segunda-feira, 29 de junho de 2015

É sempre confortável recorrer à fome na África

 Por que desdenhar uma causa ao lado abraçando outra inalcançável parece ser o álibi perfeito pra disfarçar a própria intolerância

por MURILO CLETO



Na última sexta-feira, a Suprema Corte norte-americana acabou com a divisão que ainda imperava no país e legalizou nacionalmente o casamento entre pessoas nascidas do mesmo sexo. Até então, 13 estados ainda não admitiam a união igualitária. A decisão foi comemorada pelo presidente Barack Obama, que já apoiava a causa publicamente desde 2012. "#LoveWins", escreveu pelo Twitter.

Instantes depois, o Facebook disponibilizou um app que permitia a adaptação da foto de perfil às cores do arco-íris, marca registrada da luta LGBT. A onda tomou conta rapidamente da maior rede social do mundo e, como não podia deixar de ser, foi rejeitada por diversas frentes.

Uma delas insistia que internet não muda nada. Outra, capitaneada por páginas como "#Orgulho de ser hétero", apostava na proliferação da escrotice homofóbica. Mas outra, talvez uma das mais populares, escapou por uma tangente bastante confortável: a fome na África. A montagem exibia a foto de uma criança esquálida que engatinha de tão enfraquecida e é circundada pelos dizeres "O dia que uma nação se unir por esta causa me chama que eu quero participar". 

Recorrer à fome na África é sempre uma opção cômoda pra quem ainda não acertou as contas com ela por perto. Vista de longe, a fome é um alento porque a sensação de impotência também serve de desculpa pra que não se faça rigorosamente nada a seu respeito. É o que explica a persistente rejeição que programas assistenciais como o Bolsa Família ainda recebem, apesar dos resultados. Ou, ainda, o silêncio quase sepulcral diante da saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU no ano passado. 

Dentre os principais mitos alimentados por um imaginário construído às voltas da industrialização, estão a ideia de que o governo criou uma legião de vadios e que os mais pobres passaram a se reproduzir pra acumular o benefício. O Bolsa Família poderia parecer um bom exemplo de nação que se une pela causa do combate à fome. Com o auxílio do incentivo, a pobreza extrema foi reduzida pela metade no país.

Abraçar uma causa inalcançável parece ser o álibi perfeito pra disfarçar a própria intolerância, que explode por dentro de vontade de se expressar. Na próxima vão precisar de outro. Até lá, Obama continua certo: o amor venceu.

Abraços, 
Murilo

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