quinta-feira, 21 de maio de 2015

Rossoni e a violência simbólica contra a mulher na política

Como Pierre Bourdieu nos ajuda a compreender a dominação masculina na política brasileira e a agressão sofrida pela professora Adriane Sobanski, chamada de "biscate" pelo deputado tucano Valdir Rossoni. Com exclusividade, ela detalha os momentos de terror vividos no Paraná

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

Professoras da rede estadual do Paraná, Simone Baroni, Adriane Sobanski, Valéria Arias e Cynthia Werpachowskk em manifestação de apoio à greve

Pierre Bourdieu, na obra A violência simbólica, apresenta os diferentes tipos de dominação simbólica existentes no mundo social. Dentre elas a dominação de etnia, gênero, cultura e língua. Todas elas produzem o que ele conceitua como violência simbólica, ou seja, as relações subjetivas de dominação. Nos interessa, particularmente neste momento, a dominação de gênero ou a dominação masculina.

Importante iniciar a discussão indicando que “as estruturas de dominação não são a-históricas”, ou seja, a dominação é “produto de um trabalho incessante (e, como tal, histórico) de reprodução”. Neste sentido, é fundamental compreendermos o papel das instituições na constituição histórica da dominação. 

No caso da masculina, destacam-se duas instituições: a Igreja e a família. Desde o mito da origem e de Adão e Eva, a Igreja patrocinou a construção da dominação masculina. Isso porque, ao apresentar a mulher enquanto criada de uma parte do homem, promoveu a diminuição do gênero feminino, enquanto que ao introduzir a ideia de Eva como culpada pelo pecado original delegou às mulheres uma espécie de lógica da maldição de gênero. Não só esta, mas outras passagens da Bíblia promovem de maneira explícita a submissão do gênero feminino. Na família cansamos de experienciar pais e mães diferenciando brincadeiras e trabalhos de homens e mulheres, quando não determinando o que cada gênero deveria fazer. 

Tais instituições promovem a constituição de um habitus, que seriam formas de pensar e agir produtos das formas introjetadas de pensamento e ação. Ou seja, se a Igreja e a família exprimem formas de pensamento e ação que constituem a dominação masculina, tal dominação se torna natural e passa a fazer parte do habitus dos agentes, que reproduzem historicamente a violência simbólica. 

A reprodução da dominação masculina pode ser observada em três práticas: machismo, sexismo e a misoginia. Segundo a socióloga Mary Pimentel Drumont, o machismo "é definido como um sistema de representações simbólicas, que mistifica as relações de exploração e dominação, de sujeição entre o homem e a mulher". Pertencem a este sistema o sexismo, enquanto atitude de discriminação em relação às mulheres, e a misoginia, enquanto sentimento de aversão e repulsa às mulheres. 

Na política brasileira, a dominação masculina pode ser evidenciada em números. Mesmo com o aumento da presença de mulheres no Congresso Nacional, apenas 10% dos cargos eletivos são ocupados por elas. Atualmente são 51 deputadas federais, enquanto em 2010 eram 45, num total de 513 cargos. Isso significa um aumento de 1,1% entre 2010 e 2014, pouco para um país democrático. Na última lista da União Interparlamentar (UIP), que analisou a participação de mulheres na vida política em 189 países, o Brasil ocupa a 129º posição. 

Além da falta de representatividade, as mulheres são costumeiramente vítimas da violência simbólica produzida pelo machismo, sexismo e misoginia no universo político. Cargo máximo da República, a presidenta Dilma Rousseff foi por várias vezes vítima de práticas sexistas e misóginas. Poderíamos citar como exemplos a patética crítica ao vestido utilizado pela chefe do executivo na cerimônia de posse ou o título de “vaca”, dentre outros, dado à presidenta com a naturalidade de quem reproduz a dominação masculina no dia a dia. Ícone do pensamento machista, o deputado federal Jair Bolsonaro do Partido Progressista - PP afirmou no plenário da Câmara que não estupraria a deputada Maria do Rosário do Partido dos Trabalhadores – PT porque “ela não merecia”. Recentemente, a deputada do Partido Comunista do Brasil – PC do B, Jandira Feghali foi vítima de violência física na Câmara dos Deputados por parte dos deputados Roberto Freire do Partido Progressista – PPS e Alberto Fraga do Democratas – DEM. 

Na semana passada, a professora Adriane Sobanski foi xingada pelo presidente estadual do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB do Paraná, deputado Valdir Rossoni, de “biscate”. A professora comenta que leciona “História há 20 anos, porém há apenas 6 como servidora estadual. Trabalhei por 17 anos na iniciativa privada, mas meu sonho sempre foi a escola pública!”. A docente atualmente é aluna do Doutorado em Educação na Universidade Federal do Paraná. 

Sobrevivente do massacre promovido pelo governo Beto Richa no último dia 29 de abril, Adriane relatou o episódio: “Cheguei ao Centro Cívico por volta das 9h da manhã e já me vieram lágrimas aos olhos. A quantidade de policiais, armas de bala de borracha, máscaras de gás, escudos e cassetetes era enorme. Senti que naquele dia haveria sangue. Além disso, os 2 helicópteros que sobrevoavam muito baixo sobre a praça ajudavam a criar um clima mais tenso. Estava com um grupo de amigas quando as bombas começaram a ser jogadas sobre as pessoas. Mesmo assim, levamos cerca de 6 minutos para sair de onde estávamos. Corremos para o bosque e já era impossível respirar. Usamos muito vinagre. De repente, lançaram bombas em nossa direção e corremos novamente. Uma bomba caiu sobre um carrinho de pipoca e todos, de fato, se apavoraram por causa do bujão de gás. Corremos em direção ao bosque, tomado pela fumaça das bombas, até que conseguimos nos aproximar da prefeitura e lá ficamos, por duas horas, vendo e ouvindo os horrores. Como historiadora sempre falo sobre ditadura e revoluções. Jamais imaginei que, um dia, vivenciaria a ditadura e a violência daquela forma. Durante uns 4 dias não conseguia parar de chorar. Mesmo hoje, quando vejo vídeos daquele dia ainda choro muito”.

Após a experiência traumática, Adriane visualizou uma postagem do deputado Valdir Rossoni, na qual ele fazia uma crítica ao lema “Pátria Educadora” do governo federal. Indignada, a professora comentou que o deputado deveria ter vergonha da situação da educação pública no Paraná. A professora relata que “no dia seguinte, ao espiar o Facebook pelo celular, vi que havia uma mensagem. Ao clicar apareceu um aviso de que aquela mensagem não poderia ser respondida. Ao clicar no OK, vi a mensagem do deputado. Corri ligar o computador para fazer o print da mensagem e divulguei em minha página e na página Professores do Paraná”. Na mensagem o parlamentar do PSDB escreveu: “pelo seu desrespeito imagino o que vc faz e sua casa vai procurar sua turma biscate”. 
Print da mensagem enviada pelo deputado federal Valdir Rossoni para a professora Adriane Sobanski
O ato misógino do parlamentar provocou o anúncio de projeto de lei para punir injúria de gênero, de autoria da senadora Gleisi Hoffmann do PT. Porém, a pergunta é: “será que uma lei pode modificar a cultura de dominação masculina no Brasil?”. Conforme Bourdieu, para acabar com a estrutura de dominação simbólica é fundamental primeiramente romper com a cumplicidade muitas vezes observada entre dominado e dominador. O caso da professora Adriane é um exemplo de conduta que procura desnaturalizar o sexismo ao denunciar com veemência o fato utilizando as mídias. Contudo é fundamental “uma transformação radical das condições sociais de produção das tendências que levam os dominados a adotar sobre os dominantes e sobre si mesmos, o próprio ponto de vista dos dominantes” para desnaturalizar a dominação masculina. Enquanto isso, cumpramos nosso papel de denunciar todos os atos machistas, sexistas e misóginos. 


Abraços,
Osvaldo.

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