terça-feira, 31 de março de 2015

Ascensão e queda do Partido dos Trabalhadores

 Na era pós-PT, outro futuro à esquerda será possível?

por LUIS FELIPE MACHADO DE GENARO



Hoje, no Brasil, existe uma grave constante quando o assunto é política. Imagino que todos nós sabemos exatamente sobre o que me refiro: a crítica ao governo Dilma Rousseff e ao Partido dos Trabalhadores. Elas são muitas, diga-se de passagem. Críticas formuladas tanto à direita quanto à esquerda. Por quais razões elas estariam acontecendo?

À direita, por razões óbvias. O partido fundado pelo ex-presidente Lula no início da redemocratização teve seu germe no agrupamento de sindicatos e sindicalistas, movimentos e comitês populares, intelectuais e artistas ligados à cultura de resistência, protesto e questionamento. Se almejava repensar o projeto de país vigente até o momento baseado na desigualdade social e prostrado aos desígnios das grandes potências. 

Hoje, sabemos que para os integrantes da “nova direita”, muitos da própria base aliada do governo, isso pouco importa. Importa mesmo é criticar os poucos, e bons, acertos ocorridos pelo caminho. Afinal, a redistribuição de renda, a possibilidade de crédito a parcelas da sociedade marginalizadas do processo econômico e uma política internacional desalinhada dos interesses dos "países amigos", foram passos importantes para o esfacelamento – que ainda não cessou – das históricas Casa-Grande e Senzala. 

Para a esquerda, diferentemente, as razões de sua crítica retumbam em alto e bom som e parecem mais claras que a luz do dia. São as permanências e as poucas rupturas que a inquietam. Diferente da crítica formulada pela velha e a nova direita, a esquerda toma os governos do Partido dos Trabalhadores como conciliadores, reformistas e estabilizadores. 

Bem, admito que me incluo nessa.

LULA E O FEUDO-BRASIL


Lembremos que as promessas do partido de Lula eram desestruturar os principais pilares do Estado brasileiro. Pilares que até aquele momento beneficiavam os patrões ao invés dos empregados. As reformas de base, antigas bandeiras de João Goulart – ilegalmente deposto pelo Golpe de 1964 – seriam reinventadas, repensadas e realizadas. O camponês que não tinha terra para plantar, sua terra teria. O senhor que toda terra possuía, seria desapropriado. Bom, é ai que a pedra no calçado do PT começa a incomodar. 

As reformas deixaram de ser repensadas, não se realizando. Foram arquivadas e relegadas a uma ou outra questão premente. Revisões pontuais. As bandeiras foram rasgadas. Hoje, fazem parte da História (?). Talvez o primeiro presidente operário, orador e estrategista não tenha utilizado toda a força de sua base de apoio ao ser eleito, base que serviria para pressionar um Congresso historicamente conservador e reacionário. 

Eis a chave para transformar o país: sublevação e pressão popular. 

A cada ano que passava no poder, o Partido dos Trabalhadores ficava refém de uma estrutura que não desmantelou. Estrutura erigida por corruptos e corruptores de outros tempos. Estruturas baseadas na estratificação social, na escravidão de africanos, no genocídio de povos ameríndios, na doutrinação dos bispos, nos latifúndios dos coronéis e na expropriação de nossas riquezas. Lula e o Partido dos Trabalhadores não revolucionaram as bases, e, com o tempo, se esqueceram dos oprimidos para galgar as benesses dos opressores. Se olharmos na perspectiva do tempo histórico, a partir daí, estavam fadados ao declínio muito mais rápido do que se esperava.

Rememoremos que o presidente operário havia dado sinais de fraqueza antes mesmo de ser eleito, quando lançou a “Carta aos Brasileiros”. Nada de revolução. Reformas bastariam. O mercado financeiro, os governos do norte e os setores mais arcaicos e tradicionalistas do país, finalmente, haviam cedido. A classe média, até o momento estática na pirâmide social, e as massas operárias marginalizadas do processo político e econômico, escolheriam o PT, no memorável ano de 2002. 

Depois do primeiro operário, a primeira mulher. Uma mulher de fibra e inflexível que havia enfrentado de cabeça erguida os militares no poder. Subversiva na juventude, Dilma cairia na mesma estrutura corruptora, intransigente à mudança e montada para não ser, jamais, desmontada. O operário e a mulher, lá no fundo, apesar de sua importância histórica, não passaram de símbolos de um projeto inacabado. Projeto que se perdeu pelo caminho, entre acertos e muitos, muitos erros.

O FIM DO PT


Enfim, cá estamos uma década e alguns anos depois, onde o governo brasileiro, afetado pela crise econômica que ondula e atinge o mundo com frações diversas desde a explosão da bolha imobiliária dos EUA, no ano de 2008, fecha as cortinas. Não bastasse sermos reféns das estruturas internas, somos também das externas. A globalização mostra suas garras de formas variadas e de maneiras cada vez mais agressivas. Suas consequências são conhecidas. Segundo pesquisadores e economistas da desigualdade, o abismo entre ricos e pobres tende a ser exponencial. Enquanto a taxação das grandes fortunas e o aprofundamento dos programas sociais não são realidades, o que esperar do futuro? 

Hoje, o Partido dos Trabalhadores declina. É bom que se frise: não apenas ele. Vivemos um novo tempo do mundo. As democracias ocidentais estão ameaçadas pelo controle excessivo de suas próprias autoridades, pela crise de representação, vigilância extrema e pelo poder onipresente do capital financeiro, bancos e multinacionais. O bem público está prostrado ao privado.

Atualmente, os inimigos íntimos da democracia são inúmeros. Além dos exemplos que citei acima, um deles, no Brasil, e não apenas nele, é a famigerada imprensa nativa. É ela a formadora de opinião e consciências. É ela quem molda e inculca modos de vida, percepções, ódios e amores, espraiando o acontecimento cotidiano da forma, maneira e ângulo que bem entende. É ela que escolhe qual líder governará com estabilidade e qual líder cairá. No fim, o que vale mesmo é o interesse do patrão, não o acesso à informação. Não há e nunca houve tamanha falsidade intelectual como a bandeira da imparcialidade, da neutralidade ou qualquer outro sinônimo de um conceito tão disparatado que os mesmos oligopólios, de forma constante, tentam defender. Se existe um futuro à esquerda, outro assunto urgente em pauta precisa ser a democratização/regulamentação das mídias. 

A relação do partido com a imprensa nativa é uma evidência lamentável do espírito conciliatório dos governos Lula e Dilma, já que são distribuídos – algo revoltante! – milhões de reais do governo federal através de verbas publicitárias, estando a mesma de mãos dadas com a Casa-Grande. Percebemos que a base das estruturas está intacta. O Partido dos Trabalhadores e os barões da imprensa sabem muito bem disso. Saberia a sociedade civil? 

Os “salvadores da pátria” que marcharam dia 15 de Março de 2015 parecem não compreender um fato simples. Uma inverdade lavada com má fé e estampada pelos grandes veículos de comunicação – Veja, Estadão, Folha e Globo, principalmente. Diferente daquilo que cegamente se acredita, muito em razão de editoriais e manchetes da grande imprensa, Lula e Dilma não foram os inventores da corrupção. Mantenedores? Não há dúvidas. 

A corrupção no país é histórica, sistêmica e estrutural. Permeia os principais cantos da sociedade brasileira, dos setores públicos aos privados, da criação dos filhos a reuniões de escritório, do pular a canaleta ao furar a fila. Como mudar essa situação? Mais policiamento e fiscalização, ou mais educação crítica e informação de qualidade?

OUTRO FUTURO, OUTRAS POSSIBILIDADES


Resumindo tudo até o momento: o PT está em fase terminal. Não há remédio ou remendos à vista. Por isso, à esquerda, algumas soluções me parecem viáveis daqui para frente. Uma nova intelectualidade hoje afastada dos rumos políticos, seja na área das humanidades, seja nas demais, precisa se engajar no sentido de interpretar os problemas do Brasil recente como antes se fazia. Onde estão nossos Florestans, Darcys e Faoros? Hoje, precisamos deles mais do que nunca. A união de uma nova leva de pensadores em prol de um novo projeto de nação. 

Esta intelectualidade, por sua vez, necessitará propor um diálogo estratégico com os novos e velhos movimentos sociais – pela distribuição efetiva da terra, luta pela moradia e pelo avanço por mais direitos trabalhistas em todas as categorias. Sabemos que muitos dos dirigentes e “caciques” dos grandes movimentos foram, ao longo dos anos, cooptados pelo Partido dos Trabalhadores. Mesmo que este infortúnio seja evidente, a resposta está nas bases: crianças, jovens e famílias de ativistas. Serão deles e com eles que a nova intelectualidade precisará firmar um pacto. 

Um terceiro personagem será relevante: as mídias independentes. Só assim a revolução será televisionada. Agora, pelos monitores dos notebooks. Sabemos que alguns dos principais objetivos da grande imprensa são a descaracterização e a difamação dos movimentos sociais e do pensamento baseado na utopia, na rebeldia e na transformação da realidade de forma radical e, por vezes, violenta. Isso não é uma novidade. Se por um lado, o acesso à informação e à liberdade de imprensa são questões indiscutíveis em uma democracia plena, em mãos erradas o resultado pode sair bem, bem diferente do esperado.

Ao invés de notícias, artigos e textos críticos, educativos e questionadores, assistimos um lamaçal de preconceito, conservadorismo e sectarismos. É ai que entram os novos portais de notícias e as redes de comunicação instantâneas.

Por último, sobraram os pequenos, mas combativos partidos de esquerda, revivendo a gênese de um novo tempo como um dia viveu o PT. Hoje, são eles que empunham as bandeiras da justiça social, dos direitos humanos e da democracia popular afastada dos mandos e desmandos do capital – estando o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), fundado no início do século XXI pelos dissidentes “rebeldes” do PT, à frente das principais bandeiras e lutas. Assim como a reinvenção do capitalismo bruto e opressor acontece de tempos em tempos, a utopia socialista trilha esse mesmo caminho, renascendo a cada luta, greve e revolta coletiva. 



A Esquerda, assim mesmo, com “e” maiúsculo, precisará aprender com os acertos e, principalmente, com os erros do partido de Lula e Dilma. Será a união desses partidos capitaneados por uma Frente Única de Esquerda, juntamente com a nova intelectualidade, os velhos e novos movimentos sociais e as mídias independentes que empurraremos o Brasil para um caminho diferente dos rumos propostos pela nova direita, pelos marchadores fascistas e as bancadas no Congresso – bancadas que controlam a política nacional de acordo com seus próprios e escusos interesses. 

Apenas com a união do pensar e do agir é que faremos o motor da História voltar a funcionar rumo a tão sonhada revolução social, como um dia nos aconselhou Marx. Só assim mudaremos o país de uma vez por todas. 

segunda-feira, 30 de março de 2015

Diagnóstico de Mobilidade Urbana de Itararé

Depois de meses desenvolvendo estudos e debates com a população de Itararé, o grupo APĒ - Estudos em Mobilidade produziu um diagnóstico fundamental para percepção das principais características do município, cujo objetivo principal é estabelecer bases para intervenções do poder público em mobilidade urbana. O lançamento de hoje é o início de uma série de mais 4 publicações que serão realizadas aos sábados durante todo o mês de abril


Esquina da rua XV de Novembro com a Newton Prado em 1936

1. INTRODUÇÃO

A mobilidade urbana está essencialmente atrelada às dinâmicas da cidade - nos fluxos de pessoas, bens, mercadorias e informações. Muito mais do que simplesmente atribuída ao transporte, a mobilidade se relaciona ao planejamento e ordenação do território, às atividades sociais, à vida da comunidade e às características de ocupação da cidade. 

Visando o desenvolvimento das cidades apoiadas no papel fundamental da mobilidade e também a melhoria da qualidade de vida para sua população, o Governo Federal formulou a Lei 12.587, sancionada em janeiro de 2012. Para os cidadãos brasileiros, é um grande avanço, principalmente porque trata de forma especial esse aspecto das cidades, assunto que sempre foi reduzido aos carros e à fluidez deles nas vias. Ao longo das últimas décadas, esta visão reducionista de mobilidade acarretou no desenvolvimento de cidades poluídas, caóticas, engarrafadas, barulhentas, segregadoras e com baixa qualidade de vida. 

O cidadão pode se deslocar de diversas maneiras. Para que a mobilidade da cidade seja melhor, é necessário que todas as formas de deslocamento sejam pensadas de forma integrada, assim como as bases do estar e da convivência, que influenciam também na configuração do território. 

De acordo com o artigo 24 da lei 12.587, todos os municípios com população acima de 20 mil habitantes devem elaborar um Plano de Mobilidade Urbana com ampla participação popular e de forma integrada ao Plano Diretor. 

municípios (IBGE, 2000): até 20mil - 73% 
20 a 100mil - 22% 
mais de 100mil - 4%

O Plano de Mobilidade Urbana deve assegurar o desenvolvimento das cidades no âmbito da Mobilidade Urbana Sustentável; ou seja, garantindo que os meios de transporte não motorizados e os modos coletivos sejam prioritários em relação ao modo de transporte individual motorizado. 

A importância desta lei, ao contemplar cidades de diversos portes e diferentes estágios de urbanização, é justamente de antecipar as soluções aos problemas, uma vez que garante o exercício de planejamento apropriado às situações específicas de cada território. Ao contrário das práticas mais tradicionais, que costumam se apoiar em experiências consagradas de grandes cidades, o Plano de Mobilidade Urbana com base nas diretrizes da lei federal se aproxima das realidades locais e de suas verdadeiras demandas. 

O APĒ - Estudos em Mobilidade tem o intuito de se aproximar ao tema da mobilidade urbana em seus mais variados aspectos, relacionando as disciplinas que compõem as diversas formas de pensar as cidades e suas dinâmicas sociais. A intenção do grupo, motivado pela implementação da lei federal de 2012, é compor um repertório capaz de unir diferentes esferas para questionar as maneiras como a mobilidade é pensada, debatida e planejada por seus agentes - tanto os gestores públicos como a própria comunidade. 

A aproximação com o município de Itararé foi motivada por um questionamento: acostumados a lidar, na universidade e no dia a dia, com as questões urbanas das grandes cidades, como levaríamos as inquietações e ideias a uma realidade de outra escala e com outros níveis de discussão? Com colaboração da prefeitura e cidadãos de Itararé, conseguimos realizar este primeiro estudo, que, como esperamos, sirva de base para que a cidade dê os passos para a implementação de um plano de mobilidade condizente com suas especificidades e necessidades. 

O trabalho da equipe se deu em fases, explicitadas ao longo deste documento: caracterização do município por meio de dados secundários - obtidos online pelos sites do IBGE, prefeitura municipal, fundação SEADE, entre outros -, coleta de dados na própria cidade, com realização de audiência pública sobre mobilidade urbana e visitas técnicas ao longo do ano, e, por fim, apontamento de algumas diretrizes a serem levadas em conta para o planejamento da cidade nos próximos anos.

quinta-feira, 26 de março de 2015

A cruzada da intolerância

O estatuto da família, o beijo gay e a Frente Parlamentar Evangélica

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

Fernanda Montenegro e Nathália Timberg protagonizaram beijo no primeiro capítulo da trama Foto: Reprodução / Rede Globo

Em 2013, o deputado Anderson Ferreira do Partido da República - PR de Pernambuco, integrante da bancada evangélica e relator do projeto conhecido como “cura gay”, propôs um novo projeto de lei, o estatuto da família. O Estatuto propõe a redução de direitos hoje concedidos aos homossexuais pelo Poder Judiciário, como a união homoafetiva e a adoção. Além disso, define família como a união entre homem e mulher, por meio de casamento, união estável ou comunidade formada pelos pais e seus descendentes.

O PL deu origem a uma enquete no site do Câmara dos Deputados, que bateu recordes, sendo acessada por mais de 5 milhões de pessoas. Até o presente momento 53,74% dos que responderam à enquete são a favor da definição de família enquanto núcleo gerado da união entre homem e mulher. 

Pautado no princípio bíblico de que Deus 'os fez homem e mulher' e 'por esta razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne', o PL propõe a institucionalização da moral cristã em um país constitucionalmente laico, rejeitando os estudos de sociologia da família. Para a Sociologia, família é um grupo de pessoas unidas por laços de parentesco de dois tipos: vínculos por afinidade, como o casal e consanguíneos, como a filiação entre pais e filhos. Partido deste conceito, nada impede de considerarmos um casal homossexual com filhos adotivos como uma família, tendo em vista que estes preenchem os dois requisitos sociológicos: afinidade e filiação entre pais e filhos.

No último dia 16, Fernanda Montenegro e Nathália Timberg protagonizaram um beijo gay na estreia da novela Babilônia, da Rede Globo. Tal fato causou a revolta da Frente Parlamentar Evangélica - FPE, que divulgou uma nota de repúdio no dia 17. Na nota, a FPE afirma que a Rede Globo afronta os cristãos querendo impor “outras formas de amar” como forma de ataque à “família natural”. Os deputados denominam de “estupro moral imposto pela mídia liberal” e recomendam o boicote a novela e aos patrocinadores dela. Marco Feliciano, deputado federal pelo Partido Social Cristão – PSC e membro da FPE foi além ao relacionar o nome da novela, Babilônia, ao apocalipse, utilizando passagens bíblicas no Facebook. 

Fernanda Montenegro respondeu afirmando que o boicote funciona como uma “caça às bruxas”. Nesta direção, a atriz apontou a radicalização dos pensamentos e questionou a formação de exércitos, fazendo uma correlação aos exércitos evangélicos, como o gladiadores do altar da Igreja Universal do Reino de Deus. E finalizou afirmando que os “conservadores vão ter que nos aturar”.

O desengavetamento do Estatuto da Família e a reação da bancada religiosa ao beijo gay exibido pela Rede Globo expressam uma faceta do avanço do conservadorismo no Brasil representada pela Frente Parlamentar Evangélica. Ao propor a não aceitação da diversidade, a bancada evangélica promove uma verdadeira cruzada da intolerância e representa um risco real a democracia e ao Estado laico. 

Abraços,
Osvaldo.

quarta-feira, 25 de março de 2015

"Você anda muito comunista"

por SANDRO CHAVES ROSSI


Convenhamos que 2015 está sendo um ano insuportável, falo particularmente no que diz respeito ao cenário político nacional. A política está em todos os lugares, desde a televisão com seus tradicionais noticiários, nos movimentos sociais que acontecem nas ruas ou até mesmo naquele post da sua tia reclamando dos petralhas que estão acabando com o Brasil. Não há problema nenhum em se discutir política. O grande problema é como ela está sendo discutida, e isso vem causando uma certa dor de cabeça pra quem é um pouco mais esclarecido sobre alguns assuntos e inevitavelmente acaba caindo no Fla-Flu político. É disso que eu venho falar hoje, ou melhor, desabafar.

Esses dias atrás, eu estava em um dos corredores da faculdade vendo alguns cartazes de um grupo feminista que falavam de violência doméstica. Os cartazes era bem didáticos e mostravam dados da violência doméstica no Brasil e medidas que deveriam ser tomadas caso alguém sofresse tais atos. Um grande conhecido meu chegou do meu lado e disse "agora é moda essa palhaçada de feminismo, né!? Daqui a pouco todas as mulheres vão começar a seguir essa palhaçada e vão ficar com o sovaco peludo por aí". No primeiro instante eu fiquei furioso, porém fui paciente e expliquei pra ele que não era assim que a coisa funcionava. No mesmo dia eu mandei dois textos daqui do blog para ele no Facebook, "Todos por elas. Os desafios do feminismo no século XXI", da Jessica Leme, e "A Querela do Feminismo", da Letícia Santos. Ele visualizou e só me respondeu uns dois dias depois com a seguinte mensagem: "entendo a sua visão esquerdista, mas você está equivocado" e logo me mandou uma imagem de uma militar ao lado de uma ativista da FEMEN com a seguinte legenda: "essa é uma mulher lutando pelos seus direitos, ao lado uma vagabunda com os peitos de fora" - pouparei vocês dessa imagem imbecil. Mesmo com toda a didática das autoras, ele preferiu ignorar e continuar com o pensamento retrógrado de que feminismo é algo ruim, sem nem ao menos saber ao certo o motivo dele achar isso.

Algo semelhante aconteceu em uma pizzaria semana passada enquanto eu esperava no balcão o meu pedido chegar. A televisão estava ligada em um noticiário, quando surgiu uma matéria sobre uma invasão do MST. Um dos clientes que estava no balcão comigo logo esbravejou: "lá vem esses filhotes do PT querendo arrancar as terras dos cidadãos de bem, esses aí tem que expulsar na bala, reforma agrária é coisa de vagabundo". Preferi estragar minha noite e comprei a discussão, falei para o rapaz que a reforma agrária era uma política séria, eficaz e que estava presente na nossa constituição, foi o suficiente pra ele me chamar de petista e falar que a minha "raça" adora passar a mão na cabeça de um vagabundo. Novamente fui paciente e tentei ser o mais didático possível, falei que eu não era petista e que, assim como ele, eu também não concordava com muita coisa no governo federal e logo expliquei a importância da reforma agrária, os perigos que um latifúndio pode trazer e falei da bancada ruralista, que usa sua influência para conseguir vantagens dentro do governo para fortalecer seu monopólio agrário. Infelizmente não foi o suficiente, o rapaz disse que esse tipo de política "sem vergonha" não existia nos países desenvolvidos, então retruquei dizendo que os Estados Unidos eram e são o país que mais faz reforma agrária no mundo, desde a criação da lei da reforma agrária em 1862, feita por Abraham Lincoln. O cliente pegou o seu pedido, foi embora e ainda disse "petista acha que só porque uma coisa funcionou lá fora, vai funcionar aqui também, eu tenho dó dessa raça".

Eu tenho um amigo que manda quase toda semana alguma corrente anti-PT no whatsapp. A última delas foi sobre o pedido de impeachment das manifestações do dia 15 de março. Dessa vez eu não falei nada, preferi não gastar energia para falar de algo com alguém que acredita em correntes virtuais, porém um outro amigo meu, que também está nesse grupo, puxou esse assunto na roda de conversa enquanto tomávamos uma cerveja num boteco aqui por perto. Para ele, o aumento do dólar e da gasolina eram motivos suficientes para pedir impeachment da presidenta e que, se o Fernando Collor caiu em 1992, ela também deveria cair. Entendi a indignação do meu amigo, mas fui contra a sua opinião e expliquei que era muito diferente pedir impeachment por um péssimo governo ao invés de um motivo concreto, como foi o caso do Collor em que houve comprovação de atos de corrupção feitos por ele. Eis que meu amigo diz "Sandrão, você anda muito comunista". Fiquei sem reação e pedi para ele explicar o motivo de ter dito aquilo. Ele disse que me chamou de comunista porque eu estava defendendo muito o PT e que era desnecessário fazer isso. Fiquei tão indignado que não quis falar mais nada, era meu amigo, não comprei a briga. Mudei de assunto.

Posso citar mais algumas vezes em que algo parecido aconteceu, porém vou ficar por aqui. Por que? Porque eu sei que você que está lendo esse texto já deve ter passado por isso. Se ainda não passou, vai passar. Estamos falando de pessoas que te chamam de "esquerdista", "petista" e "comunista" sem ao menos saber se você realmente é isso ou até mesmo o que esses termos significam. Estamos numa turbulência política em que muitos se negam a ver o que está certo ou errado. Claro, não sou dono da verdade, estou muito longe disso, porém quando se lê bastante sobre determinados assuntos e se tem argumentos para afirmá-los, se espera que eles sejam rebatidos com novos argumentos e não com acusações rasas. Em pleno 2015, mais vale a pena ser um comunista esclarecido do que um cidadão de bem que passa raiva toda vez que liga a televisão.

terça-feira, 24 de março de 2015

Transgênicos, MST e a esfera prateada

Qual é o mal que eles nos fazem

por LUCAS SANTOS*



A indústria de gêneros alimentícios pode ser tomada como uma das de maior importância dentro de um panorama não apenas nacional, mas global, visto que todos os indivíduos precisam comer e beber. Pouco se discute, porém, a respeito do que está chegando às mesas, dado o distanciamento existente entre o produto e o consumidor, afinal o último não tem relação nenhuma com os processos pelos quais passam o primeiro antes de sua chegada às prateleiras dos supermercados.

Hoje nos deparamos com um quadro de produções em larga escala de produtos diversos, propiciado por uma série de desenvolvimentos atingidos a partir das revoluções industriais, o que em tese poderia acabar com diversos problemas relacionados à alimentação, visto que, quando se produz muito, o preço tende a cair, o que possibilitaria o acesso de mais pessoas a esses bens de consumo. O sistema capitalista industrial, porém, não tem como fator motivador a questão social e sim a geração de capital, a qualquer custo que não traga prejuízo aos detentores de meios de produção.

O que acontece, então, é algo naturalizado dentro do sistema, buscam-se formas de produzir que sejam mais baratas, o que no caso específico significa inicialmente o corte da mão-de-obra e o desenvolvimento de meios para se produzir mais do que a capacidade física do território sem a necessidade de anexação de mais áreas para produção.

A Segunda Grande Guerra trouxe, a partir do ideal de eugenia alemão, a possibilidade de desenvolvimento de pesquisas de grande porte ligadas às ciências biológicas, principalmente no que diz respeito à genética.

Se aproveitando dessas novas possibilidades, não apenas o setor acadêmico pôde atingir novos patamares, mas também o industrial e, podemos citar aqui, o de gêneros alimentícios como maior beneficiado, pois a partir deste contexto surge a Monsanto, empresa que durante os conflitos armados tinha como responsabilidade o desenvolvimento de armamento e em um período posterior se tornou responsável pelo desenvolvimento de “otimizadores de produção”, como adubos químicos e pesticidas, mas não só por isso, pois também pelo investimento em pesquisas para criação dos chamados transgênicos.


O transgênico consiste basicamente em uma planta que tem suas estruturas genéticas alteradas para que, por exemplo, um pé de milho, que poderia em sua forma natural produzir de duas a três espigas, passe a poder produzir até seis. O preço que se paga por essa maravilha da ciência contemporânea, porém, é pouco comentado.

Quando uma planta tem sua estrutura genética alterada ela perde parte de sua composição natural que contém, por sua vez, os chamados aminoácidos essenciais, estes responsáveis pela manutenção do funcionamento de nosso metabolismo, ou seja, estes são nossos verdadeiros alimentos, visto que a massa que ingerimos ao comer passa por processos bioquímicos que convertem estes aminoácidos, além das fibras, vitaminas, minerais e proteínas, em energia, logo, ao consumirmos um produto transgênico, estamos ingerindo algo que passará por todo o processo metabólico e terá sua maior parte descartada, o que pode, em longo prazo, gerar a carência de algum componente acarretando doenças ligadas à alimentação.

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) é abertamente contrário ao desenvolvimento e produção dos transgênicos, não apenas pelos fatores já citados, mas também por uma causa sócio-trabalhista, afinal o transgênico foi pensado para a produção em larga escala, o que implica na manutenção de estruturas como o latifúndio e a monocultura, que trazem consigo prejuízos já conhecidos por nós, visto que desde o período colonial estas mesmas estruturas organizam nossa política de produção.

Podemos notar, porém, o abafamento desses fatores, inclusive pela grande mídia que, mesmo tendo concessões do governo, que implicam em tese na prestação de serviço social, insiste, por jogo de interesses, em demonstrar essa produção como algo positivo. O que se exemplifica pelo episódio, onde o âncora e redator número um do Brasil, atuante na esfera prateada, apresentava como um crime a iniciativa do MST de acabar com algumas mudas de pinus transgênico, apontando os anos de pesquisa incansável como único argumento.


O que busco aqui é apenas a realização de uma reflexão, para que não se taxe um movimento com causas válidas como conspiratório.


* Lucas Santos é acadêmico do 5º semestre de História nas Faculdades Integradas de Itararé.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Professores em Itararé desafiam truculência do governo do estado

Apesar das tentativas de desestabilização, movimento só tem crescido desde a segunda-feira, quando a greve foi deflagrada

por MURILO CLETO


Desde o dia 13 de março, os professores da rede pública estadual de São Paulo estão em greve, conforme decretado em assembleia pela Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo. 

Em 2015, o Ministério da Educação anunciou que o piso nacional para professores seria reajustado em 13,01%. Apesar da medida, o governo do estado se negou a reajustar o salário dos docentes este ano. O argumento oficial da Secretaria de Estado da Educação é o de que o piso estadual é 26% superior ao nacional. O problema é que em 2009 a diferença era de 59%, o que só demonstra a desvalorização da categoria. De acordo com o Dieese, se não houver recuperação do piso salarial de São Paulo, a remuneração do professor do estado mais rico do país será menor do que o piso já em 2016. 

Para alcançar equiparação aos demais profissionais com ensino superior, conforme prevê a meta 17 do Plano Nacional da Educação, o reajuste deveria ser de 75,33%. Com uma ação no Supremo Tribunal Federal, a APEOESP reivindica também que o governo do estado cumpra a jornada do piso, que determina um terço da carga horária para atividades extraclasse.

Além disso, os professores da rede reclamam da falta de materiais nas escolas, do corte de investimentos para sua manutenção e da redução de coordenadores pedagógicos nas unidades. Professores da categoria "O", temporários, são forçados por lei a uma "folga" de 200 dias, que não lhes permite lecionar na rede durante o período. Com o fechamento de 2.700 salas, a superlotação virou uma realidade constante.

Em artigo publicado em setembro, Osvaldo Rodrigues Junior trouxe números pesados a respeito da qualidade do ensino em São Paulo: 10º lugar no ranking de investimentos na Educação no país; 7º no de aprendizado, com 46% dos alunos aprovados sem aprender; e o pior resultado do Ensino Médio no SARESP de 2014 em 6 anos.

Até a sexta-feira, dia 20, a APEOESP contava com a adesão de 60% dos professores da rede. Displicente, o Secretário de Estado da Educação afirmou que o não comparecimento às escolas era de apenas 4% na quinta-feira, índice considerado dentro da média, levando em consideração faltas abonadas, médicas e injustificadas.

Em Itararé, o movimento começou discreto. Na segunda-feira, o professor Samuel de Lara cruzou os braços em apoio ao movimento. Em seguida, Ricardo Xavier Cordeiro protocolou a adesão. Os dois professores participaram do ato realizado pela APEOESP em São Paulo, na sexta-feira. Com o desenrolar da semana, a greve ganhou o ingresso maciço dos professores da E. E. Heitor Guimarães Côrtes, que têm percorrido as demais escolas da região, realizado encontros com docentes interessados e discutido o tema em veículos locais de comunicação. A última informação é a de que 30 professores já oficializaram a paralisação no município.


De acordo com o prof. José Geraldo da Mota Junior, a maior dificuldade do grupo é a aceitação dos dirigentes. "Tem escola em que nós não podemos nem passar perto", disse, como é o caso da Escola Estadual Prof. Caetano Carbone. Com a proibição da entrada nas unidades escolares, a comunicação com os colegas fica muito difícil. Para driblar o isolamento, foram criados fóruns no Facebook e no Whatsapp em que os docentes discutem as próximas ações e tiram dúvidas uns dos outros.

O professor Sandro Azevedo, um dos articuladores do movimento na cidade, argumenta que o principal motivo de impedimento dos professores que desejam aderir à greve é o medo de retaliações do governo: "os profissionais da categoria 'O' recebem ameaças de que terão seus contratos rompidos". Para desconsiderar a paralisação, as escolas estão chamando professores desempregados ou estudantes ainda na graduação para substituir os grevistas. Aqueles que se recusam a substituir os companheiros em greve são coagidos com ameaças de que podem perder projetos que executam nas unidades, como o Mais Educação e o Professor Auxiliar. Muitos ouvem que não serão mais chamados em caso de declínio.

Para juristas, a substituição de profissionais grevistas é ilegal. Como não há lei específica para greve no setor público, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que vale a legislação vigente para os que atuam na iniciativa privada. Desta forma, a Lei 7.783/83 determina que "é vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento”. O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo já se posicionou sobre a nulidade da contratação de substitutos durante a greve:

GREVE. PEDIDO DE NULIDADE DAS CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS. ACOLHIMENTO. A conduta patronal que inviabiliza o exercício do direito de greve e assim se configura a de contratar trabalhadores substitutos, viola o direito fundamental de realizar a greve como meio de resistência e reivindicação. Como nenhum direito se reveste de caráter absoluto, a lei regente do direito de greve atribui ao Poder Judiciário a definição das medidas que garantem, em cada caso, a prestação dos serviços que devem atender às necessidades inadiáveis da comunidade (art. 12). Não tem eficácia jurídica, portanto, a norma interna que, preventivamente, autoriza as diretorias regionais a contratar trabalhadores substitutos em hipótese de greve (TRT 2-SP. Acórdão nº 01228.2008.003.20-00-2. Publicado em 12.01.2010. Relator: Des. Augusto César Leite de Carvalho. Votação unânime) (grifamos).

"Na minha escola, hoje de manhã (sexta-feira, dia 20) só tinha um professor trabalhando e não tinha eventual nenhum para substituir os demais. A escola vai insistir em dizer que está tendo aula, mas praticamente não tem aluno de manhã e à noite. A meia dúzia que foi pela manhã estava pelo pátio", sustenta a professora Thaís Karina Rodrigues Santos. De acordo com o professor Daniel Bonin Barreto, é bem provável que os eventuais fiquem sem receber por essas aulas dadas.

Solidários ao movimento, os alunos já estão aderindo. A professora Márcia Braga diz que os estudantes a comunicaram que estão cruzando os braços diante da presença dos eventuais, em sinal de protesto. Outros, ainda, estão se retirando após pedir licença.

Em 2015, Geraldo Alckmin promulgou o reajuste do próprio salário em 4,7%. Seus vencimentos passaram de R$ 20.662 mensais para R$ 21.631. No dia seguinte ao anúncio da paralisação, o governador afirmou: "todo ano é essa novela".

Os próximos dias prometem mais capítulos. Hoje, por exemplo, tem um: alunos da Escola Estadual Heitor Guimarães Côrtes programaram protesto para as 12h, em frente à unidade escolar. Na quinta-feira, dia 26, acontece outro: às 13h30, na praça Matriz, com passeata rumo à Diretoria Regional de Ensino.

Abraços,
Murilo

quinta-feira, 19 de março de 2015

A partilha do prejuízo

por CLÓVIS GRUNER*


O governo Dilma acabou? Há chances de que sim. E não me refiro ao mandato, como desejam boa parte dos que foram às ruas no último domingo. Por outro lado, o desejo dos manifestantes tampouco importa à oposição, bem mais interessada em – nas palavras do senador tucano Aloysio Nunes – fazer “sangrar o governo” pelos próximos anos e garantir em 2018 a eleição de algum nome, qualquer nome, sem a exigência de apresentar algum projeto ou mesmo um mísero programa para o país. Isolado e acuado por aliados cujos interesses fisiológicos suplantam os políticos; em confronto aberto com um Congresso abertamente hostil; na mira de uma imprensa e mídias dispostas a assumirem a função de oposição; e, por fim, sitiado por uma oposição pouco ou nada disposta ao diálogo, o segundo mandato de Dilma Rousseff começou frágil, sem força e, parece, sem rumo. 

Reforça a sensação de fragilidade uma situação econômica hoje pouco favorável, a dar claros sinais de que o modelo social desenvolvimentista que caracterizou as gestões petistas está esgotado. A situação não é nova: ela já se desenhava no cenário eleitoral de 2014 sem que, naquele momento, nenhuma das duas forças partidárias que polarizaram o embate (porque, a rigor, debate não houve), apresentasse qualquer alternativa a uma crise que desde o começo deste ano deixou de ser uma possibilidade.

Vistas sob este prisma, as manifestações do último domingo foram em grande medida decorrência de um ambiente público marcado por uma hostilidade e despolitização crescentes. A polarização extrema, potencializada após a eleição e a posse de Dilma, foi estimulada pela percepção, cuidadosamente construída, de que não apenas a corrupção é nosso maior problema, mas que ela começou com o PT, e terminará com ele. Uma falsa percepção, por certo. Mas contribuiu para a eficácia do discurso midiático e oposicionista a convivência e conivência dos seguidos governos petistas com os desmandos principalmente na Petrobras. A investigarem e barrarem os inúmeros desvios na estatal, o que poderiam ter feito já em 2003, o PT repetiu exatamente a política dos governos anteriores. E paga agora um preço altíssimo por isso.

Contra a democracia – Mas não o paga sozinho. À “demonização” do PT seguiram-se a desqualificação da esquerda, jogada toda ela em uma espécie de vala comum do anti-petismo, e a negação da política. Atravessada pelo ódio e o ressentimento, tornados os principais, senão os únicos de seus afetos, ela deixou de ser a responsável por organizar e regular o convívio entre diferentes, condição fundamental a uma convivência democrática. As demonstrações de uma apenas suposta minoria que no domingo reivindicou, com faixas, cartazes e discursos inflamados e de inteligência rasa, não apenas o impeachment de Dilma, mas uma intervenção militar e o retorno à barbárie do autoritarismo, organizam um sentimento até recentemente disperso.

O esforço em tentar emprestar às manifestações um caráter mais plural e menos classista – houve quem as aproximasse às manifestações de junho de 2013 –, esbarra em uma dificuldade. Ainda que nem todos os que protestaram contra o governo e a corrupção concordem com os discursos extremistas, foram justamente os extremistas que monopolizaram mídias, noticiários e redes sociais. Eles encontraram nas ruas de domingo um terreno fértil onde fazer aparecer seus discursos de ódio, suas palavras de ordem autoritárias e seu incontido desejo de violência antes restrito ao ambiente virtual, notadamente o Facebook e as caixas de comentários de blogs. A reação do governo foi, mais uma vez, tímida, incapaz de compreender e responder a complexidade e a gravidade do que está a acontecer. E não podia ser diferente.

Na abertura de seu “Imobilismo em movimento”, Marcos Nobre chama a atenção para o fato de que, à consolidação da democracia em seus aspectos formais não correspondeu, necessariamente, “uma vida política substantivamente democratizada”. “A democracia no país (...) é ainda muito pouco democrática de fato”, afirma. Para além dos aspectos formais, a democracia “é uma forma de vida que se cristaliza em uma cultura política pluralista, organizando o próprio cotidiano das relações entre as pessoas”. A abertura política e o processo de redemocratização foram insuficientes para superar décadas de repressão sistemática a movimentos sociais e populares, historicamente confrontados com um “um sistema político montado de maneira a marginalizar a grande massa da população”. Esperava-se que um governo de esquerda, liderado por um partido cujas origens e trajetória estão indissociavelmente ligadas aos movimentos sociais, criaria outras formas de fazer política, criando uma atmosfera propícia ao fortalecimento desta democracia mais participativa e pluralista. Não foi exatamente o que assistimos. 

O ovo da serpente – Algumas facetas da experiência petista de governo corroboraram, ainda que por caminhos distintos, essa política de marginalização. Sempre em nome da governabilidade, Lula e Dilma Rousseff garantiram a manutenção do “peemedebismo” como principal força de sustentação do governo, e aceitaram manter praticamente intocadas as estruturas políticas que, ao falar em nome da maioria, perpetuam seu silêncio. Ao falar e agir em nome de “parcelas historicamente marginalizadas da política institucional, por ter se tornado o representante do ‘povão’ dentro de um sistema tradicionalmente inacessível a essa maioria da população”, o PT colaborou para a reprodução de uma histórica despolitização da sociedade brasileira. 

Para isso valeu-se, principalmente, da estabilidade econômica e de políticas distributivas que permitiram, de maneira inédita, elevar os padrões de vida e de consumo de parcelas significativas da população. Mas as políticas de distribuição mal disfarçaram um movimento de aproximação e mesmo incorporação ao governo de forças e lideranças conservadoras, culminando com a nomeação de Joaquim Levy, Cid Gomes e Katia Abreu para compor o atual ministério; a indiferença frente ao avanço dos grupos religiosos fundamentalistas, hoje detentores de um número expressivo de cadeiras no parlamento e muito à vontade para pautar parte da agenda do governo; e a desmobilização de movimentos sociais e populares, relegados a uma posição coadjuvante quando não criminalizados, perseguidos e duramente reprimidos. 

O paradoxal é que a mesma política responsável por diminuir os índices de desigualdade serviu também de esteio ao recrudescimento do conservadorismo em sua face mais brutal, presente nos muitos discursos de ódio contra os movimentos sociais e as chamadas minorias, e tornada protagonista nas manifestações de domingo. Se há alguma possibilidade de reverter esse quadro a curto prazo, ela passa pelo governo e o PT admitirem seus muitos equívocos, e por uma reaproximação às forças progressistas a quem ambos, governo e PT, deram as costas. Mas o PT não assumirá a responsabilidade pelos seus erros e nem o governo pretende, ou pode, renunciar facilmente às alianças que lhe garantem ainda o mínimo de sustentação. Para ambos, parece, a esquerda neste momento serve apenas para a partilha do prejuízo.


* Clóvis Gruner é doutor em História e professor do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Lei do feminicídio e a aposta no encarceramento

por LETÍCIA SANTOS


No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a Presidenta Dilma Rousseff realizou um pronunciamento e, entre outras coisas, anunciou a Lei 13.104/2015, a Lei do Feminicídio.

A referida Lei, que já havia sido aprovada no dia 03 de março na Câmara dos Deputados, incluiu o homicídio praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino entre as hipóteses de homicídio qualificado. Haverá essa motivação quando a conduta envolver “violência doméstica e familiar” e “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, e também incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos (Lei 8.072/90).

A mudança foi muito comemorada por deputadas e senadoras e, inclusive, por muitas feministas. Mas, afinal, quais serão as efetivas mudanças trazidas com a criminalização do feminicídio?

O artigo 121 do Código Penal, em seu inciso II, caracteriza como homicídio qualificado aquele praticado por motivo fútil (torpe), com pena de reclusão de 12 a 30 anos. Nessa hipótese o homicídio em razão de gênero se encaixa perfeitamente. E todo homicídio qualificado é crime hediondo.

Os crimes hediondos, que são aqueles punidos com maior severidade, são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança. E a progressão de regime acontecerá apenas após o cumprimento de 2/5 da pena, se o apenado for primário, e de 3/5, se reincidente. Na progressão de regime o condenado que obedecer aos requisitos legais poderá passar de um regime mais rigoroso para outro menos rigoroso (do fechado para o semi-aberto e deste para o aberto). O objetivo é a ressocialização, preparar o apenado para uma vida digna fora da penitenciária, no entanto não é isto que acontece na prática: a maioria das penitenciárias não oferece trabalho para os presidiários, que é um dos requisitos para progressão de pena, pelo contrário, como sabemos, em nossas penitenciárias super lotadas os direitos humanos são violados constantemente.

A grande maioria da população tem uma visão ingênua de que com o Direito Penal pode-se resolver todo o tipo de problemas, como bem comparou Michel Foucault o sistema punitivo com um médico que “para todas as doenças, tem o mesmo remédio”.

Antes de recorrer ao Direito Penal devemos ter em mente que o sistema punitivo não cumpre com uma de suas principais funções, que é a de ressocializar. Pelo contrário, apenas pune. Recrudescendo os mecanismos de sanção produz-se a falsa ideia de que o reforçamento do poder repressivo é a resposta adequada ao delito. E assim, temos um trabalho de Sísifo, personagem da mitologia grega, condenado a repetir sempre a mesma tarefa. Para os problemas da aparente impunidade e da violência são elaboradas mais leis, mais severas, como a Lei dos Crimes Hediondos, como uma resposta para a queixosa população. Esta se vê satisfeita com a sensação de segurança, mas como os criminosos recebem um tratamento desumano nas penitenciárias, voltam para o crime e, assim, temos a quarta maior população carcerária do mundo. Nossas penitenciárias são como um depósito de gente, empurramos para dentro delas os opressores e autorizamos que eles se multipliquem e se espalhem. E assim como Sísifo, condenado a empurrar uma pedra até o topo de uma montanha, sendo que toda vez que alcançava o topo a pedra rolava montanha abaixo, sempre retornamos ao nosso ponto de partida, a aposta no encarceramento exacerbado, que até hoje não resolveu o problema da violência.

A criminalização não previne nada. Fosse assim não existiriam condutas penais que se adequassem aos tipos penais mais antigos. Nosso País é o segundo que mais prendeu em 15 anos, mas continua sendo recordista mundial de homicídios, como foi noticiado pelo site Carta Capital. Também é de suma importância ressaltar outro grande problema, a existência de mulheres que passam frequentemente por revistas vexatórias quando vão visitar seus parentes presos. Humilhações que aumentarão com mais essa aposta no encarceramento.

A lei dos Crimes Hediondos foi pensada e promulgada em clima de grande emocionalismo, após o sequestro dos empresários Roberto Medina e Abílio Diniz, onde os meios de comunicação de massa atuaram decisivamente, assim como a Lei do Feminicídio foi aprovada em um momento conturbado politicamente e de baixa popularidade do atual governo. Espera-se que os discursos feministas não se incorporem aos discursos de legitimação do poder punitivo extraídos do senso comum. 

Como dizia Emile Durkheim, a sanção penal está sendo chamada para “curar as feridas feitas nos sentimentos coletivos”, o que não deve ocorrer, pois uma lei deve ser pensada ou reformada estrategicamente, não alterada de maneira irracional, para atingir fins meramente políticos. 

O Direito Penal não tem força preventiva e o nosso esforço para evitar que mulheres morram não deve se concentrar aqui. Temas como a violência contra a mulher devem ser colocados em pauta, discutidos e problematizados pela sociedade. A mudança tão almejada de uma cultura machista para uma sociedade igualitária vem acontecendo em gotas, mas insistir no poder punitivo como resposta e buscar socorro em um sistema prisional fracassado não é, nem de longe, a solução. 

terça-feira, 17 de março de 2015

Os “salvadores da pátria”

Desinformação, ódio e inconsciência

por LUIS FELIPE MACHADO DE GENARO


O dia 15 de março foi um dia histórico. Não há dúvidas quanto a isso. Infelizmente, nos registros e anais da História, não será lembrado como um momento onde os problemas do país pareciam mais próximos de serem solucionados. Muito menos será marcado como um dia onde a sociedade brasileira acordou de um sono profundo, mais consciente e crítica a respeito de seus problemas. 

Os gritos “Fora Dilma” e “Fora PT” nas avenidas dos grandes centros, muito além de um antipetismo por vezes compreensivo, agrega outros sentidos e conotações. Eles são a expressão de setores da sociedade que arrastam há 500 anos a infame herança da Casa-Grande e os grilhões da mentalidade dominante. 

No dia 15, muito além do descontentamento com o governo Dilma Rousseff, a gritante despolitização e inconsciência nacional colocaram, nas palavras do jornalista Mino Carta, a cretinização em marcha. A maioria crê, por exemplo, que o Partido dos Trabalhadores carrega a marca de um socialismo soviético ou cubano, ou que viveríamos em uma “ditadura de esquerda”. Oras, estariam todos marchando, alegres e felizes, caso isso fosse real? Não estariam todos trabalhando forçadamente no gulag dos trópicos? Quiçá um paredón... 

A gestação desse pensamento retrógrado se inicia nos veículos de comunicação, principalmente nos telejornais e blogs. O raivoso Reinaldo Azevedo, colunista da Veja; Rachel Sheherazade, âncora do jornal do SBT; Arnaldo Jabor, comentarista do jornal da Globo; e José Luis Datena, com seu Brasil Urgente, são exemplos caricatos. Sujeitos que, entre discursos reacionários e preconceituosos, maquiados de uma pseudo-superioridade intelectual, manipulam milhões. 


A quantidade de faixas pedindo a “volta dos militares”, diga-se de passagem, era lamentável. Muito além de um conservadorismo intrínseco, a burrice mais clara e a ignorância mais atordoante, ainda se acredita que durante a ditadura deflagrada em março de 1964, “não havia corrupção” e que tudo estava “em ordem”. Lembremos que à época, tal ordem era imposta com lágrimas e sangue. 

Hoje, a desinformação rola solta. Culpa, diria, do próprio PT. Lula só começou a falar de democratização e regulamentação da mídia quando se apartou da presidência. Se o projeto já existia em mentes petistas, por quais razões não levantou sua bandeira desde o início? 

Aos que marcharam, o programa Bolsa Família, por exemplo, que visa redistribuir uma renda há 500 anos concentrada nas mãos de poucos, é um dos principais “atrasos do país”. As cotas raciais são “inúteis” e é preciso privatizar (dar aos EUA) a Petrobrás. Reflito se isso seria apenas desinformação. 

O que isso significa se não falta de aulas de história, sociologia e filosofia? Falta de interpretação e compreensão? Não precisamos nos aprofundar muito, já que um simples livro didático resolveria o problema. 

Recordo que durante as Jornadas de Junho de 2013, que entre semelhanças e diferenças se afastam da marcha de domingo, a imprensa nativa acusava as manifestações de “ineficazes”, “protestos sem causa”, já que seus alvos variavam. De fato, as Jornadas representaram o levante da nova direita e renovação da esquerda, ambas com múltiplas pautas. O que significa, no entanto, sair às ruas contra a “corrupção”? Há algo mais pulverizado que isso? A Globo, no entanto, sequer questionou as origens da marcha – abraçou-a. 

Sabem os salvadores da pátria que a corrupção no país é sistêmica, estrutural e histórica? Sabem eles que a “fundação” do feudo-Brasil foi baseada na exploração, escravidão e estratificação social? Ou realmente acreditam que a corrupção se iniciou apenas com a subida de Lula ao poder? 

O que existe na verdade, e isso poucos querem admitir, é a repulsa pelas classes baixas, desfavorecidas e achincalhadas deste país – classes que o PT favoreceu e estendeu a mão, mas que hoje o governo Dilma dá de ombros. 


O município de Itararé não poderia deixar de marcar presença. O que mais resta de uma comunidade interiorana onde setores de “influência” se dividem entre fofoqueiros e falsos jornalistas, desocupados e ladrões, enquanto uma minoria tenta esclarecer, conscientizar e mobilizar itarareenses, do centro às periferias? Não muita coisa. 

Hoje, em todo o Brasil, reinam o ódio e a desinformação. A esquerda, dividida, parece desorientada. Enquanto isso, eles dominam tudo e todos de forma rápida. Sobre aqueles que incitam e sustentam tamanha canalhice, o historiador José Honório Rodrigues comentou em sua obra Conciliação e Reforma no Brasil: “A minoria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogressista, antinacional e não contemporânea”. 

As inúmeras fotos, cartazes e bandeiras do dia 15 evidenciaram que centenas de milhares de brasileiros também o são. Entre penalaços no Morumbi, camisetas da CBF e o autismo de Brasília, que Marx nos ajude... 

*As charges são de Vitor Teixeira (https://www.facebook.com/vitortegom).

segunda-feira, 16 de março de 2015

Vivendo à la Dom Quixote

Como um dos grandes clássicos da literatura pode nos ajudar a encarar a realidade

por LUISA DE QUADROS COQUEMALA


Assim que terminei de ler minha simples, porém bela, edição de O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote da Mancha, tive certeza de que Dostoiévski estava mais do que certo quando afirmou: "Não existe nada mais profundo e poderoso do que este livro. Representa até hoje a mais grandiosa e acabada expressão da mente humana. Se o mundo acabasse e no Além nos perguntassem: 'Então, o que você aprendeu da vida?', poderíamos simplesmente mostrar o D. Quixote e dizer: 'Esta é a minha conclusão sobre a vida. E você? O que me diz?'."

Não consigo ler e interpretar o Dom Quixote de outra maneira que não quixotescamente. Minha mente errante, em pleno século XXI, não é capaz de encarar esta maravilhosa obra apenas como uma paródia cavalheiresca, mas sim como uma lição de vida que veio do início do século XVII para abrasar nosso desconsolado tempo.

E o que é que eu fui ver de tão didaticamente maravilhoso em um doidivanas? A meu ver, Dom Quixote é muito mais do que um louco cuja missão é sair mundo afora de maneira errante. Para mim, o Cavaleiro da Triste Figura representa uma reação frente ao mundo, aquela bela atitude de encontrar esperança e beleza na descrença – no maior estilo do judeu Guido, protagonista de A Vida é Bela.

Nas suas confusões de moinhos com gigantes, de paragens com castelos grandiosos, e ao acreditar fielmente que seu cavalo magro e fraco, Rocinante, é um belo garanhão, Dom Quixote faz do mundo desencantado com a cavalaria um lugar mágico e, com certeza, mais interessante. Vejo nele o que não vejo em outros: a luta por um ideal maior, um inconformista em meio à mesmice.

Isso ainda é válido hoje. Em um mundo onde tudo é cada vez mais preto e branco, pessoas que vivem à la Dom Quixote, que lutam e acreditam em seus ideais, por mais contrariados que sejam, têm, com certeza, uma posição admirável. Tais pessoas, que acordam todos os dias em busca de um mundo melhor, vestem diariamente sua armadura e saem à luta – o preço, provavelmente, é ser visto como louco, como alguém que confunde coisas ditas insignificantes com grandes gigantes, que, diz-se, repara nas miudezas “desnecessárias” do cotidiano. Mas, são justamente essas pessoas que mudam o mundo através de seus sonhos e pensamentos quixotescos. 

E as mudanças, mesmo que pequenas, ainda deixam aquele rastro de esperança atrás de si. Porque D. Quixote errou – errou muito e errou feio. Mas é inegável a impressão que deixa ao passar. E quem sabe, um dia, não inspire outros a sair por aí atrás de seus ideais? Sancho Pança se irritou e machucou, mas é notável sua permanência ao lado (acima de tudo) amigo.

Tento interpretar Dom Quixote da mesma maneira como ele se coloca diante da realidade: romanticamente – o que não significa, de maneira alguma, ingenuamente. Assim é que, para mim, ele consegue ser a resposta para a estranha experiência de existir: apesar dos golpes e decepções da vida, acordamos sabendo que é necessário seguir em frente, fazendo nossa parte em busca de um mundo melhor. Sermos tristes figuras, mas com brilho nos olhos.

domingo, 15 de março de 2015

Ato contra o PT reúne 20 pessoas em Itararé

por MURILO CLETO


Em meio às manifestações que levaram 1 milhão de pessoas à Avenida Paulista, em São Paulo, e milhares em outras cidades do país, cerca de 20 itarareenses reuniram-se na Praça Adhemar de Barros para protestar contra o governo Dilma e o PT, após convocação do jornalista Hélio Porto nas redes sociais. 

Acompanhados por um carro pintado de verde e amarelo que pedia intervenção militar, e liderados por uma faixa com os dizeres #ATITUDE, os manifestantes entoaram o hino nacional e desceram a principal rua da cidade em direção ao ponto final do ato, em frente ao Tiro de Guerra.

Durante o trajeto, foram executados os gritos "fora Dilma", "fora PT" e "fora quadrilha do PT". Confira as fotos.





  

quinta-feira, 12 de março de 2015

A mão que apedreja é a mão que foi afagada

A greve dos caminhoneiros, o “panelaço”, as manifestações do dia 15 de março e o processo de “sangramento” de Dilma Rousseff

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

Propaganda da manifestação do dia 15 de março

Em 1970, Salvador Allende foi eleito presidente do Chile pela coligação de esquerda Unidade Popular. Allende nacionalizou as minas de cobre, transferiu o controle das minas de carvão e dos serviços de telefonia para o Estado, aumentou a intervenção estatal nos bancos e realizou a reforma agrária. Em dois anos Allende reduziu a mortalidade infantil e fez o PIB crescer 8% contra 2,7% entre 1969 e 1970.

Porém, havia um problema. O socialismo democrático proposto por Allende esbarrava em um contexto de Guerra Fria, em que não era interessante, tanto para os setores dominantes chilenos, como para os Estados Unidos, a consolidação de um regime socialista. Desta forma, em 1972 o golpe começou com a paralisação dos caminhoneiros. Revoltados com a nacionalização de uma empresa transportadora do extremo sul do país, em Aysen, e financiados pela CIA, os proprietários de caminhões cruzaram os braços causando uma crise de abastecimento que permitiu a adesão ao golpe por boa parte da população chilena. 11 meses depois, no dia 11 de setembro de 1973, aviões sobrevoaram e bombardearam o Palácio de La Moneda. Allende se suicidou e o Chile mergulhou em uma ditadura que perdurou até a década de 1990 e matou mais de 3 mil pessoas.

A Guerra Fria terminou em 1989 com a queda do Muro de Berlim e o fracasso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, porém as estratégias para desgastar governos parecem não ter mudado. A greve dos caminhoneiros, por conta do aumento do preço do diesel e pelo aumento dos valores dos fretes, chegou a paralisar 124 trechos em 14 estados do Brasil. Liderada por empresários, culminou com a sanção da Lei dos Caminhoneiros, sem vetos da presidente, no último dia 2 de março, mas o desabastecimento e aumento nos preços de alimentos e outros itens básicos desgastou ainda mais o “exitante” governo Dilma. 

No último domingo, 8, a presidente marcou um pronunciamento, que, apesar de direcionado ao Dia Internacional da Mulher, teve como grande objetivo tentar “acalmar os ânimos”. No discurso, a presidente procurou explicar o momento de recessão e a necessidade de esforços de todos para que possamos superar o momento. Palavras vazias em um cenário cada vez mais complicado. Concomitante a isso, foi promovido um “panelaço” convocado pelas redes sociais. 

No próximo domingo, 15, acontecerão manifestações contra a presidente Dilma por todo o Brasil. Aclamadas por grupos como o “Vem pra rua”, composto por jovens empresários liberais, que propõe o enxugamento do Estado e a entrega da economia ao mercado financeiro; o “Movimento Brasil Livre” – MBL -, que defende o impeachment mesmo mediante a entrega do poder ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB -, visto pelo grupo como corrupto; os legalistas, favoráveis à intervenção militar e ao retorno aos “anos de chumbo”; e o “Revoltados”, grupo oriundo das redes sociais, que destila ódio e vende o kit manifestação com camisetinha, boné e adesivos pró-impeachment. As manifestações têm o objetivo claro de desgastar ainda mais a imagem da presidente Dilma.

Charge de Alpino

Neste contexto de crise profunda do governo do Partido dos Trabalhadores, líderes da oposição dizem que não são favoráveis ao impeachment, mas ao processo de “sangramento” de Dilma Rousseff. Infelizmente, deve-se admitir que a tática esta dando certo em muito por conta da grande inabilidade política do Partido dos Trabalhadores para lidar com o contexto de crise política, conforme Lino Bocchini.

Enquanto Dilma continua a “satisfazer as elites”, rejeita totalmente o seu slogan “Muda Mais” e os votos que a reelegeram para governar o país. Apesar do discurso, em partes correto, de que as manifestações contra a presidente vêm de parcelas da elite da classe média alta, o risco de elas “se alastrarem” para as camadas populares é gigantesco. Isso, por que enquanto aumenta as taxas de juros favorecendo os banqueiros e a elite, são os trabalhadores os grandes afetados pelo “ajuste fiscal”. São eles que pagam o preço dos aumentos da inflação e consequentemente de produtos alimentícios, os aumentos incessantes das tarifas de luz e deverão pagar o preço mais caro do desemprego, que deve aumentar segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT. O que quero dizer é que não estamos pagando a conta do “petrolão”, mas a de uma política covarde de manutenção de privilégios seculares.

Existe saída? Sim. Ela existe, mas dependeria de duas coisas: coragem e mobilização popular. Coragem para enfrentar as elites e aprovar a taxação das grandes fortunas, o que renderia R$ 100 bilhões anuais aos cofres públicos; para fazer uma Reforma Tributária que onere menos o trabalhador assalariado; para realizar uma Reforma Política que transforme a exaurida democracia brasileira. Mobilização popular para pressionar um congresso extremamente conservador e para defender as mudanças necessárias a maior parcela da população. Caso contrário, enquanto Dilma continuar a afagar as elites e enviar a conta para os trabalhadores, o golpismo continuará sendo alimentado. 

Abraços,
Osvaldo