quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A ignorância feicebuquiana

por MÁRCIO NUNES SILVA*


Impossível não chocar-se com o que se encontra nas redes sociais contemporâneas. Deixando de lado a futilidade, a vulgaridade gratuita, a truculência e o narcisismo tão comuns às redes sociais, quero aqui dar ênfase à minha indignação com a insipiência reinante entre os heróis e paladinos da justiça feicebuquianos.

Bertolt Brecht teve a sorte de não possuir perfil nas redes sociais, ou seu famoso texto sobre o analfabeto político poderia ser bem mais abrangente e desabonador. Já não sei se o pior analfabeto político é aquele que estufa o peito para falar que odeia política, ou se é aquele que vomita montagens, fotos, e artigos de veículos suspeitos, postando sempre em tom de indignação, mesmo sem saber bolhufas sobre o assunto contido naquilo que está compartilhando.

Esse analfabeto político se acha alfabetizado e politizado, e é exatamente aí que mora o perigo, eis que esse achismo o torna prepotente e arrogante, alguém acima da informação ou da postagem, sendo plenamente desnecessário qualquer aprofundamento ou pesquisa sobre aquilo que despeja em seu perfil. 

Se o analfabeto político tradicional negava a necessidade de uma participação política efetiva, o analfabeto político feicebuquiano moderno pavoneia sua cultura política e seu senso de justiça, sempre cobrando providências e ironizando políticos, com dados, estatísticas, números e provas. Deturpam o sentido das palavras, e dissipam absurdos, sempre sem qualquer indicação de fonte confiável.

E quem tem pensamento contrário é burro, nordestino, capacho ou leva alguma vantagem pra defender “uma corja”. Eles nunca vão ler um texto explicativo sobre o assunto se você postar, ou vão se dar ao trabalho de pesquisar as fontes, pois para eles basta que a postagem seja acusatória e conte com sua simpatia.

O preço da gasolina no Brasil é a maior do mundo, um absurdo e culpa do governo federal petista... e ponto final. Pouco importa pro ignorante político moderno que isso não seja verdade, com o combustível custando muito mais em diversos países de primeiro mundo, como Itália e Inglaterra, e que atualmente o salário mínimo possui um poder de compra em relação ao combustível maior que o dobro em relação a 2002.

Não importa, afinal ele é bem informado pelo Jornal Nacional, Fantástico, Veja, Ratinho, Rachel Sheherazade, e as suas postagens não carecem de conhecimento aprofundado, e o perfil é dele e ele posta o que ele quiser. E se não gostou basta desfazer a amizade deixar de segui-lo.

O PT é o mais corrupto e pronto, independente se na realidade o TSE aponta DEM, PMDB e PSDB como campeões do “ficha suja”. O TSE deve ser petista também pra divulgar tamanha insanidade.

Não quero e não me proponho aqui a defender o PT, mas apenas citei a título de exemplo, uma vez que ainda está bastante fresca na memória o calote eleitoral que tentaram impor via redes sociais nas últimas eleições presidenciais, como mentiras horrendas e verdadeiros crimes cometidos com o evidente escopo de favorecer determinado candidato em detrimento de outra.

O Lulinha é dono da Friboi. Como é que pode ainda alguém votar nesse povo, mesmo sabendo que enriqueceram roubando o Brasil? Essa pergunta foi diretamente feita à minha pessoa, e mesmo depois da comprovação da total falta de veracidade da informação, o inquisidor não se deixou abalar e continuou via facebook a jurar de pés juntos que agora estavam apenas tentando maquiar a verdade porque foram descobertos.

O problema é que o brasileiro considera indiciado sinônimo de condenado, denunciado sinônimo de apenado, bastando uma postagem mentirosa para que as curtidas, compartilhamentos e comentários toscos tornem verídicos os conteúdos espalhados pelos analfabetos políticos atuais.

Pretensiosamente quero aqui complementar a definição de Analfabeto Político de Bertolt Brecht acrescentando que também pode ser considerado como tal aquele que:

“ouve, fala e participa dos acontecimentos políticos, porém, de fato, não sabe nada sobre o assunto que compartilha nas redes sociais, mas se orgulha e estufa o peito dizendo que aquilo é um absurdo e que tem que ir todo mundo pra cadeia. Não sabe o imbecil que na verdade é um enorme ignorante, e que da sua ignorância política nasce uma corja de políticos vigaristas, pilantras, corruptos e lacaios das empresas nacionais e multinacionais, e que se utilizam de postagens como as dele para confundir e ludibriar o povo”.

É um suplício ver diariamente nas redes sociais as postagens claramente preconceituosas, homofóbicas e mentirosas, mas ter que se controlar para não comentar ou responder, uma vez que é inócuo discutir com esse tipo de analfabeto político defensor da moralidade, dos bons costumes e da honestidade. Afinal a corrupção jamais existiu na Petrobrás, no Brasil e muito menos em Itararé, sendo óbvio que o PT inventou os esquemas de corrupção. Qualquer imbecil sabe disso, só não tem corrupção nos governos do Paraná e São Paulo, verdadeiros oásis de candura e honradez no trato do dinheiro público.

Os pudicos de plantão são uníssonos ao apontar o dedo para Brasília, mesmo sem saber o que significa pacto federativo, ou sobre as esferas do poder executivo no tocante à responsabilidade de cada ente federativo. Aliás, esse pequeno enunciado acima é literalmente grego para os analfabetos políticos, mas não os impede de apregoar responsabilidades, sempre de forma convenientes ao seu modo de pensar, pois o Jornal da Globo falou tá falado.

E assim caminha a comunidade resmungona das redes sociais, sempre pronta a reclamar e esbravejar pelas redes sociais, sem conhecimento de causa ou comprometimento efetivo com a verdade. Verdadeira massa de manobra que se acha super antenada no combate à corrupção, alicerçada sempre em noticiários de veículos de comunicação afundados até o pescoço na lama, apodrecidos em seu desejo incontrolável de poder e ganância, defendendo com unhas e dentes seus interesses escusos.


* Márcio Nunes da Silva, advogado, formado em Direito pelas Universidades Integradas de Itapetininga, e formado no curso de Licenciatura em História pelas Faculdades Integradas de Itararé. É pós-graduado em Ensino de História e Geografia.

2 comentários:

  1. A inclusão digital foi péssima para o brasileiro. O povo acostumou-se a acreditar em qualquer tirinha ou imagem que vê. Acostumou-se a achar culpados de todos os males, mas também, os culpados valeram-se da ignorância dos incautos, que defendem os corruptos e incompetentes até a morte, tendo-os como as mais perfeitas criaturas.

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  2. Há um personagem cada vez mais evidente surgindo, muitas vezes calado, pois sofre com o fato de, em qualquer lugar, sempre encontrar aqueles que só repetem discursos comuns do meio midiático tradicional, no molde de uma cultura forjada na propagação cotidiana. Este personagem cada vez mais aponta o que a tv não mostrou, que a história contada não é bem assim, que há outras versões ou pelo menos uma segunda opinião. O sujeito propagador de opinião tradicional cada vez mais é confrontando e se vê como tal num estranhamento, denotando que até mesmo não é mais seguro com as opiniões que detinha, quando não se encerra na sua muralha, sem meios para uma intersubjetividade. O problema é que, sobre esse novo sujeito, até mesmo os antagonistas não gostam, pois a crítica sai do circulo de poucos e entra no universo dos "zé ninguém", difícil precisar, também, o seu número. Assim, os parâmetros são questionados e fragmentados, mas que, ao longo prazo, pois a internet é algo recente para as camadas populares, vejo que muito discurso será minado ou pelo menos confrontado com o uso de uma segunda opinião, ou criação de tantas outras. Mas parece persistir a ideia que isso é do dia pra noite... há a necessidade que nos meios populares seja comum uma cultura questionadora, mesmo quando se apresenta em silêncio, pois a censura no cotidiano é presente e da nossa oligarquia quanto dos propagadores das ideias dominantes temos represálias aos quais os populares muitas vezes estão reféns (perca do trabalho, assassinato, segregação e por ai vai...) Ao limitarmos que a internet é ruim para o povo estamos apenas contribuindo para a ideia dominante e negarmos a potencialidade desta ferramenta como algo importante para a criação qualitativa em termos de consciência na população em geral.

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