terça-feira, 7 de julho de 2015

Entre a legislação simbólica, o contrato insuficiente e a surdez coletiva

por MURILO CLETO

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom (Agência Brasil)


Neste fim de semana, assinei dois artigos sobre a manobra de Eduardo Cunha que aprovou a redução da maioridade penal no Congresso de 18 para 16 anos durante a madrugada de quinta-feira, 2 de julho. O primeiro deles, no Carta Maior, assinala pra uma tendência anunciada de hipertrofia das regras mediante a crescente sensação de insuficiência do contrato social como efeito colateral da vida em condomínios, a partir do arcabouço psicossocial oferecido por Christian Dunker em Mal-Estar, Sofrimento e Sintoma.

O segundo, na Revista Fórum, recorre ao jurista alemão Harald Kindermann pra explicar como essa negação ao espaço público e a ausência de identificação entre o cidadão médio e o Estado provoca a proliferação de leis ausentes de efeito instrumental, mas carregadas de poder simbólico, que minimizam essa crise de reconhecimento. Grosso modo, é o que explica a vibração diante do pretenso pressuposto democrático que sustenta a redução, o maciço apoio popular - algo em torno de 87%, segundo o Datafolha.

Descende deste cenário a ascensão meteórica de Cunha diante de uma população que mal o reconhecia até muito pouco tempo atrás nas ruas. Hoje, o presidente da Câmara é o enfermeiro aplicador de morfina num Brasil que sofre com o problema da violência, da desonestidade jornalística e da distância em relação ao Estado.

Tudo isso serve pra dizer que o que mais me preocupa é menos Eduardo Cunha do que o aparato que o elegeu e hoje sustenta suas manobras, que põem em xeque o Estado de direito e nem por isso são dignas de repúdio por parte daqueles que comungam das mesmas conclusões que ele. Aliás, a cegueira antipetista que contaminou o país tem sido capaz de blindá-lo mesmo das recentes acusações na Operação Lava-Jato, por exemplo, a mesma que serviu pra carimbar o governo com o estigma da corrupção. Quer dizer, a mesma delação premiada que confirmou a "roubalheira do PT" trata-se de perseguição política ao corajoso parlamentar que desafiou o governo. 

A confiança de Cunha é tanta que, diante do anúncio de que a Ordem dos Advogados do Brasil recorreria ao STF pra barrar o remendo que aprovou parte da PEC 171/93, chegou a dizer que a instituição não tem credibilidade nenhuma. E muito embora 74% da população se anuncie contrária ao financiamento empresarial de campanha, não causou nem cócegas a recente divulgação dos valores e patrocinadores de sua empreitada eleitoral no ano passado: quase 7 milhões de reais declarados, vindos de empresas que são frequentemente beneficiadas pelas suas canetadas no Congresso.

Ontem, aqui mesmo no Desafinado, falei sobre a surdez coletiva que surgiu como sequela do processo de horizontalização da comunicação verificado através das redes sociais. E, ao que tudo indica, não adianta mais insistir nas explicações técnicas que contestem Cunha. Me parece, afinal, que já passou da hora de entender o que de fato há por trás dessa crise generalizada que vive a democracia brasileira. O ovo da serpente já chocou.

Abraços, 
Murilo

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