segunda-feira, 9 de março de 2015

Entre panelas e misoginias

De manhã, as pétalas. À noite, os espinhos. É simbólico que o espetáculo de ofensas a Dilma tenha ocorrido no Dia Internacional da Mulher

por MURILO CLETO


"Rosane, sua galinha, foi o PC que pagou sua calcinha", é o que dizia o cântico dos caras-pintadas que pediam o impeachment de Fernando Collor em 1992. O registro está presente no livro "Movimentos juvenis na contemporaneidade", assinado por Luís Antonio Groppo, Michel Zaidan Filho e Otávio Luiz Machado. O trecho é apresentado pelos autores como "outra marca fascinante" das passeatas, resultado da "irreverente criatividade dos estudantes".

23 anos depois, a presidenta Dilma marcou para as 20h30 pronunciamento oficial transmitido pela TV em rede nacional ontem, 8 de março. Para o mesmo horário, manifestações foram agendadas em diversas partes do país. Do alto dos prédios, opositores bateram panelas, gritaram e apitaram durante toda transmissão. "Fora Dilma, pega essa panela e volta pra cozinha", foi um dos coros mais entoados.

Durante o pronunciamento, Dilma falou sobre a Lei do Feminicídio, aprovada há poucos dias pelo Congresso e que sobe para sua sanção. Pelo Twitter, Alexandre Infante respondeu: "Dilma disse que vai sancionar amanhã a Lei do Feminicídio. Legislando em causa própria?" Infante é juiz federal em Montes Claros/MG e diretor da Associação dos Juízes Federais do Brasil. Poucas horas antes, o jornal O Globo publicou uma charge de Chico Caruso em que a presidenta é colocada de joelhos por um integrante do Estado Islâmico que empunha uma faca com a mão esquerda.


É simbólico que tudo isso tenha ocorrido num Dia Internacional da Mulher. De manhã, as pétalas.  À noite, os espinhos. Enquanto "críticos" passaram o dia inteiro reclamando das "feministas chatas" que não gostam "nem de rosas", a presidenta foi chamada de "puta", "cadela", "vadia". No meu feed, e no de tantos outros, o mesmo sujeito que compartilhou "um jeito diferente de chamar a atenção contra a violência no Dia da Mulher" veio a público pra mandar "se foder" a "vaca" durante o pronunciamento. E há quem não perceba a violência que isto impõe não a Dilma, mas a todas as mulheres. Fosse Aécio o impetrado, seria chamado de "ladrão", "corrupto", "cheirador", "viado", "filho da puta" - até pra ofender o homem é a dignidade do gênero feminino que se põe à prova.

O que se viu nas janelas dos bairros mais abastados de centros importantes do país é um sinal da invasão do ódio naturalizado nas redes sociais e que agora tem tomado outros espaços públicos. Foi este ódio que atingiu o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, rechaçado do Albert Einstein na companhia da esposa, em São Paulo, não por críticos à política econômica do governo Lula/Dilma, mas por pessoas que não aceitam a sua existência. É neste sentido que o panelaço de ontem se inscreve: tanto barulho pra que nem se escute o que Dilma tem a dizer. Não importa. Afinal, o que disser já está desautorizado de antemão.

Talvez seja por isso que os homens insistam tanto nas rosas e no cavalheirismo: são atos de gentileza. Pertencem ao universo de um bem querer quase altruísta. Uma concessão. Passada a boa vontade, voltamos a ser nós mesmos - um bando de trogloditas.

Abraços,
Murilo

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