terça-feira, 14 de abril de 2015

A máscara pacificadora dos morros do Rio

por LUISA DE QUADROS COQUEMALA


Rio de Janeiro. Morro do Alemão. Há aproximadamente 10 dias, Eduardo de Jesus Ferreira assistia televisão com sua mãe, Dona Terezinha. Eduardo, no calor escaldante dos morros do Rio, vestia apenas uma bermuda azul. Na rua, ouviam-se vozes – e, quem sabe, uma música longínqua. Um funk, talvez um samba. Eduardo, de apenas dez anos, resolveu sair na frente de sua casa. Logo que chega à rua, recebeu um tiro de fuzil na cabeça. Eduardo morreu na hora.

O tiro veio do fuzil de um membro da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Dona Terezinha, ao perceber o que tinha acontecido, dirigiu-se ao policial. Este apontou a arma para ela e teve a seguinte resposta: “pode matar, você já acabou com a minha vida”. De fato: depois do ocorrido, a vida da doméstica Terezinha Maria de Jesus, com seus quarenta anos, nunca mais será a mesma. 

Desde 2008, a política da UPP vem tirando vidas de diversos moradores das favela. A princípio, a UPP seria um modelo de segurança pública, visando a aproximação entre a população e a polícia. Contudo, desde sua fundação, o projeto mostra que tem inúmeros defeitos e que, não raro, a população sente-se coagida diante da nova forma de violência que chegou.

A política repressiva da Polícia Militar espanta. O clima nos morros já não é o mesmo. A música é mais triste, as conversas mais sussurradas, há uma expectativa sufocante de incerteza. Afinal de contas, a qualquer momento um Eduardo ou uma Dona Terezinha podem simplesmente levar um tiro. As vidas estão em suspenso, sair às ruas é expor-se. 

Eduardo de Jesus, caído na rua, com a cabeça de lado e envolto de sangue, é o retrato do futuro de muitas pessoas que vivem nesse ambiente de tensão extrema. Os gritos dos moradores ao verem-no são os gritos que vêm de dentro, do desespero de cada dia – que agora não se aguentam, saem para fora como forma de protesto, de incompreensão.

Truman Capote me vem à mente. O escritor norte-americano, em 1959, retratou em seu livro A Sangue Frio detalhes chocantes sobre um homicídio que ocorreu na cidade de Holcomb, no Texas. Com uma narrativa brilhante, ele traça, também, a biografia dos dois culpados do crime, Richard Hickock e Perry Smith. Para tanto, Truman, um garoto que levou uma boa vida, travou contato íntimo com os culpados, sobretudo, com Perry Smith – com quem, diz-se, chegou até a ter um relacionamento amoroso.

Truman dissecou a vida dos culpados e mostrou que, por trás de dois criminosos, há um antecedente de toda uma vida sofrida e injusta – o que não justifica, mas deixa mais evidente as motivações do crime. Capote consegue, assim, elaborar uma crítica social: talvez, se as pessoas tivessem mais oportunidades, seu fim não seria o de Perry e Richard. Depois de tudo que testemunhou, Truman declarou sobre Perry: “É como se tivéssemos crescido na mesma casa e, um dia, ele tivesse saído pela porta de trás e eu pela da frente”.

Tal exemplo é muito elucidativo. Eduardo não deveria ser muito diferente de um brasileiro qualquer de dez anos. De uma certa maneira, esse policial matou seu próprio filho. De uma certa maneira, quem assistia ao jornal na noite do dia dois de abril ouviu sobre a morte de seu próprio filho. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, ao pronunciar-se de maneira breve e rasa sobre o caso, de certa maneira, também pronuncia-se de maneira breve e rasa sobre a morte de um filho ou neto seu. 

Esse é um assunto de todos nós. Eduardo era um garoto comum, de apenas dez anos, que morreu com um tiro de fuzil na cabeça. Com a desigualdade que povoa as ruas do país, outros Eduardos veem-se desnorteados e com chances mínimas quando se comparam com o vizinho abastado que, ironicamente, mora ali ao lado. Esses garotos estão sujeitos a levar um tiro, a entrar no tráfico. E, no fundo, nada nos difere desses Eduardos, dessas Donas Terezinhas, apenas uma coisa: injustamente, através de uma política extremamente desigual e violenta, eles têm saído pela porta de trás. 

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