segunda-feira, 27 de abril de 2015

O Genocídio Armênio: Uma questão que nos diz respeito

por LUISA DE QUADROS COQUEMALA


No dia 24 deste mês, completaram-se cem anos do primeiro genocídio do século XX: o genocídio armênio. Poderíamos, num primeiro momento, pensar em causas: a temeridade turca de que os armênios apoiassem a Rússia na primeira guerra, o território estratégico da Armênia, o ódio muçulmano para com os armênios (o primeiro povo na história a aderir o cristianismo como religião oficial), o sentimento nacionalista dos Jovens Turcos e do Comitê União e Progresso. Em cem anos de história, motivos não faltam. Contudo, acredito que nenhuma explicação seria eficaz. Aliás, não consigo ver justificação para uma atrocidade tamanha. E, para tanto, não há que ir muito longe – basta a leitura de dois breves testemunhos:

“Mulheres com criancinhas ao peito ou nos últimos dias de gravidez eram obrigadas a caminhar à força de chicotada, como gado. Sei de três casos diferentes em que a mulher deu à luz durante a marcha e veio a falecer de hemorragia, por causa de seu brutal condutor tê-la obrigado a apressar o passo. Algumas das mulheres ficavam tão cansadas e incapazes de qualquer ação que deixavam cair as crianças à beira da estrada.” 
“No Eufrates, os bandidos e gendarmes lançaram no rio todas as restantes crianças com menos de 15 anos. As que sabiam nadar eram mortas a tiro enquanto se debatiam na água.”

O que dizer diante de relatos tão cruéis? Como se conformar com o extermínio de um milhão e meio de armênios de modo tão frio? As ordens de Talaat Paxá e Enver Paxá, ministros otomanos do Interior e da Guerra, foram frias e claras: matar todos, e isso inclui mulheres e crianças – principalmente as crianças, afinal, elas serão a vingança de amanhã. Os homens armênios que estavam no exército tiveram suas armas confiscadas e foram mortos da maneira mais covarde possível; os intelectuais armênios foram perseguidos; as famílias armênias tiveram que abandonar suas casas e marchar pelo deserto Der-el-Zor, que virou um verdadeiro campo de concentração, onde reinava a violência, os abusos, os estupros, a inanição.

O próprio Hitler, antes do holocausto, declarou: “Quem lembra do extermínio dos armênios?”. Nos dias de hoje, ainda dói escutar isso. Pesquisar sobre o genocídio armênio é dar de cara com um desconhecimento geral, com uma falta de preocupação voluntária. Porque, apesar de ter acontecido há um século, o genocídio armênio diz respeito a toda humanidade. Todo dia em que não se debateu ou não se tentou esclarecer tal atrocidade é um dia perdido para quem luta por paz. 

A Turquia, grande responsável pela matança, nega o ocorrido até hoje. Contra um mar de desculpas e de uma birra que parece a de uma diplomacia infantilizada ao extremo, há documentos, relatos e fotos que provam o contrário. E, acima de tudo, há países que assumem sua posição e lutam em prol do reconhecimento do genocídio armênio. O Brasil, mesmo tendo uma importante comunidade armênia - sobretudo em São Paulo -, ainda não reconhece o genocídio. Neste caso, a ONU, a União Europeia e outros 22 países fazem a sua parte.

A afirmação do genocídio armênio é muito mais do que tomar conhecimento de um fato histórico: é lutar contra uma injustiça e, de certo modo, é impedir que essa mesma injustiça volte a acontecer. Antes de exigirem suas terras e bens materiais de volta, os armênios querem, acima de tudo, que a sua dignidade seja reconstituída. Um povo tão exemplar merece o nosso respeito e solidariedade. O governo do Brasil deveria, antes tarde do que nunca, reavaliar a questão, baixar a cabeça e, humildemente, fazer um pedido de perdão que espera cem anos para ser feito.

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