quinta-feira, 10 de setembro de 2015

"Não haverá mudança no FPM", diz coordenador do IBGE sobre Itararé com 50 mil habitantes

por MURILO CLETO



Em entrevista ao Desafinado, o coordenador de subárea do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Paulo Roberto Costa Struminski Junior esclareceu dúvidas importantes a respeito da notícia, recentemente veiculada no município, de que Itararé havia finalmente ultrapassado a marca de 50 mil habitantes. Como pesquisador em Direito Constitucional, também avaliou a realidade da região no que diz respeito aos índices populacionais e repercutiu o artigo recentemente publicado no blog sobre a proliferação de municípios a partir de um precedente aberto pelo Fundo de Participação dos Municípios. 

Confira o diálogo na íntegra:

Desafinado: O último censo no país foi realizado em 2010. De que maneira o IBGE realiza as estimativas populacionais que são anualmente veiculadas?

Paulo: Realmente, o Censo Demográfico mais recente refere-se ao ano de 2010. Esse foi o 12º Censo Populacional Brasileiro. Normalmente, o IBGE realiza os Censos a cada 10 anos, sempre nos anos de final 0. É, portanto, decenal.

Em um país de dimensões continentais, como o Brasil, realizar um Censo é uma tarefa gigantesca. Em 2010, evolveu cerca de 240 mil pessoas, foram visitados mais de 67 milhões de domicílios, e totalizou um investimento de aproximadamente 1,4 bilhão de reais. Por esses e outros motivos, os Censos não são realizados anualmente.

Nos anos em que não há Censos Demográficos, são realizadas Estimativas Populacionais. Conforme a Lei Federal nº 8.443/1992 e Lei Complementar Federal nº 143/2013, anualmente o IBGE deve elaborar estimativas populacionais para todos os municípios e estados. Essas estimativas são divulgadas no mês de agosto e se referem à população residente em 1º de julho. O cálculo estatístico observa o Método das Componentes Demográficas.

Explicando de forma bastante simplificada, essa metodologia considera a tendência de crescimento de uma área maior e já conhecida (estados), considerando-se o censo demográfico mais recente e informações de nascimentos e óbitos. Subdivide-se essa área maior em áreas menores (municípios).

Os coeficientes de crescimento dessas áreas menores são obtidos observando-se dois Censos, assegurando-se que a somatória das áreas menores coincida com o valor já determinado para a área maior.


D: No caso específico de Itararé, como foi possível chegar ao número de 50.105 habitantes?

P: Para o município de Itararé foi aplicado o mesmo Método das Componentes Demográficas, considerando-se os Censos Demográficos de 2000 e 2010. O percentual de crescimento de Itararé foi de 0,28% entre 2014 e 2015. Percentual que observa a tendência de crescimento populacional do município verificada nos últimos censos.

Interessante salientar que nessa estimativa houve 1364 municípios onde a população diminuiu. A população brasileira, como um todo, cresceu 0,87%. Esse percentual já exprime uma queda quando comparado ao percentual do ano anterior.

O fato é que a população brasileira está crescendo em um ritmo mais lento. As projeções do IBGE indicam que a população brasileira aumentará até o ano de 2042, quando começará a diminuir anualmente.

Essa transição demográfica é comum e já foi observada em diversos países, resulta basicamente na queda de taxa de fecundidade, ou seja, de as mulheres estarem tendo menos filhos. Dentre outros motivos, isso é influenciado por fatores e políticas públicas como educação, saúde e cultura, além de questões relativas ao mercado de trabalho.

Todos os municípios acabam sendo impactados por essa nova realidade. Capão Bonito e Itaberá já estão apresentando diminuição populacional nessa estimativa, apenas para citar alguns municípios vizinhos de Itararé.

Essa mudança no perfil demográfico brasileiro, com o aumento da expectativa de vida, é característica de países mais desenvolvidos, portanto essa notícia deve ser festejada, demonstra um avanço civilizatório.

D: Por muito tempo, foi alimentada certa expectativa quanto alcance da marca de 50 mil habitantes. Mas o que o índice efetivamente pode trazer de positivo para o município?

P: É verdade que havia, por parte da população, esse desejo de superar a marca de 50 mil habitantes. Muitas vezes, recebemos consultas sobre a divulgação das Estimativas Populacionais. Ocorre que a elaboração e divulgação dessas estimativas compete à Diretoria de Pesquisas do IBGE no Rio de Janeiro.

A Agência do IBGE em Itararé/SP não participa desses cálculos. Nós recebemos a informação junto com restante da população quando o IBGE divulgou os dados no site em agosto.

Sabemos que tanto a iniciativa privada, quanto os governos municipais, estaduais e federal utilizam esses dados para a tomada de decisão para investimentos ou implementação de políticas públicas. Nesse sentido, dados estatísticos precisos colaboram para a melhoria da eficiência na gestão dos recursos públicos e privados.

Há vários programas de órgãos públicos que são definidos considerando-se o quantitativo populacional. O aumento de habitantes pode incluir o município em algum desses programas ou retirá-lo dependendo da regra de cada programa.

No caso do Fundo de Participação dos Municípios – FPM não haverá nenhuma mudança. A faixa do FPM muda em 50.941 habitantes, portanto, está ainda muito distante. Para mudar de faixa, a população de Itararé teria que ter crescido em um ritmo muito mais rápido do que o ritmo brasileiro e também muito mais rápido do que cresceu na última década.

Por outro lado, o município mudará de faixa para o cálculo do número de vereadores. Segundo a Constituição Brasileira, Itararé estava na faixa de no máximo 13 vereadores, agora está na faixa de até 15.

D: Além dos pontos positivos, no que diz respeito a recursos, o que há de potencialmente negativo com a nova marca?

P: Como foi dito, no que se refere ao FPM, não haverá mudanças. Eventuais benefícios ou prejuízos dependerão exclusivamente das regras de cada programa ou política pública. Normalmente, municípios menores podem receber maior apoio na implementação de ações públicas. Por outro lado, municípios maiores podem atrair mais investimentos privados. Evidentemente, tudo isso depende de vários fatores socioeconômicos e das regras específicas de cada programa ou política pública, que são definidos pelos órgãos responsáveis pelo fomento dessas iniciativas.

D: Em artigo recentemente publicado aqui no blog Desafinado, você sustentou que existe certo incentivo à proliferação dos pequenos municípios por conta de um precedente legal relacionado ao FPM. Quais são os desdobramentos desta lógica para a estrutura das cidades e a qualidade dos serviços públicos?

P: Como o IBGE não opina, nem se manifesta sobre avaliações políticas a respeito da legislação, não posso responder essa pergunta como servidor do IBGE. Vou respondê-la como estudioso do assunto.

Você se refere a um estudo acadêmico que eu elaborei para minha pós-graduação. A análise da legislação e de dados socioeconômicos demonstra que atualmente as faixas do FPM induzem o surgimento de municípios inviáveis, apenas por questões financeiras.

A criação de municípios deveria observar, além da legislação pertinente, características histórico-culturais, socioeconômicas, geográficas e populacionais. O atendimento a todas essas questões evidenciaria o legítimo interesse de uma população para criar um município.

No meu estudo, utilizo várias pesquisas que apontam que o FPM retira parte dos recursos que poderiam ser utilizados para a melhoria de serviços públicos, como educação e saúde, além de obras e investimentos em municípios economicamente viáveis e distribui esses recursos aos municípios economicamente inviáveis, onde são utilizados para manutenção da estrutura administrativa e de representação política, como custeio das prefeituras e câmaras de vereadores.

D: O que existe de alternativa pra mudar este cenário?

P: Novamente, vou expor a minha avaliação acadêmica sobre o assunto. Deixo claro que o IBGE não se manifesta a esse respeito.

No meu estudo defendo a alteração da legislação sobre o FPM, acabando com as faixas. Os valores seriam calculados por habitante e não por faixa de habitantes. Isso deixaria de induzir a criação de municípios inviáveis, pois retiraria a vantagem financeira.

Até que a legislação do FPM fosse alterada, julgo que só deveriam ser autorizados a fusão de municípios ou o desmembramento de localidades que desejassem se fundir a municípios limítrofes.

Estudar uma nova forma de financiamento dos municípios que já preveja a diminuição da população é muito importante, pois o Brasil está passando por uma transição demográfica e já se sabe que no futuro o quantitativo populacional diminuirá. Repasse de receitas calculadas por faixas de habitantes pode deixar muitos municípios com problemas financeiros.

D: Hoje você acredita possa haver algum desmembramento em Itararé, como, por exemplo, a autonomização do Distrito de Santa Cruz?

P: Hoje a emancipação é impossível. Santa Cruz dos Lopes é um distrito do município de Itararé. Normalmente, uma localidade é elevada a distrito e, posteriormente, emancipada em município. Neste momento, está proibida a formação de municípios no Brasil, pois não há legislação que a autorize.

O artigo 18, parágrafo 4º da Constituição Brasileira rege a formação de municípios. Lá está prevista, dentre outros requisitos, a criação de uma Lei Complementar Federal estipulando regras para a formação de municípios.

Essa legislação ainda não existe. Portanto, só depois que essa Lei Complementar Federal estiver em vigor, poderão ser emancipados novos municípios.

No entanto, isso não impede que as administrações municipais estudem formas de melhorar a gestão dessas localidades. No Brasil há experiências de administrações municipais descentralizadas, como por exemplo o caso das subprefeituras. Compete aos municípios analisar a viabilidade dessas experiências.

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