terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A homofobia em campo

"A igreja vai admitir (gays), o Exército, mas o futebol será o último." (Antônio Roque Citadini, conselheiro do Corinthians)

por MARCUS V. DO NASCIMENTO


A rivalidade histórica entre Palmeiras e São Paulo tem ficado mais intensa nos últimos meses devido ao que acontece fora das quatro das linhas, onde os protagonistas não são propriamente os jogadores, mas sim os presidentes Carlos Miguel Aidar (São Paulo) e Paulo Nobre (Palmeiras).

O pontapé inicial dessa rivalidade começou com a contratação do atacante Allan Kardec, jogador até então do Palmeiras, pelo rival do Morumbi. Após esse episódio, outras polêmicas envolveram os dois clubes e seus respectivos mandatários, o que serviu de inspiração para a charge de Diogo Salles, publicada na SPFCharges, em que Aidar e Nobre se beijavam, em clara referência à controversa charge publicada pelo jornal Charlie Hebdo.


A charge gerou de forma imediata uma onda de ódio nas redes sociais, principalmente entre os torcedores dos clubes envolvidos Segue abaixo alguns dos comentários da página em que foi publicada a charge:

Em reportagem vinculada pelo UOL, o próprio Diogo afirmou ter recebido ameaças violentas pelas redes sociais. Essas reações revelam como a homofobia é algo muito presente no futebol, porém não é exclusividade de torcedores, como alguns “comentaristas esportivos” sugerem.

A edição do dia 13 de outubro de 1979 do jornal O Estado do Rio de Janeiro trouxe em suas páginas o veto do presidente Márcio Braga para a criação da torcida Fla-Gay:

"O presidente Márcio Braga garantiu ontem que a Fla-Gay, a nova facção da torcida do Flamengo que um grupo pretende criar, nunca existirá, enquanto ele estiver dirigindo o clube da Gávea.(...) Diante disso, Márcio tranquiliza os chefes de torcida, contrários à formação da Fla-Gay, dizendo que ela não será criada, pois "esporte é mente sã, em corpo são."

No final dos anos noventa os jogadores Vampeta e Dinei, que atuavam pelo Corinthians, e Roger, goleiro do São Paulo, posaram nus para uma famosa revista dedicada ao público gay e também foram alvos de ofensas por parte de torcedores rivais como também de suas próprias agremiações. Segundo Roger, o então técnico do São Paulo, Paulo César Carpegiani, afirmou que se a revista “fosse para a banca, eu não jogava mais no São Paulo” (o goleiro, após o episódio, foi emprestado ao Vitória).

O juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, ao arquivar o processo movido pelo jogador Richarlyson contra o dirigente do Palmeiras José Cyrillo Júnior, afirmou que "futebol é coisa de macho, esporte viril, varonil, não homossexual". Manoel acabou sendo punido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo pela posição assumida na sentença.

Richarlyson, apesar de ter uma passagem vitoriosa pelo São Paulo, conquistando títulos importantes e também recebendo uma chance na seleção brasileira, não tinha o seu nome cantando pela torcida devido à dúvida em relação à sua sexualidade.

Em 2012, quando o nome de Richarlyson foi especulado em uma negociação com o Palmeiras, a principal organizada do clube exibiu uma faixa com os dizeres “a homofobia veste verde”, o que até hoje não foi esclarecido pela torcida.

No ano seguinte, o atacante Emerson Sheik postou nas redes sociais uma foto na qual dava um selinho em um amigo, o que não foi bem aceito entre torcedores do Corinthians. O jogador chegou dar uma declaração dizendo que não via problema nenhum no selinho, mas que se soubesse da repercussão antes, não teria postado a foto.


O Corinthians lançou uma campanha entre os seus torcedores pedindo o fim do grito de “bicha” durante as cobranças de tiro de meta por parte dos goleiros adversários. Segundo a nota da campanha, “a homofobia, além de ir contra o princípio de igualdade que está no DNA corinthiano, ainda pode prejudicar o Timão”. Porém a inciativa do clube não foi bem aceita por parte da torcida.

A dita imprensa esportiva também tem sua parcela de culpa quando dá espaços para insinuações e “piadas” por parte de sua equipe. O comentarista e apresentador José Ferreira Neto, da rede Bandeirantes, na transmissão do jogo entre Penapolense e São Paulo, no último domingo, “brincou” dizendo que o jogador Diego Rosa só errou o gol em um lance de perigo do time do interior porque tinha “Rosa” em seu nome.

O motivo para tanto ódio pode ser explicado pelo fato de o estádio ser “um ambiente que tem uma série de permissões nas relações masculinas — carinhos, afetos, às vezes até mesmo agressões — é necessário que esse ambiente seja considerado seguro para os homens. Para garantir essa suposta ‘segurança’, os torcedores precisam reforçar a sua masculinidade. E uma das coisas que melhor reforça a masculinidade na nossa cultura é a homofobia. Por isso ela aparece de forma tão gritante” afirma Gustavo Andrada Bandeira, professor da UFRGS e autor da dissertação “‘Eu canto, bebo e brigo…alegria do meu coração’: currículo de masculinidades nos estádios de futebol”, em reportagem de Ciro Barros e Giulia Afiune.

No combate aos atos de homofobia no futebol foram criadas por torcedores páginas no Facebook como a Corinthians Livre , Bambi Tricolor (São Paulo), Palmeiras Livre, Galo Queer (Atlético-MG), Grêmio Queer, Queerlorado (Internacional) e Flamengo Livre.

A torcida fica para que, além de emoção, o futebol possa proporcionar o respeito para com todos, independentemente da condição social, da cor e da sexualidade. O país do futebol tem muito mais do que se envergonhar do que o ainda dolorido 7 a 1.

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