quinta-feira, 4 de junho de 2015

É que o anzol da direita fez a esquerda virar peixe

Da esperança à descrença: uma análise da trajetória do Partido dos Trabalhadores – PT

por OSVALDO RODRIGUES JUNIOR

Reunião nacional no Colégio Sion marca a fundação do Partido dos Trabalhadores – Fonte: O Estado de São Paulo.

Lincoln Secco, na obra História do PT (1978-2010), apresenta uma análise sócio-histórica da construção do Partido dos Trabalhadores e dos governos Lula. Esta trajetória começa nas greves operárias ocorridas na região do ABC, no final da década de 1970, e é oficializada com a reunião de fundação do PT no Colégio Sion, em São Paulo, no dia 10 de fevereiro de 1980, na qual participaram “1.200 pessoas (sendo 400 delegados eleitos em 17 estados brasileiros)” (SECCO, 2011, p. 35). Apesar disso, o partido só foi oficializado pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral como partido político em 11 de fevereiro de 1982.

Entre 1978 e 1983, anos da formação, Secco indica que a principal bandeira do PT foi a redemocratização. Nos anos posteriores, entre 1984 e 1989, o historiador e professor da USP apresenta o panorama de debates internos entre duas perspectivas: o partido que “poderia ter sido” e o partido que foi a partir das eleições presidenciais de 1989. Entre os dois projetos de partido, um marxista revolucionário e um social-democrata, o PT buscou nas próprias contradições a construção de uma proposta de socialismo para o Brasil, diferente do que já havia experimentado a esquerda em diferentes contextos.

Com as derrotas de Lula em 1989 para Fernando Collor e em 1994 e 1998 para Fernando Henrique Cardoso, o partido exerceu a função de oposição parlamentar crítica aos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC. Novamente candidato em 2002, Luis Inácio Lula da Silva compôs uma coligação que parecia um prenúncio do que viriam a ser os 12 anos de governo petista. Para vice na chapa, foi escolhido o megaempresário José de Alencar, do Partido Liberal – PL, formado por quadros do antigo Partido da Frente Liberal – PFL, com raízes históricas na Aliança Renovadora Nacional – ARENA, partido alinhado à Ditadura Militar. 

Lula venceu José Serra. do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, no segundo turno por 52.793.364 votos a 33.370.739. Pela primeira vez o Brasil seria governado por um partido de esquerda. No dia 1º de janeiro de 2003, no discurso de posse Lula afirmou que "mudança; esta é a palavra chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A esperança finalmente venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos”. O discurso enchia de esperança os brasileiros, por se tratar da primeira vez na história em que teríamos um governo popular de trabalhadores para trabalhadores.


Lula e Alencar subindo a rampa do Palácio do Planalto no dia 1º de janeiro de 2003.

Porém, a mudança, grande mote da campanha petista, já havia sido relativizada quando Lula leu no dia 22 de junho de 2002 a Carta aos brasileiros, documento que pretendia “tranquilizar” o mercado e a opinião pública sobre um possível governo petista. O documento apesar de criticar abertamente o modelo econômico do governo FHC e indicar a necessidade de reformas como a tributária e a agrária “desliza” ao indicar que o novo modelo será fruto de “ampla negociação nacional”. Negociação que percorreu os 12 anos de governo petista, e que inclusive jogou o partido na “vala comum” de partidos sem relação orgânica com a população. 

Durante os oito anos de governo Lula, adotou-se no Brasil um modelo desenvolvimentista, que à moda de Vargas procurou conciliar os interesses da burguesia industrial e das classes trabalhadoras. Neste contexto, conviveram medidas de incentivo à iniciativa privada e a políticas sociais de tentativa de redução da desigualdade social latente no país. Nos oito anos de Lula, o modelo deu certo e o PIB do Brasil cresceu em média 4% ao ano entre 2003 e 2010. Ao mesmo tempo, o governo petista conseguiu reduzir a pobreza com a implantação do programa Bolsa Família em 2003, que, apesar de todas as críticas, foi elogiado pela Organização das Nações Unidas – ONU como modelo de combate à pobreza e que 11 anos depois da sua implantação levou o Brasil a sair do Mapa da Fome. Além dele, iniciativas como o Programa Universidade para Todos – PROUNI, oficializado em 2004, colocou nas fileiras das universidades brasileiros que jamais tiveram acesso àquele nível de ensino. Com essas evidências pode-se tranquilamente defender a ideia de que o PT promoveu transformações sociais importantes para os mais pobres no Brasil.

O grande problema é que, em ambos os casos, o PT promoveu políticas de redução das desigualdades sem alterar as regras do jogo. Ou seja, o Bolsa Família, ao transferir dinheiro público de impostos para a redução da desigualdade, não se propõe a mudar a real desigualdade, mas apenas a reduzir o dano causado pela pobreza no Brasil. Dessa forma, se configura como um programa de transferência de renda e não de distribuição de renda, e, por mais que a elite pense o contrário, não afeta em nada o abismo econômico existente entre as diferentes camadas da sociedade. No caso do PROUNI, com a impossibilidade estrutural de construção de novos campus e de democratização da Universidade pública frequentada pela elite brasileira, o governo inverteu dinheiro público nas instituições privadas para que a demanda por Ensino Superior fosse suprida. Ambas foram políticas sociais bem sucedidas nos seus objetivos, porém que novamente trazem à tona a eterna “negociação” que perpassa os 12 anos de governo PT. 

Porém, em que pese a não mudança radical das estruturas sociais, quatro elementos configuram a descrença em relação ao PT: a corrupção nos governos Lula e Dilma, as alianças políticas, o abandono de bandeiras históricas e o esgotamento do modelo desenvolvimentista. 

A corrupção não nasceu e nem deve acabar durante os governos petistas. Ela é um elemento estrutural que se originou na estrutura política colonial e perpassa toda a formação histórica do país. Portanto, quando Lula afirma que FHC foi o “pai do mensalão”, ele tem toda razão. Basta nos lembrarmos de como FHC comprou os deputados para votarem a favor da emenda da reeleição em 1997, caso inclusive noticiado pela Folha de São Paulo à época. Em que pese a total abertura para investigações, o PT no mínimo foi omisso nos casos do Mensalão e da Petrobrás, aceitando que figuras centrais do partido participassem do esquema. Ambos os escândalos, noticiados de maneira farta pela imprensa historicamente alinhada às elites, desgastaram a imagem do PT. 

As alianças políticas também representaram a derrocada do discurso de “mudança” do PT. Desde a já citada com José de Alencar do PFL, o PT realizou uma sequência de alianças espúrias tendo com o objetivo garantir a tão sonhada governabilidade. Os exemplos são fartos e vão de José Sarney do PMDB até Paulo Maluf do PP. Enquanto estratégia de poder, as alianças lograram êxito ao permitir que o PT mantivesse a base de apoio no parlamento, por outro lado, as alianças também contribuíram para desconstruir a aura do partido enquanto alinhado a luta histórica dos trabalhadores contra os patrões. 

Lula cumprimenta Paulo Maluf do PP em campanha de Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo.

Porém, o maior pecado do PT no poder foi o abandono de bandeiras históricas do partido, a mais significativa delas é a Reforma Agrária. Apoiado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, o PT assumiu o poder com a responsabilidade de colocar em curso a democratização da terra prevista na Constituição Federal de 1988 no seu artigo 5º capítulos XXII, XXIII e XIV. Durante o governo Lula, o modelo agrário valorizou o agronegócio e não cumpriu o compromisso histórico de permitir ao trabalhador o acesso à terra. No governo Dilma a Reforma Agrária tem o pior ritmo em 20 anos e com Katia Abreu à frente do Ministério da Agricultura caminha para a falência. 

Por fim, o modelo desenvolvimentista implantado por Lula está esgotado. Basta buscarmos notícias relacionadas à economia do país para que possamos constatar o aumento da inflação, do desemprego e a desaceleração do mercado. Dilma, mais uma vez optou pela saída à direita ao implantar uma política de austeridade idealizada pelo banqueiro Joaquim Levy que vai onerar os trabalhadores. 

Destarte, se o PT foi a “esquerda que o Brasil pode ter”, conforme Lincoln Secco, a burocratização do partido o transformou em um partido organicamente distanciado da população e que “perdeu a capacidade de representar um projeto de esquerda". Isso significa afirmar que a descrença abre espaço para novas composições na esquerda, mais do que isso, que é urgente ocupar o espaço deixado pelo partido, ainda mais em um contexto de ascensão da direita conservadora. 


Abraços,
Osvaldo.

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