segunda-feira, 2 de março de 2015

A arte de pensar racionalmente

A filosofia de Voltaire e os extremismos de hoje 

por LUISA DE QUADROS COQUEMALA


Toda vez que leio um texto ou escuto alguém expondo uma opinião, tento pensar racionalmente, buscando coesão e razoabilidade. Deve ser por isso que, pior do que não gostar, não entendo discursos fundamentalistas, preconceituosos e meramente acusativos. Sempre fica aquela sede em ligar os fatos e entender os pontos que convergem para uma determinada conclusão – contudo, tal sede não é saciada. 

Isso tudo porque, um belo dia, me deparei com dois volumes de contos e romances de Voltaire num sebo de Curitiba. Li-os avidamente e, ao terminar, o que mais me chamou atenção foi a forma como o autor trabalha com a ideia de razão, confirmando o que é, de fato, a boa literatura: ideias que transcendem o próprio tempo. 

Para Voltaire, o homem não nasce, mas torna-se um ser racional. No ser humano, a razão existe em potencial e se aperfeiçoa gradualmente, com trabalho e esforço: precisa ser desenvolvida para se realizar plenamente.

Além disso, o francês acredita que a razão improvisa-se lenta e gradualmente, demorando, no mínimo, vinte anos para começar a florescer de verdade. Em outras palavras: Voltaire vai na contra mão de Descartes. O autor da famosa máxima “penso, logo existo” acredita que a razão pertence à subjetividade humana e, destarte, inerente a nós. 

Locke é a grande inspiração de Voltaire. Ambos os filósofos creem que o homem diferencia-se do animal, primordialmente, por ter a capacidade de raciocinar. Ou seja, uma pessoa que tem o germe racional e não o desenvolve não passaria, no fundo, de um animal. Além disso, os dois concordam no ponto em que a razão é gradativa: quanto mais eu ler, pesquisar e aprender, mais eu irei desenvolver minhas capacidades racionais. Isto posto, a razão seria algo empírico-experimental, baseada principalmente na quantidade e na profundidade das experiências que vão se acumulando ao longo da vida. 

Como todo bom iluminista, Voltaire desconfia da força das paixões. Segundo ele, ainda, a razão funciona plenamente quando nossas faculdades estão em equilíbrio. Quando tomados de paixões e fanatismo, já não é a razão que impera. 

Por fim, ser racional, na concepção voltairiana, significa ser crítico. Desconfiar e analisar são procedimentos essenciais. Antes de aceitar qualquer ideia, deve-se fazer um exame minucioso dela. Consequentemente, Voltaire combate o dogmatismo e o abuso da autoridade através da crítica (racional, é claro). 

Por ter cursado com um pouco da maravilhosa escola de Voltaire é que me indigno com atitudes ou falas que prezam sobretudo por paixões cegas (e, portanto, não racionais). É por esse motivo que não entendo ódio gratuito quanto à orientação sexual, religião, etnia ou classe social. É por esse motivo que não entendo linchamentos e acusações pautadas em discursos vazios. É por esse motivo que não entendo como vereadores rejeitam quase 350.000 reais dados pela saúde e, em “defesa” própria, acusam infundada e cegamente. 

Em que medida a nossa liberdade não está à revelia destas pessoas e discursos? Voltaire ecoa nos meus ouvidos, como se o sentisse ao meu lado, meneando a cabeça e questionando, desacreditado perante o caos do mundo: “Até quando?”.

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