulante

Por que o Aécio Neves do SBT é muito melhor que o de ontem na Rede Record



Em mais uma brilhante contribuição, Wilson Gomes destravou a chave de acesso à única anatomia possível de Aécio Neves nos últimos 2 meses: assim que divulgada primeira pesquisa de intenção de votos após a morte de Eduardo Campos - somente 5 dias depois do acidente que o vitimou no litoral paulista -, o tucano deixou de lado a agenda liberal que o levou ao pleito em 2014. 

Até então, Aécio era o candidato das "medidas impopulares" baseadas nas preocupações de seus correligionários com o excesso de gastos do estado nos programas sociais e a ausência de retorno imediato para a máquina pública. Armínio Fraga, provável ministro da Fazenda caso o PSDB vença, chegou a dizer que o salário mínimo estava alto demais. 

Com o decorrer da campanha, Marina teve uma ascensão meteórica e Aécio empacou nos 15%. Amargou por todo o mês de setembro a terceira colocação e precisou vir a público pra avisar que não abriria mão da disputa pra apoiar o PSB. Foi somente aí que a sua coordenação descobriu o que boa parte da oposição já sabia: economia não elege ninguém; rejeição, sim.

Assim como eu, muitos se surpreenderam com o comportamento de Aécio nos debates. Criticou Marina, é claro, mas colando-a na presidenta. Parecia errado, mas seu alvo estava mais correto do que nunca: não era a economia, era o PT. Com os mais altos índices de resistência à candidata à reeleição, o tucano precisava apenas mostrar que era ele o adversário ideal para acabar com o legado de corrupção que Dilma Rousseff representa. Corrupção, pois de economia ninguém quer saber. E foi assim que o Aécio técnico-economista da agenda liberal deu espaço ao Aécio comentarista de portal.

Deu certo. Aécio Neves cresceu como nunca para, surpreendentemente, atingir a votação expressiva que o PSDB teve em 2010 quando Dilma Rousseff era, para o grande público, ninguém além da escolhida de Lula pra governar o Brasil na sua ausência. Ora debochado, ora agressivo, protagonizou a maior pancadaria eleitoral desde 1989. Usou de maneira seletiva sua trajetória em Minas Gerais; o desconhecimento geral sobre as atribuições do pacto federativo pra falar, por exemplo, sobre segurança pública; os vazamentos dos depoimentos de Paulo Roberto Costa à Polícia Federal sobre o rombo na Petrobras.

Dilma reagiu à altura. De posse de diversas ações em que o PSDB sequer foi investigado, a presidenta foi longe: lembrou de Sivam, Sudene, Anões do Orçamento, Pasta Rosa, Mensalão da Reeleição, Cartel do Metrô e Trens de SP, Mensalão e desvio na Saúde em Minas. Mas também trouxe à tona explícita ou implicitamente os boatos de agressão à namorada e o consumo de cocaína. No debate do SBT, auge da baixaria, perguntou o que o opositor pensava a respeito da Lei Seca, já que foi surpreendido embriagado e com a habilitação vencida numa blitz. 

Deu no que Aécio queria e, digo mais, precisava. Pra quem vê de longe, tudo não passa da simples troca de farpas entre dois adversários detestáveis. Pra quem acha que vê um pouco mais de perto, tudo não passa da reação desesperada de Dilma à iminente derrocada. Mas pra quem tem acompanhado a trajetória recente de Aécio, nada de novo no front: essa é só parte da estratégia de quem entendeu como ninguém o cenário. É ele quem não perde mais eleitores daqui pra frente. A esmagadora maioria dos seus eleitores está imune aos escândalos pessoais e de corrupção do PSDB que agora pipocam como nunca. Mais uma vez, parecem apenas contra-ataque de desespero, que, primeiro, só reforçam a culpa no cartório do PT - na leitura de quem já escolheu a oposição - e, segundo, afastam indecisos e adeptos do voto crítico contra o tucano.

Como mostrou o debate de ontem na Rede Record, em que a polidez e as propostas voltaram a aparecer depois da troca de acusações de terça passada, os números jogam contra o PSDB. Em qualquer área. Os que tanto se orgulham do seu traquejo foram obrigados a engolir ontem uma consulta atrás da outra nas apostilas, que, até então, eram motivo de vergonha para a presidenta. Aliás, até um "propor uma proposta" emendou Aécio num momento de tensão. 

Apesar do clima mais leve de ontem, um deslize no debate diz muito sobre a última metamorfose de Aécio: apenas sugeriu o investimento do governo federal em Cuba e a sua torcida na plateia foi à loucura. Sintomático. Todos ali sabiam que o investimento do BNDES não foi e nem poderia ter sido na ilha dos Castro, mas em empresas brasileiras que mantêm negócios também lá. Sabem, mas preferem incorporar o discurso anticomunista da "elite bem informada" das redes sociais, tão novidade hoje quanto no século XIX. Seria trágico não fosse tão cômico.

Qual Aécio veremos quinta-feira no debate decisivo da Rede Globo? O da economia já sumiu e o da apostila deu prova da ineficiência ontem. Eu aposto no comentarista de portal.

Abraços, 
Murilo

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