quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O projeto de Aécio nunca foi político

Aquele candidato da tradição neoliberal do PSDB deu lugar a outro projeto, que é estético e moral. Atraiu uma legião de descrentes com a política institucional e quase foi eleito presidente da República 12 anos depois da chegada do PT ao poder



Numa das mais brilhantes contribuições no período eleitoral, Clóvis Gruner escancarou como poucos uma das principais heranças no Brasil redemocratizado: o horror à política. Horror este que, na verdade, nasce como indiferença. Explico: o distanciamento entre cidadãos e política institucional criou uma geração de desacreditados que, em geral, não se envolve com questões públicas, mas que periodicamente reveste-se de indignação diante de injustiças seletivas. Essa geração é que não tem tempo pra participar porque diz que trabalha demais. É aquela que vidra os olhos nas notícias sobre a carga tributária no Brasil e percebe que destina muito dinheiro ao governo.

E foi essa geração que Aécio atingiu pra ter condições de chegar ao 2º turno e alcançar a marca de 51 milhões de votos na eleição mais disputada de todos os tempos. Aécio Neves foi razoavelmente político até a morte de Eduardo Campos. Ou melhor, até a primeira pesquisa que deu Marina Silva consideravelmente à sua frente na corrida presidencial.

O Aécio da tradição neoliberal do PSDB deu lugar a outro, de outro projeto. E esse projeto que quase levou seu partido de volta ao poder não é político. É estético e moral. Estético, porque, antes de tudo, Aécio Neves transformou-se num fenômeno midiático de trajetória cuidadosamente desenhada desde a derrota de José Serra em 2010, quando a candidatura do mineiro passou a ser considerada certa para 2014 pela cúpula tucana. 

"Aécio Neves não namora mulher feia. Ele sempre teve bom gosto", disse certa vez o musculoso e bonachão Alexandre Accioly, dono da rede de academias Bodytech. Não mesmo. E, apesar da fama de playboy garanhão, cumpriu o ritual e se casou no ano passado com a modelo Letícia Weber, 20 anos mais nova. No ano da eleição, os dois posaram para diversas lentes como casal, mas as fotos ganharam o espaço público. Não foram poucas as manifestações nas redes de que essa sim era uma 1ª dama digna da posição no Planalto.

Ajudou no projeto a adesão de famosos. Entre eles, figuraram Luciano Huck, Neymar, Angélica e Ronaldo. Muitos deles porque eram amigos do político mineiro. Essa é uma aposta estética e moral. Com a participação de amigos, o tom confessional dos apoios tira a política da esfera pública e parte para a esfera privada, adquirindo ares de intimidade, de confiança pessoal. Vote no Aécio, ele é tão de confiança que até meu amigo é. 

O projeto moral de Aécio quase funcionou. Usou os altos índices de rejeição ao PT pra pegar uma carona com a geração do horror à política e colar em Dilma Rousseff "tudo o que há de errado por aí", como Bonner explicou as manifestações de junho no ano passado. Quase deu mesmo: boa parte dessa geração passou apenas a vê-lo como o outro lado da mesma moeda, mas outra impulsionou sua candidatura à maior votação do PSDB em 12 anos. 

Ao contrário do que se podia imaginar, o projeto moral deixou sequelas. É dele que vem também a indignação perante os beneficiários de programas sociais do governo. Afinal, quem elegeu o PT não foi a multidão de vagabundos sustentados por ele? Ou ainda, quantos votos não perdeu Dilma por que entende-se que seu partido apoia o aborto ou ditaduras comunistas, inclusive a ponto de tornar-se uma? Essa agenda não é política. Nunca foi. É exclusivamente moral. Diga-se de passagem, parcialmente calvinista. E foi ela que levou Aécio Neves às últimas consequências da negação à política. Desde o início dos debates, ela nunca esteve em jogo.

Não é com o assalto à Petrobras que os eleitores de Aécio estão preocupados. É com a conduta moral de quem rouba. Mas aqui funciona a mesma lógica de todas as outras: só serve quando é com os outros. E a sua principal tônica é o anti-empirismo. Ninguém está preocupado em saber qual é realmente o fluxo migratório do país; se quem recebe o Bolsa Família trabalha, multiplica o número de filhos ou mora mesmo no Nordeste; se Minas e Rio de Janeiro também votaram majoritariamente no PT. Não precisa, porque parte da agenda moral também sobrevive de dogmas. E tentar derrubá-los é como acertar a mais afiada das facas com as mãos.

Bem-vindos ao espetáculo do horror. Porque a política já foi embora faz tempo.

Abraços, 
Murilo 

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